Revista geo-paisagem (on line)

Ano  1, nº 1, 2002

Janeiro/Junho de 2002

ISSN Nº 1677-650 X

 

A Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro

 

Helio de Araujo Evangelista[1]

Resumo:

            A geografia brasileira já apresenta uma memória no que diz respeito à produção, quadros envolvidos e instituições promotoras. Porém, infelizmente, este legado é pouco conhecido.

            Neste sentido, o trabalho visa resgatar um pouco desta história tendo por base a origem da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

 

Palavras chaves: Sociedade, Geografia, Rio de Janeiro

 

Abstract:

            The brazilian geography has a memory expressed by your production, people linked with and institutional players of this kind of knowledge. Unfortunately, this story isn’t known.

            So, this paper has the object to promote this story by searching the  Rio de Janeiro Society’s Geography.

 

Keywords: Society, Geography, Rio de Janeiro

 

1. Apresentação:

 

            Quando recorremos à obra de Fernando de Azevedo - As ciências no Brasil - na intenção de melhor conhecer a evolução da geografia brasileira ( capítulo VII, escrita por José Veríssimo da Costa Pereira ) não deixa de ocorrer um contraste entre o que o texto apresenta sobre a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro e a dinâmica que esta tem ao lermos as atas de suas reuniões e os boletins que publicava. [2] No material consultado, verifica-se uma vitalidade que cabe ser melhor conhecida. Neste sentido, o presente trabalho, se pautando pelo material encontrado nos anuários da entidade, visa fornecer subsídios aos que estudam a geografia no Brasil .

 

A origem

 

            No dia 25 de fevereiro de 1883, ao meio dia, num dia ensolarado de domingo, em pleno verão carioca, distintos senhores do Império se reuniram para, em apenas meia hora, fundar a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

            A sessão contou com a presença de pessoas ilustres à época, e esta foi precedida por reuniões preparatórias no intuito de se promover tal sociedade

            Recorrendo às primeiras atas da Sociedade podemos encontrar no Boletim da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, tomo I, nº2, 2º trimestre, anno de 1887, a Acta da sessão de fundação , p. 177 :

 

Aos 25 dias do mez de Fevereiro do anno de 1883, às 12 horas do dia, reunidos em uma das salas do edificio da escola publica de freguezia de Nossa Senhora da Gloria, à praça do Duque de Caxias, os Srs. senadores Manoel Francisco Correia, Henrique Beaurepaire Rohan, Alexandre Affonso do Carvalho, ...[3]

 

p. 178 ... S. Ex, o sr. Presidente declarou, que o objecto da reunião era, á vista de convinte que vai abaixo transcripto, a fundação de uma sociedade de geographia.

Este convite é do theor seguinte : - Dezejando os abaixo assignados fundar n’esta cidade uma sociedade de geographia, á similhança das que existem em quazi todas as cidades importantes, vem rogar a V. Ex., no cazo de adherir a este propozito, se digne comparecer no domingo 25 do corrente, ás 12 horas do dia, no ...[4]

 

p. 179 S. Ex. o Sr. prezidente declarou fundada a Socieade de Geographia do Rio de Janeiro, e não havendo mais nada a tratar-se, levantou a sessão ás 12 ½ horas.

 

            Temos, a seguir, uma relação de episódios, tendo por base o mesmo boletim aqui utilizado, que demarcam os primeiros passos da entidade:

 

p. 180 1ª sessão preparada em 15 de abril de 1883, com eleição da 1ª diretoria provisória. presidência do Sr. Conselheiro Manoel Francisco Correa

p. 181 2ª sessão em 20 de maio de 1883, Presidência do Sr. Conselheiro Tristão do Alencar Araripe

p. 182 3ª sessão preparada em 27 de maio de 1883, Prezidencia ( sic ) do Sr. Vinconde do Paranagua [5]

p. 183 4ª sessão em 3 de julho Prezidencia do Sr. Vinconde do Paranagua

p. 184 5ª sessão 10 de junho Prezidencia do Sr. Vinconde do Paranagua

p. 185 6ª sessão em 17 de junho Prezidencia do Sr. Vinconde do Paranagua

p. 186 7ª sessão com um de julho Prezidencia do Sr. Vinconde do Paranagua

p. 187 8ª sessão com 8 de julho Prezidencia do Sr. Vinconde do Paranagua

 

            Após estes trabalhos, é então definida uma Assembléia Geral que veio a ser realizada em setembro de 1883. Nesta, o então presidente Sr. Visconde do Paraná, que contou com a presença de 29 pessoas, lembrou, conforme p. 188 do Boletim ora utilizado:

 

... a conveniencia da inscripção de senhora como socias, e submete uma proposta á consideração da assembléia. Essa proposta, depois de sobre ela orarem o Sr. prezidente, Octaviano Hudson, Alencar Araripe, Luiz Alvares, Licinio Barcellos, Pereira de Campos, Aleixo Gary e conselheiro Henriques foi adiada, sendo nomeada uma comissão composta dos Srs. Conselheiro Henriques e Affonso de Carvalho e Dr. Parreira do Campo, para interpor parecer .[6]

 

            Em seguida, p. 188 em diante, foi eleita uma direção e as seguintes comissões de estudo - geographia physica, geographia politica, geographia mathematica e do americanista - assim como o estatuto, que se segue:

 

capitulo I

Art. I Fica fundada na cidade do Rio de Janeiro uma sociedade com a denominação de Sociedade de geographia do Rio de Janeiro tendo por fim o estudo, discurso, investigação, e exploração scientifica da geographia nos seus differentes ramos, principios, relações, descobertas, progressões e aplicação; e como especialidade o estudo e conhecimento dos factos e documentos concernentes á geographia do Brazilo.

Art. 2. A sociedade preencherá os fins indicados no artigo antecedentes por meio :

& 1. De sessões, conferencias, preleções, congressos scientificos, investigações, viagens, etc.;

& 2. De publicação, archivos, bibliothecas, museus e correspondencia ou relação com outras socieadades ou gremios geographicos nacionaes ou estrangeiros

...

p. 197 Art. 28 A receita da sociedade consistirá:

&1. Nas mensalidades, joias e remissões dos socios effectivos

&2. No produto dos exemplares dos estatutos, regulamentos, prelecçãos, conferencias e quaesquer outros trabalhos da socieadade, que forem impressos;

&3 . Nos donativos feitos á sociedade;

&4  Logo que a somma em seu poder , deduzido a necessaria para as despezas, excede de 200$000, a recolherá a um banco, podendo realizar a compra da apolices logo que haja para esse fim quantia disponível.

