Revista geo-paisagem (on line)

Ano  6, nº 11, 2007

Janeiro/Junho de 2007

ISSN Nº 1677-650 X

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ESPAÇO E CULTURA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. A QUESTÃO RELIGIOSA: EXPANSÃO DE IGREJAS E SEITAS (NEO)PENTECOSTAIS.

 

Marcus Vinicius Castro Faria [1]

 

 

Resumo: O presente trabalho versa sobre religião e geografia no Estado do Rio de Janeiro. Nós verificamos que a religião pentecostal apresentou um grande crescimento nos últimos anos no município de Volta Redonda ( RJ ) após durante  décadas representar o paradigma industrial brasileira com a usina siderúrgica – CSN. Assim, o objetivo deste texto é o de entender porque isto ocorreu.

 

Abstract: This work is about religion and geography in Rio de Janeiro State. We observe a great development of pentecostal religion in the last years in Volta Redonda district, after the local represent a success of industrialization brazilian  model with the industrial – CSN. So, the goal of this papper is to understand why it happened.

 

Palavras-chaves: Geografia, religião, Estado do Rio de Janeiro, tendências

Work-keys: Geography, religion, Rio de Janeiro State, last tendencies.


Introdução


            A falência do modernismo, a crise econômica, o desconforto social, provocam uma espécie de desencantamento do mundo e favorecem um fascínio pelo mágico e pelo maravilhoso que vem sendo capitalizado pelas religiões de tipo pentecostais. Diante da complexidade da crise econômica e tecnológica, e mergulhados em dívidas, frustrações e no desemprego, assistimos a uma regressão do indivíduo; empobrecidos e desorientados as pessoas abandonam sua confiança nos procedimentos racionais em prol de práticas irracionais e infundadas; uma atração pelo irracional, pelo sobrenatural, e pelo maravilhoso. ”As massas começam a pensar que as principais calamidades que os atingem não encontrariam remédio em raciocínios lógicos sobre a realidade, mas em meios que, viessem a afastá-los como a magia, e tanto é assim que é mais cômodo e menos penoso sonhar do que pensar” (RAMONET, 2001, p. 83). Cecilia Mariz aponta “que para todos quantos são portadores de uma visão encantada do mundo o gasto com o sagrado e o sobrenatural resulta lógico e legitimo” (MARIZ, apud ORO, 2001, p. 201).


            Atrelado a este fato, constatamos uma total incompetência e incapacidade dos dirigentes políticos para enfrentar os dilemas políticos e econômicos, criando certo ceticismo, uma descrença e um descrédito em relação  à classe política, que utiliza medidas paliativas, assistencialistas, e populistas, baseados na doutrina do “pão e circo” - vide o exemplo do Rio de Janeiro atual.

 

            Tuan lembra que a construção de um “reino mítico” norteia a satisfação das necessidades intelectuais e psicológicas, salvando as aparências e dando uma explicação dos acontecimentos. Este “espaço mítico é também uma resposta do sentimento e da imaginação às necessidades humanas fundamentais”.


            Nesta pesquisa procuraremos ver a dimensão desses processos, analisando o caso particular do município de Volta redonda – RJ. Como amostra para o presente estudo vamos analisar as igrejas Universal do Reino de Deus - IURD e a Assembléia de Deus - AD, pois estas são as mais representativas e de maior projeção numa escala local, regional e nacional. Assim como, podemos aprofundar melhor nas análises concentrando-nos em duas vertentes do pentecostalismo; pois quando tratamos da AD, esta se insere no grupo dos pentecostais tradicionais por seguir uma conduta própria das igrejas que se intitulam com esta denominação, fruto da fragmentação da igreja batista; ao observarmos a IURD, no entanto, notamos um distanciamento do pentecostalismo usual e o surgimento de uma nova prática, onde estão presentes as idéias de “teologia da prosperidade” e “fé de resultados”; o que alguns autores denominam neo-pentecostalismo. Então, o emprego do
neo deixa em aberto a utilização de determinada nomenclatura às diferentes práticas e condutas das duas igrejas em questão.