 

            Um elemento que auxiliou a realização da idéia da Sociedade foi a própria proximidade física das pessoas envolvidas, ou seja, a entidade ficava próxima das moradias das pessoas diretamente interessadas. O prédio ocupado para as reuniões é o que corresponde, atualmente, ao prédio da escola Amaro Cavalcanti ( no largo do Machado, então conhecido como praça Duque de Caxias, onde havia uma estátua de Duque de Caxias ). [7]

            Porém, ao par deste aspecto, há outros assinalados pelo Sr. Dino Willy Cozza. Este, em sessão magma da entidade, que agora tem o nome de Sociedade Brasileira de Geografia, afirmara no dia 25 de fevereiro de 1997, data do 114ª aniversário da sociedade :

 

“ Não é demasiado recordar as vantagens, que resultam em geral do estabelecimento de sociedades deste gênero; principalmente nos países como o Brasil ...O Instituto Histórico, Geographico e Ethnographico Brazileiro que se acha instalado nesta Côrte desde o ano de 1838, muito tem comparado para a elucidação de diferentes assuntos concernentes à geografia do império; porém, a complexidade dos seus fins, e principalmente a maior concentração da sua atividade nos estudos históricos deixam manifesta a conveniência de se confiarem aqueles assuntos a uma associação especial que deles cogite expressamente.

A Seção da Sociedade de Geographia de Lisboa [8] , instalada em 1878 nesta Côrte, como filial à daquela capital, preencheria por si plenamente os fins acima expostos, se não subsistisse a circunstância de ser apenas uma seção da Sociedade de Geographia de Lisboa [9]

... a mais antiga sociedade de geografia é a de Paris, cuja fundação remonta a 1821. À fundação da Socieade de Geografia de Paris seguiram-se as de Berlim, em 1828; de Londres, em 1830; de Bombaim, em 1831; de Franckfurt-sobre-o-Meno ( sic ), em 1836; o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro, em 1838; do México, em 1839; de São Petersburgo, em 1845”; outras seguiram-se em Nova York, Viena, Gênova, Turim, Florença, Munique, Lisboa, e finalmente Rio de Janeiro. [10]

 

            Assim, a nova instituição brasileira procurava diferenciar-se do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, ao enfatizar a perspectiva geográfica em seus estudos, além disto, procura-se criar uma instituição nacional, não pendente do que pudesse ser veiculada pela seção portuguesa . [11]

 

            Neste sentido, cabe destacar a própria ação favorável do então imperador D. Pedro II que ao frequentar a Sociedade de Geografia de Paris, costumava ser arguido ao porquê da inexistência de uma sociedade de igual característica no Brasil. Assim, segundo o nosso entrevistado, que é sócio da Sociedade de Geografia de Paris, D. Pedro II teve decisiva importância na gestação da sociedade, tendo inclusive ocorrido algumas reuniões da Sociedade no próprio Paco Imperial, localizado na Praça 15 . Consta que suas participações implicavam em sabatinar diferentes membros da sociedade, ou então solicitava que um ou outro apresentasse um dado tema na reunião seguinte.[12]

            Em 1885, foi publicado pela primeira vez o Boletim da Sociedade, cujo poucos exemplares ainda podem ser encontrados, no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e outros na Biblioteca Nacional.

 

2. As iniciativas da Sociedade nos seus primeiros dez anos

 

            É possível notar várias tentativas no sentido de fazer divulgar as informações disponíveis sobre o Brasil. Chamando pessoas de destaque, reproduzindo textos sobre as diferentes partes do Brasil, e muito particularmente os hábitos indígenas e suas formas de comunicação. Inclusive, consta a proposta de se melhor homogenizar a língua falada no Brasil a partir de normas mais precisas.

Bendegó

 

            Entre as várias iniciativas poderíamos destacar o transporte do meteorito Bendegó, encontrado as margens do rio Bendegó ( Bahia ), em direção à Corte. Hoje, o meteorito pode ser encontrado no Museu Nacional.

            Em passagem encontrada na Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, tomo V, 4º boletim, anno de 1889, p. 263, temos :

 

Apresentação em assembléia geral de 19 de dezembro de 1889 pelo thesoureiro de Sociedade Commendador Oliveiro Catramby.

A Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro, realizou um dos seus grandes intentos, qual o de fazer conduzir dos sertões do Estado da Bahia para a capital federal o famoso meteorito de Bendegó, tendo concorrido com todas as despezas o distincto consórcio benemérito, Exmo. Sr. Visconde de Guaby.

 

Elisée Reclus

 

            Outro aspecto que nos chamou a atenção foi a forte preocupação de se manter correspondência com as diferentes instituições geográficas, assim como o de trocar boletins informativos e promover visitas. Neste sentido, destaca-se a visita de Elisée Reclus à Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

            Na Revista da Sociedade, tomo IX, anno de 1893, 1º e 2º boletim ( p. 32 ) consta a seguinte passagem sobre a visita do geógrafo francês:

 

Sessão extraordinaria da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro em honra ao sabio geographo frances.

No dia 18 de julho de 1893, sob a presidencia do Sr. Marquez do Paranagua, e achando-se presente os Srs. Conselheiro Tristão de Alencar Araripe, capitão de Fragata Francisco Calheiros da Grança ... e muitos assistentes, é aberto a sessão, tomando assento o Sr. Elisée Reclus ao lado do Sr. Presidente.

Depois do expediente, o Sr. Presidente pronuncia o discurso ( adiante publicado ), apresentando aos socios da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro o notavel geographo que se acha ao seu lado, conferindo-lhe o diploma de socio honorario, e presenteando-lhe com a collecção de revista da sociedade, o relatorio da Exposição de geographia sul-americana, o catalogo da bibliotheca e o archivo, o relatorio sobre o Meteorito de Bendegó, e outras empresas.

O Elysée Réclus agradece o acolhimento, que lhe esta dispensando a Sociedade de Geographo do Rio de Janeiro, e prenuncia um discurso, de que adiante daremos noticia, refererindo-se às impressões, que lhe tem causado o Brasil nas suas viagens...

 

Dicionário histórico-geográfico brasileiro

 

            É possível lermos ainda o esforço do Prof. Moreira Pinto para editar seu dicionário histórico-geográfico brasileiro, cujo exemplar pode ser atualmente encontrado no Arquivo Nacional, Rio de Janeiro. Pelas atas da sociedade, verifica-se o seu esforço em enviar missivas para as diferentes províncias no intuito de obter das mesmas subsídios para editar e divulgar a obra. Na 26ª sessão, em 16 de março de 1885, consta a nota abaixo encontrada no tomo II, anno de 1886, Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, p. 57.

 

Presidencia da Provincia de Alagoas, Paraphyba do Norte e Santa Catharina, accusando os officios desta Sociedade, em que solicita um auxilio para a impressão do Dicionario Geographico do Brazil, confeccionado pelo Bacharel Alfredo Moreira Pinto, e declarando aguardar a proxima reunião da assembléia legislativa provincial.

 

            Na 27ª sessão, em 30 de março de 1885, consta no mesmo volume consultado acima, p. 58, a acusação de novos ofícios com o mesmo intento :

 

Dos Presidentes das provincias do Ceará, Goyaz, Maranhao, Pernambuco e Rio Grande do Sul, accusando os officios desta Sociedade, solicita um auxilio para a empressa do Diccionario Geographico do Brazil...

 

A expedição dos militares patrocinada pela Sociedade

Visando Mato Grosso

 

            Já na 27 ª sessão da sociedade, em 30 de março de 1885, consta:

 

Do Srs. José Maximiano Lagos e Ernesto de Lellis França, propondo-se fazer diversas explorações, sahindo a Cuyabá procurando a cordilheira directa ou esquerda da Serra Azul e d’alli descer margeando o rio Xingú ou affluente do rio Tapajóz em demanda do Oceano Atlantico até o Grão-Pará . Ficou adiado para ser tomado em consideração, em occasião opportuna. [13]

 

            Na época, ocorria convites a sucessivos viajantes que tendo percorrido o interior do Brasil relatassem as suas impressões. Neste aspecto, chama especial relevo as discussões que existiam, à época, de se comunicar a região de Mato Grosso com o Pará, no intuito de se quebrar o isolamento daquela região, que costumava ser acessada através da Bacia do Prata . [14]

            Em passagem encontrada no Boletim da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro, Tomo 1, nº 3, 3º semestre, 1885, consta na pág. 233 a memória da exploração do rio Xingu pelo Sr. F. A. Pimenta Bueno. Na pág. 235 observa-se que a Sociedade, em 3/12/884, recebeu os membros da expedição estrangeira que desceram o rio Xingu desde suas cabeceiras até o rio Amazonas, liderada pelo Dr. Carlos Von dem Steiner ( sic ). Na pág. 259, do mesmo volume organizado pelo IHGB verifica-se:

 

O Alto Madeira e sua ligação ao Mamoré.

Discurso proferido pelo commendador Julio Pimbras, ex-engenheiro em chefe da commissão de estudos de viação férrea do Madeira e Mamoré, em presença de S. M. o Imperador, S. A Real, o Conde d’Eu, S.Ex., o Sr. Dr. João Francisco Velardo, ministro da Bolívia; e grande numero de senadores e deputados, profissionais e socios, na sessão extraordinária de 14 de agosto, presidido por S. Ex. o Sr. Conselheiro Visconde do Paranaguá.

 

            Na explanação do assunto, consta observações no sentido de que se visava integrar Brasil e Bolívia através da via Madeira-Mamoré, sendo que o rio Madeira , um grande tributário do Amazonas, propiciaria uma navegação de 3.000 quilômetros ( sic ) ! Na pág. 263, consta:

São grandes realmente as vantagens que do estabelecimento dessa comarca se pode esperar

 

Elas são de caracter político, estratégico, administrativo e commercial.

 

Político, porque, creando para a Bolivia a sahida, aliás de unica natural que ella tem, essa via será o laço visivel, palpavel, da união das duas nações.

 

Politico, político ( sic ) porque desvia o golpe que a Republica Argentina feriu ao commercio do Amazonas e Pará, com a abertura do Rio da Prata para os productos bolivianos.

 

Politico, porque consquistara para o Brazil a aliança offensiva e defensiva que a Bolivia terá de contrahir com aquelle Estado que lhe garanti uma sahida viavel para o Atlantico.

....

Ella é administrativa, porque, além de por mais a alcance do governo central a provincia fronteira a Mato Grosso, restitui a essa grande porção de seu território actualmente administrada pela provincia do Amazonas.

 

Ella é de vantagem comercial, porque constitui o commercio de Manaos e do Pará em emporio de commercio boliviano, que attinge a 15.000:000$000 annuaes e dando passagem á maior parte das cargas da Bolivia, apresentará uma receita que largamente compensará no futuro os capitaes nella empregados.

 

Todas essas vantagens e outras offerecera o conjuncto de rios navegaveis de que a Bolivia a Mato Grosso dispoem, uma vez eliminado ou transposto a região encaxoeirada do Alto-Madeira e Baixo-Mamoré e que cobrem um milhão de kilometros quadrados, com um desenvolvimento de 4.000 kilometros para a navegação a vapor, como passao a demonstrar ...

 

A expedição dos militares

 

            Já na sessão extraordinária de 2 de março de 1888, sobre a presidência do Visconde do Paranaguá e presença do Sr. Conde d’Eu e do Ministro da Guerra, consta na Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, tomo V, 3º boletim, ano de 1889, p. 194:

 

Do Sr. Coronel Pêgo Junior, como effectivos, os Srs. capitão Antonio Lourenço Telles Pires, Drs. 1º tenente Augusto Ximenes Villeroy, 2º tenente Oscar de Oliveira Miranda e 1º tenente José Carlos da Silva Telles.

 

Annunciando-se a chegada de sua Alteza o Sr. Conde d’Eu, que é recebido com as devidas formalidades, obtida a venia, o Sr. Presidente abre a sessão, dizendo que vai apresentar á sociedade os distinctos conferentes que pretendem, sob a responsabilidade desta associação, fazer uma viagem de exploração em diversos rios da província de Matto Grosso; que todas comprehendem bem a importancia desta commissão, pela honra que resulta para a sociedade que consta apenas cinco annos da existencia, e tem sido para o paiz de grande utilidade

 

Não precisa declarar á Sociedade, que os distintos chefes de tão importante viagem são dignos brasileiros que muito enobrecem a classe militar brasileira.

 

Consta que o Governo Imperial prestara todo o seu auxilio a esses novos, cujo fim é tornar conhecida a geographia de nosso paiz .

 

Segue-se a conferência ...

 

                Enquanto a passagem acima retrata o encontro propriamente dito da comissão com o governo imperial, em artigo da redação da revista da sociedade, consta uma espécie de resumo do papel da comissão em tomo IV, 2º boletim, ano 1888, p. 121.

 

A Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro, que acaba de ver coroada a sua obra de ser transportado para o Museu Nacional o meteorolitho de Bendegó, iniciou nova campanha, aproveitando a espontaneidade e a intrepidez de tres dos seus membros, distinctos officiaes do exercito brasileiro, que se propõem explorar a parte, ainda desconhecida, do territorio de Matto Grosso.

 

São os quatro officiaes os Srs. Capitão Antonio Lourenço Telles Pires, 1 os. Tenestes Augusto Ximenes de Villeroy e José Carlos da Silva Telles e 2º Tenente oscar de Oliveira Miranda.

 

Ao primeiro, como chefe da commissão militar, dirigio o digno Presidente da Sociedade de Geographia, o Exm. Sr. Marquez de Paranaguá, o seguinte officio:

 

“A Socieade de Geographia do Rio de Janeiro, attendendo a diversas duvidas que pairam sobre varios cursos fluviaes da Provincia de Matto Grosso, resolveu, com permissão do Governo Imperial, encarregar V. S. da elevada missão de ir no proprio terreno certificar-se da verdade.