O pentecostalismo

 

            O principal aspecto religioso que diferencia o pentecostalismo protestante dos ramos evangélicos tradicionais e católicos assenta-se, basicamente, na ênfase dada à crença no Espírito Santo. Esta se coloca como a crença maior, em torno da qual gravitam todas as demais crenças e práticas religiosas. A manifestação do Espírito Santo é, assim, a crença comum que integra os crentes ao conjunto pentecostal.(MACHADO, 1994 e 1997)


            O movimento pentecostal assenta-se sobre algumas doutrinas básicas como: “da salvação pessoal, de santidade, de cura divina, do batismo com o Espírito Santo como autoridade para o ministério, e pela expectativa do iminente retorno de Jesus Cristo” (BURGESS, apud GUIMARÃES, 2005, p. 36). Machado sintetiza que “o fundamento das práticas e crenças pentecostais, portanto, reside em acreditar que o Espírito Santo derrama sobre os fiéis uma variedade de dons, repetindo-se, hoje, episódios do cristianismo primitivo. A base de credibilidade do Espírito Santo é retirada da Bíblia, sendo seus textos tomados ao pé da letra”.


            No tocante ao conteúdo ético da mensagem religiosa pentecostal, Marion Aubrée ( apud MACHADO, 1994, . 137 ) designa como três os importantes eixos em que se estruturam: “Louvar a Deus” apesar de todos os obstáculos, louvá-lo em qualquer circunstância, visto que só a ele pertence o conhecimento do que é bom ou mau para a salvação da alma e para a vida eterna; “submeter-se à autoridade”, pois toda autoridade provém de Deus. Este princípio implica a submissão, basicamente, ao pastor, ao patrão, ao governo e ao marido; e “respeitar as proibições: em geral, estas relacionam-se a numerosos detalhes da vida cotidiana. Percebemos nestes conteúdos, uma orientação de conduta social que vão propiciar/ condicionar e auxiliar a difusão desta religião em todo território nacional.” Uma apropriação material e simbólica; efetiva e afetiva.


            Tal conduta está impregnada daquilo que Foucault ( 2005 b ), quando estudou a dinâmica e os meandros do poder chamou de Controle, Normalização e Disciplina; chegando inclusive a utilizar o termo “adestramento”. Não carregando em seu cerne qualquer potencial revolucionário, observamos que a intenção das doutrinas pentecostais é tornar os fieis dóceis, manipuláveis, rentáveis, submissos, obedientes e amedrontados; “controle das mínimas parcelas da vida e do corpo. [...] uma obediência pronta e cega” . Ainda, o que o filósofo francês vai denominar de principio ”suavidade-produção-lucro” na esfera do poder no domínio e controle social, se encaixa com perfeição na abordagem da conduta ético-religiosa pentecostal, sua manutenção e expansão. Com isto temos a base de uma “mentalidade pentecostal” (GUIMARÃES, 2005), entendendo por mentalidade o substantivo que agrupa as noções de grupo de crenças, de práticas, de sistemas, de valores, de comportamento, de atitudes, de idéias, de costumes, de pensares, de sentimentos. Uma conduta ética que reflete como um poderoso instrumento de controle da multidão.


            “Os movimentos religiosos do tipo pentecostal possuem uma linguagem de louvor, de entusiasmo e de descontração contrária á linguagem de sacrifício, de obrigação e de seriedade freqüentes na concepção tradicional do cristianismo. A reza é um lazer e não uma tarefa. A adoração é um prazer antes de ser um dever. Nesta linguagem, podemos observar uma sintaxe diferente da sintaxe do trabalho e do “fazer” do “espírito capitalista”.[...] A máquina narrativa do milagre consiste em transferir o discurso do plano do “fazer” ao do louvor.” (CORTEN, 2001, p. 153)


            A importância dos cultos se coloca como fundamental na reprodução pentecostal, principalmente se analisa sob a ótica local, pois funcionam como alternativas de lazer. Além do mais, oferecem a comunidade uma certa dose de segurança material e emocional. Se por um lado a igreja impõe a seus membros determinadas atribuições financeiras e linhas de conduta, por outro ela oferece, através dos cultos, um espaço de lazer seguro, onde é permitido dançar, gritar, chorar, conversar sobre angústias e problemas. Dessa forma, vai sendo estabelecida e configurada uma teia de relações sociais que se sustenta através da comunidade religiosa, algo eminentemente coletiva.