Acompanham-n’o nesta expedição os 1º Tenente Augusto Ximenes de Villeroy e 2º Tenente Oscar de Oliveira Miranda.

 

A exploração, que ora lhe confia, tem por ponto inicial a cidade de Cuyabá, para onde se dirigirá em um dos primeiros paquetes de Julho proximo; dahi seguirá por terra em busca das vertentes do rio das Piavas, considerado como mais meridional das fontes do rio Paranatinga; deverá percorrer o primeiro, seguir depois o curso deste até o rio S. Manoel, por onde demandará o rio Tapajoz .... ( segue-se pp. 122 até 127 )”

 

                Iniciado os trabalhos pela expedição, conforme material encontrado nas revistas da sociedade encontradas no IHGB, tomo V, 2º boletim , ano de 1889, nós temos a seguinte passagem que os caracteriza ( pp. 100-101 ):

 

Da commissão de exploração que se acha em Matto Grosso houve noticia até o mez de Maio ultimo.

 

Foram iniciados alguns trabalhos nas cabeceiras do rio Paranatinga, que distam 45 leguas de Cuyabá, e esperava a commissão o mez de Junho para proseguir nas suas explorações nesse rio e em outros de que já deu noticia o 4º boletim, tomo IV, da nossa Revista.

 

Em todo o tempo decorrido desde que a commissão chegou a Matto Grosso, têm sido feitas observações meteorologicas em Cuyabá, Tres Barras, Caxipó, Estiva, Ponte Alta, Lagôa Formossa, Lagôa Comprida, Fazenda de S. Manoel, confluencia dos rios S. Manoel e Paranatinga e porto de Paranatinga. Ao mesmo tempo tem sido levantada a planta de toda a zona percorrida pela commissão, e effectuadas varias observações astronomicas.

 

As seguintes cartas do Sr. EngenheiroMilitar Augusto Ximem de Villeroy ao Presidente da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro fornecem mais alguns esclarecimentos sobre os trabalhos effectuados pela commissão. [15]

 

“Cuyabá, 10 de Março de 1889. - Illm. e Exm. Sr. - Tenho a honra de enviar a V.Ex. as observações meteorologicas effectuadas durante os mezes de Outubro. Novembro e Dezembro ultimos nos diversos lugares, onde esteve a commissão de que faço parte.

 

“As observações relativas ao primeiro trimestre do corrente anno, serão enviadas á V. Ex. logo que eu tenha tempo de organisar os respectivos boletins. Na mesma occasião remetterei á V. Ex. a planta de toda a zona percorrida pela commissão, bem como o resultado das observações astronomicas effectuadas.

 

“Participo á V. Ex. que nesta data remetto ao Museu Nacional uma collecção de artefactos indigenas, que foi offerecida pelo Sr. Alferes Luiz Perrot.

 

“Participo mais a V. Ex., que no dia 12 do corrente parto para a colonia de indios da tribu dos Coroados, de S. Lourenço. Aproveitarei esta opportunidade para levantar a carta do curso superior do rio S. Lourenço e seus afluentes.

 

“S. Ex. o Sr. Presidente desta provincia encarregou-me de examinar a referida colonia, bem como a de Santa Isabel, e de apresentar um plano de estradas de rodagens entre esta capital e as referidas colonias. De todos os meus trabalhos enviarei minucioso relatorio á V. Ex.

 

“Em Maio proximo estarei nesta capital, á espera dos outros membros da commissão para continuar os trabalhos iniciados ne ( sic ) rio Paranatinga .

 

“Deus guarde a V. Ex. - Illm. e Exm. Sr. Senador Conselheiro Marquez de Paranaguá, Presidente da Socieade de Geographia do Rio de Janeiro. - O Engenheiro, Augusto Ximem de Velleroy.”

 

A segunda carta, datada de 17 de Maio, confirma as noticias da primeira, e acrescenta as seguintes: [16]

 

“Conforme participei a V. Ex. fui ao alto de S. Lourenço, onde estudei de perto os indios Bororós-coroados: infelizmente soffri fortes accessos de febres, o que obrigou-me a voltar a esta capital antes do prazo que eu me fixara.

 

“Não obstante, além das observações que fiz, consegui organizar uma pequena grammatica da lingua fallada por aquelles selvagens, um vocabulario muito extenso e uma collecção completa de todos os productos da sua industria, armas de guerra, instrumentoo de caça e pesca, adornos diversos, utensilios domesticos, e de tudo tenho especimes.

 

“Espero meus companheiros para proseguir nos trabalhos da exploração.”

 

            Para maiores detalhes da expedição, com missivas e diários de viagem de alguns dos participantes da comissão consta o tomo VI, ano de 1890, 3º e 4º boletins, que apresenta uma copiosa matéria. A seguir, deixaremos as informações dos boletins em favor do diário da família Miranda.

 

O diário do Sr. Miranda

 

            A família Miranda nos possibilitou a vista do relatório de viagem do Sr. Oscar de Oliveira Miranda. Este escreveu no diário as aventuras e agruras de sua viagem em direção ao Mato Grosso, partindo do Rio de Janeiro de navio.[17]

           

            Assim, o que se segue, é uma leitura que possibilita um maior detalhamento ao que foi encontrado no IHGB .

 

1º diário do Sr. Oscar de Oliveira Miranda - período de 17 de junho de 1888 / 20 de setembro de 1888

 

            Partem do Rio de Janeiro no dia 17 de junho, a bordo do “Rio Paraná”. A viagem é morosa, permeada por sucessivas paradas dada à forte cerração que ocorre no trajeto. A expedição era conhecida por diferentes autoridades, não faltando ocasião do grupo de exploradores vir a ser congratulado por políticos, quando o navio em que estava se via levado a parar num dado porto para abastecimento. [18]

            Nota-se, pelo diário, a precariedade dos meios utilizados para prosseguir viagem em direção à Bacia do Prata, pois havia um cuidado de não se afastar da costa litorânea.

            No dia 25 de junho chega a Porto Alegre e só sai desta cidade no dia 11 de julho a bordo do “Rio Pardo”. Na seqüência das diferentes etapas da viagem há sempre o cuidado de se medir a temperatura do local e a sua pressão do ar . Numa barra, conhecida por São Gonçalo, eles voltam a trocar de navio - “Rio Grande” - já em direção a Montividéu ( sic ), isto em 14 de julho. Dois dias depois chegam em Montividéu, onde tomam outro navio, o “Rio Negro” em direção a Corumbá ( Mato Grosso ).

            Nestes constantes deslocamentos, já é possível notar a precária saúde do Sr. Oscar de Miranda, usando, sucessivamente, diferentes produtos químicos ( entre eles - arseniato de sódio ) para combater enxaqueca, vômito, febre, mal no estômago, etc.

            Tendo chegado no dia 16 de julho, em Montividéu, já no dia seguinte parte, e, em cinco horas, saem do rio Uruguai e adentram o rio Paraná. No dia posterior ( dia 18 de julho ) chegam a Rosário, onde desembarcam para uma breve estadia, sendo que a cidade tivesse então 70 mil habitantes ( embora considerassem inferior a Porto Alegre ), e partem no mesmo dia.

            A seguir, seguem lugarejos, como La Paz, Passo de San Juan, entre outros, onde ocorrem diferentes peripécias, incluindo o encalhe do navio, a falta d’água e a forma de se mandar as cartas através do favor de quem seguia o rio no sentido contrário ( isto quando não era possível deixar a carta em postos localizados nos povoados ) . [19]

 

            No dia 23 de julho, sairam do navio “Rio Negro” em favor do “Rápido”, e a medida que avançavam no percurso, surgiam lembranças da Guerra do Paraguai, por exemplo, num dado trecho do diário, do dia 25 de julho, consta:

 

10h 5min Passamos há 15 m numa barranca muito bonita que o prático me disse chamar-se La Terra ( margem esquerda ), depois deixamos a barranca para navegarmos entre ilhas; estamos perto de Cuevas; me disse o prático que a passagem de Cuevas tem hoje o canal mudado; este prático desceu com o “Ivahy” 4 dias antes da batalha do riachuelo ( sic ) e disse-me que ainda pouco se via um mastro de “Jeque-(58) tinhonna” (sic) enterrada em um banco de areia [20]

 

            A partir do dia 26 de julho, há uma sensível alteração na descrição da flora e fauna, o número de jacarés passa a ser preocupante, assim como, quando passarem a trilhar a mata, o receio com as onças. Nota-se ainda a presença de estrangeiros na área (  por exemplo, o vapor inglês “Cosmos”, assim como a presença do Dr. Theodor correspondente da “Algmeine Zaitung “ (sic ) de Angobing ( sic ), que ia a Cuiabá dado o apoio do governo imperial brasileiro ). [21]

            Tendo aportado em Assunção em 27 de julho, partem no dia seguinte, e quatro dias depois, chegam finalmente a Corumbá após um mês e meio de viagem !

            A partir de então, ainda usando o navio, passam a percorrer rios menores, como o São Lourenço e Cuiabá. No dia 7 de agosto, chegam a Cuiabá, onde consta no Arsenal de Guerra um observatório meteorológico deixado pelo Sr. Vogel caracterizado por

 

um barômetro de ( ? ) Lunar em caixa no sobrado e no pátio, numa construção de madeira, um pluviômetro, um termômetro de máxima e mínima e mais dois simples, um deles secou e outro molhado; os termômetros são encerrados dentro de uma caixa de zinco; fora desta construção um cata-vento para marcar as direções dos ventos. [22]

 

            Além desta passagem, consta no dia 10 de agosto que

 

Depois do almoço, fui com o Villeroy a casa do Lourenço e dali saímos para irmos eu e Lourenço ao quartel-general onde fui apresentado ao Capitão Leôncio, neto daquele Peixoto que desceu o São Manuel; este senhor nos arranjou um roteiro do alferes Perrot que acompanhou Steinen na segunda expedição. ( sic )

 

            Pelo exposto, parece que Cuiabá já agregava uma certa densidade de interesses de modo a concentrar uma armada, uma estação de pesquisa, e uma memória deixada por viajantes que por lá passaram.[23] E é esta cidade que será o ponto de apoio das expedições do grupo, tendo nela alugado, pela primeira vez na viagem, diferentes casas para a equipe.

            Entre o período de chegada à cidade de Cuiabá e a partida para o sertão, demoraram algumas semanas recolhendo material [24] e aglomerando tropas que acompanhassem a equipe vinda do Rio de Janeiro. Finalmente, após vários percalços, a equipe invade o sertão no dia 18 de setembro, é o acampamento das Três Barras ( que não fica, porém, muito distante de Cuiabá ). Final do primeiro diário.

 

2º diário - 14 de setembro de 1889/27 de dezembro de 1889

 

            Este segundo diário diz respeito às notas de viagem entre Cuiabá e Pará pelo rio Paranatinga, afluente da margem direita do Tapajós .

            Na comparação deste diário com o primeiro, ele adquire um aspecto mais técnico. Enquanto no primeiro as notas sobre as temperaturas e pressão atmosféricas eram esparsas ao longo do relato, no segundo diário as mesmas adquirem um tratamento mais sistemático, tendo, inclusive, uma preocupação com medidas detalhadas ao longo do dia, o que não ocorria na primeira fase da viagem. Há, inclusive, figuras geométricas representando a variação da agulha da bússola em direção ao azimute magnético de Antares ( uma localidade ). É deste período que a expedição passa a registrar os dados segundo tabelas nas quais é possível relacionar a temperatura, pressão do ar e a determinação da longitude segundo diferentes locais.

            Outro aspecto que chama a atenção de sua leitura vem a ser o seu interesse pela população indígena, procurando, assim, melhor conhecer tanto os costumes indígenas [25], quanto os hábitos lingüísticos; neste tópico, inclusive, consta o esboço de um dicionário da língua dominante encontrada pela expedição.

            No entanto, há poucas informações sobre o cotidiano da viagem. O diário aborda um período da expedição em que esta avança mata adentro perdendo-se praticamente contato com os povoados. Parece que imperava o silêncio, com diálogos curtos, com atitudes mais técnicas, procuravam cumprir uma missão enquanto militares que eram !

            As condições eram bem precárias, viviam, basicamente, da caça ( cervo, anta etc. ). Os riscos não eram pequenos, dado o risco de serem atacados por animais ( destacadamente, onça, jacaré e cobra ) ou por índios. Parte da expedição era realizada pelos rios e a pé, tendo que assumir o peso de se carregar as canoas. [26]

 

3º diário - 24 de maio de 1889/19 de agosto 1890

 

            É o diário mais breve dos três, tendo característica semelhante ao segundo no que tange as informações de temperatura, pressão, não constando dados sobre longitude; porém é verificada a preocupação de se caracterizar os tipos de nuvens que dominavam a paisagem.

            O infortúnio desta fase da expedição está marcado pelo falecimento, por afogamento, de um dos principais membros da expedição, o capitão Antônio Lourenço Telles Pires no dia 2 de maio de 1890. Seu rosto é representado em bico de pena pela revista da Sociedade no tomo VI, 3º e 4º boletins, p. 113, segundo material encontrado no IHGB. 

 

3. Conclusão

 

            O aparecimento das sociedades de geografia no século XIX costumava estar relacionado a empresas que tinham nos mapeamentos e relatórios meios para realizar seus interesses em áreas pouco conhecidas.

            Porém, no Brasil, o que parece ter ocorrido foi a deliberação da elite dirigente do Império que tinha uma forte sensibilidade para trazer para o Brasil o que havia de novo nas nações mais ricas, assim como, uma necessidade de se reunir informações sobre a país no intuito de ter um melhor quadro informativo sobre o mesmo.