            Como um dos principais agentes responsáveis pela expansão do pentecostalismo são os próprios membros da igreja, crentes e pastores, como também os principais instrumentos vetores da expansão do pentecostalismo localmente.


            Neste estudo tomamos como exemplo desta conduta as igrejas Assembléia de Deus e Universal do Reino de Deus, embora esta última se encaixa em uma outra corrente do pentecostalismo denominada neo-pentecostalismo.


            Chamamos aqui de neo-pentecostalismo aquela parcela do pentecostalismo surgido no Brasil a partir da década de 1960 e que vem sendo motivo de diversas discussões. Além de seguir as principais crenças e doutrinas do pentecostalismo tradicional acrescenta: a “ênfase na realização de milagres mediatizados pelas igrejas com testemunhos públicos dos mesmos; ênfase em rituais emocionais e, sobretudo, em rituais de cura, associados a uma representação demoníaca dos males; uso intensivo dos meios de comunicação de massa: impressos, radiofônicos, televisivos e informatizados; combinação de religião com marketing, dinheiro e, em alguns casos, política; sensibilidade para captar os desejos dos fieis não somente das baixas camadas sociais; projeto de constante expansão, em alguns casos para além das fronteiras nacionais”.(ORO, 2001, p. 205).


             Observa-se um importante espaço reservado às práticas mágicas e financeiras. Como exemplos de igrejas que seguem esse tipo de conduta temos a
Universal do Reino de Deus, a Internacional da Graça de Deus, a Deus é Amor e a Renascer em Cristo, como as mais representativas deste novo pentecostalismo brasileiro.


            Esta adaptação do pentecostalimo é denominada “teologia da prosperidade”; prometem um paraíso mundano rompendo com a idéia do ascetismo protestante centrado no trabalho, ressaltada por Weber em seu clássico
A ética protestante e o espírito do capitalismo. O que interessa é o aqui e o agora. Atribui-se a culpa de todos os males ao Diabo e os homens não são responsáveis pelos atos de maldade que cometem, pois o Diabo os levam a pecar. Torna-se escancarada a ambição materialista e imediata na relação com Deus. Somente o dinheiro traz felicidade e enriquecer tornou-se o único objetivo digno de uma vida (RAMONET, 2001). A Universal do Reino de Deus tem um “espaço para os empresários”, os clipes com carros, casas e toda aquela promessa de sucesso, relacionando Deus e dinheiro diretamente; prometem fórmulas sobrenaturais na resolução de todos os males da sociedade contemporânea como a frustração, dividas e o desemprego. O pastor representa “o profeta de Deus nesta terra, que estará desafiando a todas as enfermidades: câncer, diabete, AIDS, paralisa, macumba, bruxaria, angustia, desespero”, segundo cartazes anexados em postes e muros convocando para uma “Confraternização da Igreja Deus é Amor”.
“Teologia da prosperidade não é uma reedição da ética protestante calvinista e de sua moral sobre o trabalho. Trata-se, ao contrário, de uma concepção da prosperidade que não tem nada a ver com o ”fazer”. Se o campo tortuoso da inveja é transformado em um campo iluminado da benção, isto acontece não através do trabalho mas através do louvor da força do Espírito Santo. Escapamos dos maus espíritos, que a inveja dos vizinhos lançam sobre nós, fazendo apelo a um espírito mais forte.” (CORTEN, 2001, p. 154)

            Ari Pedro Oro nos chama a atenção para o êxito econômico encontrado nas empresas religiosas neo-pentecostais legitimando-se ideologicamente na Teologia da Prosperidade, visto que esta também incentiva o progresso econômico/ financeiro dos seus fiéis. Esta teologia, ao invés de valorizar temas bíblicos tradicionais de martírio, auto-sacrifício, arrependimento, etc. valoriza a fé em Deus como meio de obter felicidade, saúde física, riqueza e poder terrenos. Em vez de glorificar o sofrimento, enaltece o bem-estar do cristão neste mundo; numa demasiada exacerbação da vida mundana, hedonista.