            A elite dirigente aqui considerada deve ser compreendida à luz daquela época, ou seja, era composta por pessoas que tinham negócios particulares, o próprio presidente da sociedade era um grande fazendeiro, mas que compartilhavam de uma ambiência que se procurava aninhar institucionalmente pessoas que tinham preocupações comuns com o país.

            A Sociedade não tinha uma administração que funcionasse durante o dia. A pesquisa decorria de esforços, na maior parte das vezes individuais, decorrentes de circunstâncias que levavam a este ou aquele ter maiores informações sobre alguns aspectos do Brasil e que eram compartilhados com os pares da sociedade através de conferências ou palestras. Os primeiros membros da entidade não estavam ligados à geografia, não eram geógrafos, nem professores. [27]

 

            Assim, percebe-se que em nome de um termo-geografia, se tem todo um projeto de dominação e controle do território nacional através do acesso à informação; e que este acesso se dá, ao longo da história brasileira marcada por incidentes, acidentes, iniciativas, rupturas, etc.

            De um certo modo, a tirar do papel desempenhado pela sociedade para a publicação do trabalho do prof. Moreira Pinto, e também da expedição, temos nela a identificação de uma organização que agencia esforços para determinados fins se valendo de sua capilaridade na campo do conhecimento de pessoas para se obter a satisfação de certos projetos. No entanto, não se pode entender, que havia uma política sistemática em prol do reconhecimento e divulgação das informações sobre o território brasileiro.

            Havia sim, um coletivo irmanado, sobretudo, por uma dada condição de classe social, que os possibilitava de praticar uma atividade que diretamente não lhes rendia benefícios monetários, pelo contrário, não poucas vezes, os próprios sócios eram instados a apoiar com recursos pecuniários a sociedade para que houvesse uma seqüência dos encontros e das atividades.

 

Apêndice

 

            A sociedade, atualmente conhecida como Sociedade Brasileira de Geografia, costuma ter reuniões mensais ( na terceira quinta-feira do mês ) no Largo do S. Francisco, centro da cidade do Rio de Janeiro, na antiga escola politécnica de engenharia, atual Instituto de Ciências e Filosofias da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

            Tem uma sede própria, efetivamente doada, segundo Dino W. Cozza, durante a presidência do Sr. João Batista Figueiredo ( 1979-1985 ). Porém, dado o precário estado das suas instalações, o seu acervo bibliográfico atualmente se encontra num depósito da Biblioteca Estadual localizada na Av. Presidente Vargas ( Rio de Janeiro ).

            Atualmente, ela encontra-se em sérias dificuldades financeiras, não tendo tido a providência de realizar projetos semelhantes aos implementadas pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e Academia Brasileira de Letras.

            Estas duas entidades ocupavam salas de um mesmo prédio próximo ao Passeio Público conhecido por Cenáculo, sendo que o IHGB obteve do presidente Emílio Garrastazu Médici, através da Caixa Econômica Federal, um empréstimo que serviu para construir a sua atual sede que, em parte, é alugada a empresas, o que proporciona uma certa estabilidade à instituição. [28]

            Da leitura dos exemplares existentes da Revista da Sociedade Brasileira de Geografia na Biblioteca Nacional, é possível observar que a mesma apresentou uma notória atividade, chegando a participar da promoção de mais de dez congressos nacionais de geografia.[29] Por exemplo, em 1950, a entidade era presidida pelo embaixador José Carlos de Macedo Soares[30], tendo na comissão cultural o professor Hilgard O’Relley Sternberg[31] e o Sr. Alberto Lamego[32] como sócio. Em 1969, segundo exemplar da revista, de janeiro a junho de 1969, ns. 29 e 30, consta de maquete de uma futura sede .[33]

            Segue abaixo uma relação incompleta dos sucessivos presidentes da Sociedade.

 

Fundador: Conselheiro Manoel Francisco Corrêa, presidente efetivo desde a sua fundação em 25 de fevereiro de 1883.

Dr. José Lustosa da Cunha Paranaguá ( Marquês do Paranaguá ) de 15 de abril de 1883 a 9 de fevereiro de 1912, data em que falece

Conselheiro Francisco Inacio Marcondes Homem de Mello ( Barão Homem de Mello ) - de 15 de março de 1912 a 13 de maio de 1914, renuncia por enfermidade .

Marechal Gregório Thaumaturgo de Azevedo - de 13 de maio de 1914 a 30 de março de 1920. Retirou-se para o Amazonas, candidato a Governador daquele Estado

Almirante Antônio Coutinho Gomes Pereira - de 30 de março de 1920 a 25 de fevereiro de 1925 - não quiz ser reeleito.

General José Maria Moreira Guimarães - de 25 de fevereiro de 1925 a 10 de fevereiro de 1940, quando faleceu.

Almirante Raul Tavares - 7 de março de 1940 até 25 de fevereiro de 1945. Solidário com o movimento renovador não se candidatou à reeleição.

Embaixador José Carlos de Macedo Soares - de 25 de fevereiro de 1945 a 15 de fevereiro de 1948 - reeleito a 15 de fevereiro de 1948 a 15 de fevereiro de 1951.

Almirante Jorge Dodsworth Martins - de 15 de fevereiro de 1951 a 15 de fevereiro de 1954 - reeleito de 15 de fevereiro de 1954 a 15 de fevereiro de 1957.

General Francisco Jaguaribe Gomes de Mattos de 15 de fevereiro de 1957 a 15 de fevereiro de 1960.

Almirante Washington Pevay de Almeida - 15 de fevereiro de 1960 a 6 de março de 1963.

Dr. Herbert Canabarro Reichardt - 6 de março de 1963 a 4 de março de 1966.

Dr. Jurandyr de Castro Pires Ferreira - de 4 de março de 1966 a 1965 - reeleito de 11 de março de 1969 até dezembro de 1977..

Já nesta época, a do Sr. Jurandyr, constava a atuação do atual presidente da Sociedade, Sr. William Paulo Maciel, que então ocupava no cargo de tesoureiro. [34]

 

            O que chama a nossa atenção nesta listagem é que até 1914, aproximadamente, temos, sobretudo, a projeção da nobreza, deste ano até 1963, próximo ao governo militar, temos a presença dos militares, em seguida, verificar-se-á a ação dos civis, destacadamente os da área de direito.

 

            Atualmente, poderíamos entender a Sociedade Brasileira de Geografia como uma entidade que enfrenta sérias dificuldades; no entanto, quando nos abeiramos de seu processamento factual, percebemos a riqueza das iniciativas e seu caráter eclético ao estar apto a buscar diferentes fontes de informação.