            Notamos que para aqueles que entendem “magia” como uma pseudo-religião, caminho desviante de religião, destituída de ciência e de outros meios mais racionais, as múltiplas mediações no contato com o sobrenatural (ORO, 2001), denotam uma fé interesseira, utilitarista e instrumental. Enquanto outrora a magia tinha uma utilização na proteção (contra o “olho grande”, bruxaria, e situações incertas e perigosas), atualmente ela vem sendo atualizada pelas igrejas neo-pentecostais para sanar os problemas da sociedade moderna, sobretudo de ordem econômica, psicológica e terapêutica.


            “Vimos que esse segmento religioso efetua um deslocamento do signo dinheiro no campo religioso. Se historicamente ele foi percebido, sobretudo como algo impuro, até certo ponto enquanto cristalização do mal e dos vícios, hoje, no neo-pentecostalismo, assume um sentido positivo, enquanto símbolo que realiza a mediação privilegiada com o sagrado em espaços de troca ritual. Além disso, o dinheiro não é somente percebido como um símbolo em si; trata-se de um símbolo que recebe uma graduação de acordo com uma lógica econômica; em outras palavras, não é questão do fiel simplesmente ofertar, dar dinheiro para receber os benefícios esperados, mas, antes, de ofertar segundo parâmetros quantitativos onde prevalece a crença de que dando mais, mais chances desfruta de alcançar a graça, cuja grandeza depende, inclusive, do valor ofertado.” (ORO, 2001, p. 212 )

 
            Pode-se averiguar que uma pessoa, ao procurar uma igreja pentecostal, via de regra, busca uma segurança emocional capaz de lhe dar condições para continuar enfrentando todos os problemas materiais. Assim, não dispondo de nenhum tipo de atendimento, nem por parte do estado, nem por parte da iniciativa privada, se torna alvo facilmente atingível por instituições que atuam na escala local, como é o caso da igreja pentecostal.


                                                                                                                                         Baseado em Robert Sack (1986), em termos geográficos, a territorialidade entendida como territorialidade humana, é uma forma espacial de comportamento social. È uma estratégia de afeto, influencia e controle sobre um determinado espaço. A territorialidade está intimamente relacionada à utilização da “terra” por uma determinada sociedade, ela está diretamente relacionada à organização de uma dada sociedade no espaço e no tempo. Portanto, a territorialidade é um componente geográfico central para entender como a sociedade e o espaço estão intimamente relacionados. Tal territorialidade afeta diretamente o comportamento humano em todos os níveis da atividade social.


            De um modo geral, Sack define territorialidade como uma intenção de indivíduos ou grupos de produzir, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, através da delimitação e defesa de uma determinada área geográfica. Essa área é entendida como território; ainda segundo o autor, o território é uma área demarcada como área de influencia e controle; a territorialidade se coloca como a principal forma espacial de tomada de poder. Neste sentido, tanto território quanto territorialidade são construídos socialmente.


            “Esta forma peculiar de expansão, nitidamente relacionada à estrutura organizacional pentecostal, passa a se materializar através de uma enfática atuação dos fiéis principalmente na esfera do cotidiano. Nesse sentido, a estratégia de expansão se reproduz por uma rede de ação estabelecida pelos crentes que pode ser identificada pela apropriação espacial que este movimento religioso realiza. Essa apropriação espacial nada mais é que sua territorialidade”. (MACHADO, 1997 a, p. 41)

 

O pentecostalismo brasileiro e fluminense



            Nestes últimos anos temos assistido a uma verdadeira avalanche evangélica pentecostal que vem inundando o país. Esta tendência tem a visibilidade aumentada pela natureza do proselitismo religioso dos pentecostais e pelo tipo de publicidade feita por essas igrejas. O número de pessoas que declaram pertencer a uma das religiões do grupo pentecostal encontra-se em constante aumento no Brasil: 3,9 milhões em 1980, 8,8 milhões em 1991 e 18 milhões em 2000. Como se vê, a população pentecostal mais do que dobra a cada década. A taxa de variação media anual dos pentecostais observada em 1991 a 2000 cresce 8,3%, enquanto a população total aumenta apenas 2%, durante este mesmo período.