            Sendo assim, a Sociedade Brasileira de Geografia, é sincrônica à nossa história, naturalmente não pelo que ela faz hoje, que é pouco por falta de recursos monetários e humanos, mas sim pelo que ela representa de memória de toda uma produção que se encontra guardada/abandonada no acervo da biblioteca estadual do Rio de Janeiro ( Av. Presidente Vargas, na própria cidade do Rio de Janeiro ).[35]

            O resgate de uma memória como o da Sociedade nos parece ser fundamental para compreendermos a produção da geografia no Brasil. A conformação de uma identidade de geografia no Brasil passa pelo olhar ao nosso passado, afirmamos isto no sentido de que o seu passado ajuda-nos a reconhecer caminhos já talhados por outros e que podem criar uma outra referência além da oferecida por quem busca a leitura corrente internacional.

            Enfim, importa dar à história de nosso pensamento geográfico uma cor local, um pensamento brasileiro ! E para tanto há um longo caminho, pois há toda uma produção que pouco conhecemos.

 

 

Bibliografia

 

PEREIRA, José Veríssimo da Costa - “A geografia no Brasil” In AZEVEDO, Fernando ( org. ) - As ciências no Brasil, 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994, capt. VII, pp. 349-461.

SILVA, José Luiz Werneck da - “A cultura científica no contexto da proclamação da República no Brasil” In Rev. Perspicillum, Museu de Astronomia e Ciências afins, vol. 5, nº 1, nov. 1991, pp. 47-56.

 

Acervo consultado no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro

 

Revista da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro - consultados no IHGB

Tomo I, nº 2, 2º trimetre, anno de 1885

Tomo I, nº 3, 3º trimestre, anno de 1885

Tomo I, nº 4, 4º trimestre, anno de 1885

Tomo II, 1º boletim, anno 1886

Tomo IV, 2º boletim, anno 1888

Tomo V, 2º boletim, anno de 1889

Tomo V, 3º boletim, anno de 1889

Tomo V, 4º boletim, anno de 1889

Tomo VI, 1º boletim, anno de 1890

Tomo VII, 3º e 4º boletins, anno de 1890

Tomo VII, 2º boletim ( sic ), anno de 1891

Tomo VIII, 3º e 4º boletins, anno de 1892

Tomo IX, 1º e 2º boletins, anno de 1893

 

Acervo consultado na Biblioteca Nacional

 

Revista da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro

 

Tomo LIV, 1947/1948

Obs: consta a presença do interventor do Estado do Pará que faz um convite para que o XI Congresso Brasileiro de Geografia fosse realizado em Belém ( o X Congresso tinha sido realizado no Rio de Janeiro ).

 

Tomo LV, complemento 1947-1948, ano 1948.

Obs: é observada a necessidade de se ter as fotos dos presidentes dos onze ( sic ) congressos brasileiros de geografia

 

Boletim da Sociedade Brasileira de Geografia

Ano I, nº 1, julho/agosto de 1950

Obs: consta neste número uma comissão cultural da qual participava o Prof. Hilgard O’Relly Sternberg .

 

Ano I, nº 2, setembro/outubro de 1950

 

Ano I, nº 3 , novembro/dezembro de 1950 .

Obs: neste número consta a entrada de Cândido Mendes de Almeida e de Alberto Lamego

 

Ano I, nº 4, janeiro/fevereiro de 1951

Ano I, nº 5, março/abril de 1951

Ano I, nº 6, maio/junho de 1951.

Ano XV, ns. 19 e 20, julho/dezembro de 1966

Ano XVI, n. 22, abril a junho de 1967

Ano XVII, ns. 25 e 26, janeiro/junho de 1968

 

Ano XVII, ns. 27 e 28, julho/dezembro de 1968

Obs: consta neste número a decisão de se levar a cabo a realização do XII Congresso de Geografia em Belém do Pará.

 

Ano XVIII, ns. 29 e 30, janeiro/junho de 1969

Obs: consta uma maquete da futura sede da sociedade.

 

Ano XIX, ns. 33 e 34, janeiro/junho de 1970

 

Ano XXVII, nº 38, julho/setembro de 1977

Obs: consta neste número William Paulo Maciel como tesoureiro da socieade, este vem a ser o atual presidente da sociedade.

 

Ano XXVV, nº 39, outubro/dezembro de 1977

 

Ano XXVIII, nº 40, janeiro/março de 1978

Obs: é mencionada a existência de uma Sociedade Brasileira de Geografia em São Paulo

 

Ano XXIX, nº 43, abril/dezembro de 1979.

 

Outros

 

Ata da

Sessão magna de 25 de fevereiro de 1997, comemorando o 114º aniversário da Sociedade

 

Diários de Oscar de Oliveira Miranda

 

 Volta



[1] Prof. Dr. do departamento de Geografia da UFF ( www.feth.ggf.br )

[2] O material consultado foi encontrado no arquivo do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro que após ser encardenado, para ser melhor preservado, recebeu uma numeração das páginas distinta ao original. Para efeito de melhor localização do material consultado, mantivemos a numeração utilizada pelo IHGB.

[3]  Na leitura do material pudemos constatar a presença de mais de 38 cavalheiros, entre eles :  Alfredo d’Escragnole Taunay, Barão de São Francisco, Barão de Tefé, Luiz Rafael Vieira Souto, Fernando Mendes de Almeida, André Gustavo Paulo de Frontim, commendadores, tenentes, dezembargadores, sob a prezidencia de Manoel Francisco Correia .

    Na avaliação do Sr. Dino W. Cozza, conforme entrevista em 13/10/00, profundo conhecedor da Sociedade e possuidor de cópias de todas as atas da mesma, havia uma clara busca por poder político. Se isto não era benéfica à geografia, imediatamente, o seria para a Sociedade.

[4] Cabe frisar, conforme ainda o Sr. Dino W. Cozza, neste mesmo local da reunião ocorriam As Conferências do Glória  que tratavam de diferentes  temas, além do geográfico.

[5] Embora não tivesse sido o primeiro presidente, o primeiro fora indicado no próprio dia 25 de fevereiro, ele em pouco tempo, assumiu o posto e foi um dos seus principais impulsionadores. À época, ele tinha destacado papel no Império; amigo de D. Pedro II, chegou a ser conselheiro do Imperador no ministério. Em Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, tomo II, anno 1886, 1º boletim, p. 258, consta que o Visconde de Paranaguá veio a ser presidente do Conselho dos Ministros e Senador do Império.

[6] Esta proposta do então presidente à época foi pioneira pois a participação feminina costumava ficar restrita aos eventos sociais.

[7] Segundo o Sr. Dino W. Cozza, havia reuniões regulares aos domingos, até por uma questão de comodidade, pois se dava após a missa e um pouco antes do almoço, sem recebimento de espécie pecuniária alguma; já as eleições e reuniões ordinárias ocorriam durante a semana às 19 horas, antes do jantar .

[8] Grifo nosso.