                    O perfil demográfico e socioeconômico dos pentecostais apresenta grandes desvios em relação à média brasileira. Do ponto de vista demográfico, os pentecostais habitam mais as zonas urbanas do que as rurais congregam mais mulheres do que homens, mais crianças e adolescentes do que adultos, e mais negros, pardos e indígenas do que brancos; de acordo com o Censo de 2000.


            Em relação aos aspectos sociais, em matéria de educação, se caracterizam por um nível muito elementar, uma vez que os seus fiéis possuem, sobretudo, cursos de alfabetização de adultos, antigo primário e primeiro grau. No que diz respeito às atividades econômicas, os pentecostais apresentam um nível de remuneração muito baixo, uma vez que eles recebem basicamente até três salários mínimos.


            Todos esses desvios do perfil demográfico e socioeconômico, em relação a média brasileira, revelam que o pentecostalismo se mostra particularmente bem implantado nas camadas mais populares que vivem nas cidades.

                                                                                                                                                  Na  região metropolitana do Rio de Janeiro, por sua vez, os pentecostais cercam a capital fluminense por todos os lados; assim, eles representam mais de 21% da população em municípios como Belford Roxo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Itaboraí. Observa-se ainda a presença de pentecostais na própria cidade do Rio de Janeiro, nos distritos da Zona Oeste, sobretudo em Santa Cruz, Campo Grande e Bangu.


            A Assembléia de Deus (AD), com 8,4 milhões de fieis, situa-se claramente em primeiro lugar entre as igrejas pentecostais do país, com 47% dos adeptos desse grupo religioso. Ela se encontra implantada na maior parte das grandes cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro, onde reúne 760.000 fieis, e em São Paulo, com 500.000 adeptos de acordo com o senso de 2.000. A taxa de crescimento media anual de 14,8% entre 1991 e 2000, situa a AD em terceiro lugar quanto ao aumento do número de fieis das igrejas pentecostais.


            A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), por sua vez, é de origem mais recente, uma vez que ela foi criada em 1977, no bairro da Abolição, na cidade do Rio de Janeiro. Esta igreja tem recorrido amplamente aos meios de comunicação de massa para se desenvolver, principalmente pela televisão. Ao que tudo indica, esta estratégia foi bem sucedida, uma vez que ela passou de 269.000 fieis, em 1991, para 2,1 milhões, em 2000, o que representa 12% dos pentecostais.


            Os maiores contingentes de adeptos da IURD estão localizados nas capitais dos estados. O Rio de Janeiro situa-se em primeiro lugar, com cerca de 350.000 pessoas, seguido de São Paulo, com 240.000. Observa-se que no estado do Rio de Janeiro, a Universal do Reino de Deus é particularmente bem instalada nos municípios que integram a regia metropolitana, principalmente.


            Sem dúvida, a capacidade da IURD de se estabelecer a longo do território nacional está ligada à mídia que ela soube utilizar, principalmente o radio e a televisão. Como se sabe, a Rede Record pertence a essa Igreja e o mapa da localização das suas afiliadas mostram bem a estratégia adotada de implantação diferenciada pelo país. Pode –se distinguir, então, três modalidades desta implantação: em primeiro lugar, se procura conquistar as capitais dos estados, de onde é possível atingir a maior parte da sua população; todas as capitais estão incluídas na Rede Record, menos Aracaju. Em seguida, conquistam-se os principais centros de segundo nível; este segundo tipo de implantação diz respeito apenas a uma parte do Brasil, pois, sobretudo a Região Nordeste e o estado de Minas Gerais não participam desse movimento, em razão de uma má receptividade das populações do interior ás mensagens da IURD. Finalmente, pode-se notar que nos espaços particularmente favoráveis à Igreja Universal, a Rede Record apresenta uma malha densa no território, principalmente no Mato Grosso, Rondônia e Maranhão.

 

Caracterização do município em estudo – Volta Redonda ( RJ )



            Para falarmos de Volta Redondas temos obrigatoriamente que falar da Companhia Siderúrgica Nacional - CSN que foi um fator condicionante da história do município. Ou seja, quando falamos da história de Volta Redonda esbarramos, necessária e rigorosamente, na historia da usina; de certa forma, as duas partes se confundem. “Cidade e fábrica se integram e se completam, crescem juntas, como uma unidade única no espaço”; “a cidade que nasceu a serviço da indústria e se expandiu crescendo a seus pés. As casas, os serviços, as áreas publicas e privadas da cidade são o desdobramento externo da fabrica”.(MOREIRA, 2003, p. 139).


            Volta Redonda representa a cidade com a economia mais importante da região do Medio Vale do Paraíba e do Sul Fluminense; com uma população estimada, em julho de 2006, de 258.145 habitantes e uma área de 182,317 Km², configura-se como uma cidade de médio porte.
Nos anos 1970 e 1980, a cidade vivia um período crescente e próspero, na esfera econômica; neste período, a classe média mantinha um poder de compra considerável, o que tornava o comércio bastante ativo inclusive entre os outros segmentos mais baixos da sociedade. A CSN absorvia de engenheiros, dentistas a analfabetos (peões) em toda sua complexa estrutura industrial. Basicamente toda família tinha, pelo menos, um parente funcionário da usina. Enfim, a cidade vivia seu apogeu.


            Toda essa prosperidade, os anos de ouro da cidade, começou a declinar a partir de 1993 quando a CSN foi privatizada. Ainda em abril de 1990 a usina empregava 23.700 trabalhadores. “Sob o argumento de preservar a empresa e os demais empregos, demite 6.900 trabalhadores. Até a privatização terá demitido cerca de 12.000. Pouco depois de privatizada, a empresa tem apenas 10.000 trabalhadores. Uma redução drástica para os trabalhadores e a cidade”. (MOREIRA, 2003, p. 153).


            Partindo da consideração que o município depende dos gastos da “família siderúrgica”, calculada em 1993 em 110.000 pessoas entre empregados, aposentados e familiares, pode-se inferir o efeito das demissões no comércio e na estabilidade social da cidade de Volta Redonda.


                Nos anos seguintes assistimos a uma abrupta redução contínua no quadro de funcionários da empresa; tal como uma queda considerável dos salários dos trabalhadores. Atualmente o Escritório Central da CSN se encontra desativado, já recebendo oferta de compradores como a Universidade Estácio de Sá e a própria Igreja Universal do Reino de Deus. Mas nenhuma das negociações caminharam. Hoje a usina conta com cerca de 200 a 500 trabalhadores no Escritório Central de Volta Redonda que se mudou para um prédio um tanto modesto. Inclusive, grande parte das tarefas antes desenvolvidas na cidade foram transferidas para São Paulo, principalmente as de cunho administrativo e aquelas que demandam uma qualificação mais elaborada. Em 2003, a sede da companhia localizada no Rio de Janeiro foi transferida para São Paulo.


            Com o passar dos anos a cidade passou a conhecer do que é de fato o desemprego e a periferização do município; uma queda drástica no poder de compra da população, visível quando analisamos o elevado número de escolas particulares que fecharam as portas e a crescente procura por vagas nas escolas públicas.


                    Os efeitos diretos e indiretos do desemprego na cidade são expressos além do cotejamento do volume de emprego da CSN e sua queda. No tempo, dá uma dimensão clara do problema social decorrente; a privatização levou a dispensa de 12.700 trabalhadores no espaço de menos de uma década: de 23.200 em 1989, cai para 15.750 em 1993 e 11.500 em 1997. Como resultado percebemos um efeito assimétrico para a cidade e a empresa: na ponta social da cidade, temos: “515% de crescimento de inadimplências em 1997, contra 161% em 1992/1993; 13 mil registros de ocorrências policiais em 1997, contra 7 mil em 1993”.(MOREIRA, 2003, p. 154).