[9] Segundo entrevista com o Sr. Dino W. Cozza, era estatutária à sociedade lusitana ter seções espalhadas no mundo. Dada a importância que Portugal dava à seção no Brasil, a mesma era presidida pelo embaixador de Portugal no Brasil. A seção criada em 1878 despertou grande interesse junto aos mais cultos da época, sendo então uma grande honra pertencer a esta sociedade; havendo, inclusive, quem destacasse em cartões de apresentação o seu vínculo com a respectiva sociedade lusitana. Nas palavras do Sr. Dino W. Cozza, esta inserção poderia ser considerada como uma espécie de “título”.

[10] O que chama a nossa atenção nos nomes desta sociedade vem a ser a sua denominação vir acompanhada pelo nome da cidade-sede da entidade ... cidades estas, em sua maioria, com forte função portuária !

[11] Segundo apreciação do Sr. Dino W. Cozza, teria ocorrido à época um surto nacionalista que teria impulsionado a criação da sociedade . Diante da indagação se teria ocorrido algo especial para ter ocorrido este surto, o Sr. Dino W. Cozza  observou que a iniciativa decorreu de uma natural busca de uma maior autonomia nos estudos sobre o Brasil.

[12] Quanto à importância de D. Pedro II para a evolução das próprias instituições acadêmicas brasileiras cabe consulta à Silva ( 1991 ).

[13] In Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, tomo II, anno 1886, p. 59. Coleção IHGB .

[14] Cabe frisar que as seqüelas da Guerra Paraguai ( 1865-1870 ) ainda encontravam-se vivas nas memórias dos políticos. Deste modo, procurava-se evitar o uso da Bacia do Prata como meio de acesso ao Mato Grosso e adjacências.

[15] Grifo nosso !

[16] Grifo nosso.

[17] Cabe assinalar que o diário corresponde ao tempo de viagem do Sr. Miranda, com as devidas interrupções, mas isto não indica, necessariamente, o período de execução e respectivos intervalos de toda expedição.

[18] Por exemplo, no dia 20 de junho o Coronel Fausto, presidente da província de Santa Catarina, adentra a nau para congratular-se com os viajantes.

[19] Sobre este aspecto, cabe mencionar a preocupação de Oscar de Miranda com sua mãe, a quem foi endereçada uma série de cartas.

[20] No dia 27 de julho, quando chegam a Assunção, Oscar de Miranda chega a evitar de ver as ruínas do antigo palácio de Lopes, ( Solano Lopez ).

    Transparece, ainda, uma notória dificuldade na definição das fronteiras entre Paraguai e Argentina.

[21] No dia 30 de julho, em conversa com o grupo, consta que este Theodor era funcionário do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha.

[22] Na passagem do diário do dia 9 de agosto, consta que eles iam conhecer “o Laboratório Phy ( ? ) técnico que está sendo montado”  ( sic )

[23] Consta no dia 25 de agosto que o então alemão Theodor, que já tinha proporcionado ao Oscar de Miranda suas anotações de temperatura e pressão de 1886, chegou a mostrar o livro do viajante Steinen ( sic ) que teria presenteado ao morador da área Sr. Paula Castro. No dia 29 de agosto, consta que um Dr. Mombach mandaria de Buenos Aires suas anotações meteorológicas realizados anos antes, este mesmo senhor, no dia 31 de agosto, tendo por base os dados barométricos de Cuiabá, calculava que a altitude da cidade de Cuiabá era de 204 metros..  No dia 30 de agosto, com o Sr. Paula Castro, este promete ceder ao grupo as anotações astronômicas do Dr. Otto Clauss ( sic ).

[24] Consta no dia 8 de setembro que Oscar de Miranda teria traduzido um escrito do Dr. Mombach sobre o clima do Mato Grosso. Neste mesmo dia chegou uma comissão francesa que veio fazer estudos na província, estando entre eles um filho de Rochefort.

[25] Consta, por exemplo, no dia 6 de outubro a observação: “Hoje vi como os índios tiram fogo com dois paus; servem-se para isso da madeira do Urucum; fazem uma pequena cavidade em um e noutro uma ponta; esfregam depois a ponta deste na cavidade do outro até que o atrito desenvolvido inflame o pó carbonizado que dele saí, que assim serve de isca.”

[26] Nos chama a atenção o fato do diário terminar no dia 27 de dezembro de 1889, ou seja, após o estabelecimento da república do Brasil, e não ser de forma alguma registrada qualquer notícia nesta direção. Naturalmente que isto está relacionado ao próprio isolamento do grupo que adentrava a mata, no entanto, quando lemos as revistas da Sociedade disponíveis no IHGB deste período, ocorre-nos a impressão de que a república não ocorreu de imediato , a não ser para poucos ( a família real, por exemplo, veio a ser imediatamente afetada pela mudança ), e que esta só veio a ser implantada sinuosamente na história brasileira ao longo dos anos ! 

[27] Nas palavras do Sr. Dino W. Cozza, eram pessoas que tinham gosto pela geografia, de certo nível social, com nenhum outro interesse que não o de manter a sociedade ativa.

[28] Cabe observar, segundo Sr. Dino W. Cozza, que as demais entidades do Cenáculo sem alternativa para alocarem suas atividades, pleiteram e conseguiram ocupar o 3º andar do atual prédio do IHGB, enquanto este tem para si os quatro últimos andares do prédio ( 9º ao 12 º andar ); já a Academia Brasileira de Letras, através do seu então presidente Austragésio de Athayde, obteve apoio para construir um prédio no terreno doada à Academia, o que lhe permitiu, nos dias atuais, ter uma auto-sustentabilidade.

[29] Segundo a Revista da Sociedade Brasileira de Geografia, tomo LIV - 1947-1948, que trata de relatório de atividades de 1946, encontrada na Biblioteca Nacional, é assinalado que o interventor do Pará abre o convite para que o XI Congresso Brasileiro de Geografia fosse realizado no Pará ( em setembro de 1947 ); já que o X Congresso Brasileiro de Geografia ocorreu no Rio de Janeiro ( p. 89 ).

[30] O Sr. Macedo Soares chegou a ser interventor em São Paulo, segundo a Revista da Sociedade Brasileira de Geografia, tomo LIV - 1947-1948, encontrada na Biblioteca Nacional

[31] Este professor teve forte influência no quadro de professores de geografia do Rio de Janeiro.

[32] Produtor de clássicos sobre o estado do Rio de Janeiro, tais como - O homem e a Guanabara, O homem e a serra, entre outras obras.

[33] Na Biblioteca Nacional, o seu código de identificação é I-427,2,6 , seção de periódicos.

[34] Atualmente, este vem a ser o senhor que preside a Sociedade Brasileira de Geografia.

[35] Estas linhas escritas em 2002 vieram a perder a veracidade em junho de 2005. Neste mês tive a honra de vir a ser convidado pela Sociedade para dar a primeira palestra durante a inauguração da nova sede da Sociedade.