            Foi justamente neste período de declínio e falência da cidade que começamos a presenciar a proliferação das mais variadas igrejas evangélicas pentecostais se espalhando pelo território de Volta Redonda. Um marco deste período foi quando em 1998 a Igreja Universal do Reino de Deus comprou um prédio onde funcionava o Banco Porto Real, recentemente falido,  que funcionava no centro mais importante da cidade, próximo ao antigo Escritório Central, para servir como sede da IURD na cidade.


            No caso particular do município de Volta Redonda, foi possível obter a trajetória da IURD desde a criação do seu primeiro templo na cidade, até o ano de 2006. Com esses números podemos fazer uma análise mais embasada.


            Em 1989 a Universal inaugura sua chegada na cidade instalando-se no bairro Açude, um dos maiores bairros e dos mais pobres, com elevado índice de violência; em 1990 abre um galpão no bairro Amaral Peixoto na avenida do mesmo nome onde cabem cerca de 200 fieis. Esta avenida onde a IURD abre seu segundo templo é localizada exatamente no segundo centro comercial mais movimentado da cidade, onde há dezenas de lojas, mais voltadas para as classes C, D e E ( as mais pobres do município ).

 

            Em 1991 abrem um templo no bairro Nove de Abril, também um bairro marcado pela violência, pela pobreza e pelo tráfico de drogas, tal como acontece nos bairros Pinheiral, Retiro, Ponte Alta e Água Limpa; todos são grandes bairros populares e justamente onde a IURD irá se instalar nos anos de 1992, 1993, 1995, 1996, respectivamente.


            No ano 2000 ela compra sua sede, mencionada anteriormente, onde cabem 600 pessoas sentadas e situa-se no centro comercial mais movimentado da cidade. Neste centro os serviços são mais sofisticados, direcionados para classes A e B ( os mais abonados ); situa-se no bairro Vila Santa Cecília, onde localizam-se os dois maiores shoppings centers da cidade além de ser o local onde está localizado os únicos teatros e cinemas no município. Em 2001, 2002, 2003 e 2004 a IURD se estabelece novamente em bairros populares e com elevado grau de violência. São os bairros: Santo Agostinho, bairro com grande população – pobre na sua maioria - onde se localiza o principal centro poli-esportivo e recreativo da prefeitura; Três Poços, um distrito rural de Volta Redonda marcado pelo desconforto social e onde não se encontram grande sofisticação nos serviços prestados, ali residem classe D e E. No mesmo ano é aberta uma igreja no bairro São Luis, localizado no limite do município de Volta Redonda com Barra do Piraí e ponto onde se percebe a ausência dos dois municípios; área marcada pelo trafico de drogas e por conflitos e tiros trocados entre a policia e os grupos que tentam implantar/ comandar os pontos de drogas nesta região de fronteira; em 2003 abrem um templo no bairro Nova Esperança, situado longe dos centros comerciais da cidade e onde existem precários serviços de saúde e educação; finalmente, em 2004 a Universal instala uma igreja no bairro Roma II, se localizando numa área de características semelhantes aos 5 últimos bairros citados.


            Em suma, podemos definir que dos 13 templos representados pela IURD na cidade, 11 se localizam em bairros da periferia marcados pelo desconforto social e pela inclusão precária, mas sempre alojados em ruas movimentadas, sempre buscando a visibilidade; e os outros dois templos localizam-se nos principais centros comerciais do município: um atendendo as classes A e B e, o outro, às classes C, D e E. Fica evidente a expressão do pentecostalismo (em particular o caso da Universal do Reino de Deus) junto às parcelas mais desprivilegiadas social e economicamente da população.


            Dessa forma, pode-se inferir que a difusão pentecostal “guarda uma estreita relação com o local de moradia dos pobres urbanos. Tais locais, quanto mais carentes economicamente forem, melhor se constituirão como áreas estratégicas de materialização da mensagem pentecostal”. (MACHADO, 1994, p. 149)

 
            Percebemos uma estratégia de seletividade locacional e geoestratégica peculiar a Universal que difere de todas as demais igrejas dos grupos pentecostal, católico e protestante – a sua territorialidade. Seus templos são estrategicamente localizados em lugares extremamente movimentados, avenidas e ruas de comércio intenso e que tem um alto valor imobiliário relativo, dada a privilegiada localização. Além disso 13 templos não é um número tão alto para uma igreja que possuía em Volta Redonda aproximadamente 3.435 fieis no ano 2000 de acordo com o senso do IBGE. A IURD dá preferência a construção de templos suntuosos e faraônicos onde comportam um grande número de pessoas e localizados em lugares movimentados que chamem a atenção das pessoas ao passarem na frente, à templos de pequeno porte situados em lugares escolhidos aleatoriamente, “opacos”. Assim ela recorre a pontos onde os templos tenham um raio de atuação e influência – um nicho de atuação - que abarque um número de bairros próximos, uma região, e visível àqueles que não moram perto, mas podem ir de ônibus ou qualquer outro meio de locomoção. Assim a IURD não se instala apenas em bairros pobres mas também em bairros de classe média alta e bairros não residenciais, se instalando sempre, rigorosamente, em grandes bairros.

 

            A própria sede da  igreja apresenta um particular tipo de mármore vermelho escuro, com um grande estacionamento e vidros escuros, enfim, um prédio imponente. Os cultos ficam lotados com até 800 pessoas. Vem pessoas dos mais distantes bairros assistir aos cultos nesta nova igreja, e ainda pessoas de outros municípios vizinhos.  Percebemos que a arquitetura do prédio-igreja agia no imaginário das pessoas, no sentido daquele templo enorme e bonito fascinava as pessoas que antes freqüentavam igrejas no fundo de garagens, em balcões alugados, em qualquer espaço improvisado ou em igrejas modestas e humildes. Talvez a própria beleza, incomum a uma igreja da região, tal como sua arquitetura nada sacra, atraia um elevado número de pessoas.


            “A igreja pentecostal desenvolve uma estratégia espacial que vem apontar um novo tipo de território e de territorialidade, essencialmente informal e transitório; que são elementos fundamentais dessa crença religiosa, que determinam não só seu sucesso em termos de expansão, como também uma especifica configuração espacial, sem limites e sem fronteiras”.(MACHADO, 1994, p. 161)

 
                                                                                                                                         Percebemos a estratégia espacial desempenhada pela IURD posicionada numa ordem comercial, dentro de uma esfera mercadológica de localização; se busca, a todo custo, a visibilidade e a publicidade assumindo uma postura “comercial”. Onde busca-se ocupar um espaço imobiliário valorizado no território.  Em nenhum momento sacralizam os lugares, mas sim, as pessoas; esse argumento esta em consonância com Tuan (1983), quando afirma que o estabelecimento de lugar tende a ser desencorajado nas religiões de esperança transcendental.

 

            Em Volta Redonda, visitamos o templo-sede da Assembléia de Deus que está na cidade há mais de 30 anos, com o maior número de fiéis do grupo pentecostal na cidade; se disponibilizaram a ceder as informações assim que lhes apresentasse o projeto de pesquisa com os objetivos, que seriam analisadas pelo Pastor David Cabral, autoridade maior da AD na da cidade. No entanto, após sucessivas visitas ao templo nunca encontramos tal pessoa (que se encontrava em viagens, seja aos EUA, seja a outro lugar do Brasil), mas nos informara que ele já havia tomado posse do material e estava analisando; até o momento, não se manifestou.

 

Conclusão


            As características acima destacadas permitem analisar o pentecostalismo segundo a capacidade de adaptação às transformações inerentes e imanentes à sociedade contemporânea.

            Este movimento religioso possui e desenvolve uma específica forma espacial de controle social essencialmente dinâmica. O território e a territorialidade pentecostal são estabelecidos momentaneamente com mobilidade e transitoriedade que permitem acompanhar o movimento estabelecido pela sociedade contemporânea; uma especifica forma de apropriação espacial hodierna.



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VOLTA



[1] Formado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense. O presente trabalho foi desenvolvido por Marcus Vinicius Castro Faria enquanto teve uma Bolsa de Iniciação Científica pelo programa PIBIC/UFF. A pesquisa foi orientada pelo Prof. Dr. Helio de Araújo Evangelista.