Revista geo-paisagem (on line)

Ano  4, nº 7, 2005

Janeiro/Junho de 2005

ISSN Nº 1677-650 X

Revista indexada ao Latindex

 

 

 

 

 

CONFLITOS TERRITORIAIS EM PARQUES ESTADUAIS NO RIO DE JANEIRO: UMA AVALIAÇÃO À LUZ DAS POLÍTICAS DE GOVERNO[1]

Luiz Renato Vallejo[2]

 

Resumo

O trabalho faz uma apreciação sobre os conflitos territoriais em três parques estaduais no Rio de Janeiro: Ilha Grande, Serra da Tiririca e Desengano. Estes conflitos são considerados sob a ótica das políticas de governo que comprometem o bom funcionamento dos órgãos responsáveis pela gestão dos parques. Os reduzidos investimentos, às vezes nulos, a escassez de pessoal e os poucos recursos materiais, praticamente inviabilizam a formação de um sistema estadual integrado de UCs. Mesmo com o aporte recente de recursos oriundos de medidas compensatórias decorrentes da regulamentação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), não foram equacionados os históricos problemas relacionados com a questão fundiária dos parques.

 

Palavras–chave: unidades de conservação, políticas públicas, conflitos territoriais

 

Abstract

The study has focused the analysis of the local territorial conflicts on the three state parks in Rio de Janeiro: Ilha Grande (south), Serra da Tiririca (metropolitan area) and Desengano (north). The results had demonstrated that the successive governments had not invested enough in the administrative structures of the responsible agencies (IEF and FEEMA). In contrast, there has been a process of dismantling characterized by deficient politicies of staff and the scarcity of budget resources. Low budgets, insufficient structure, lack of employees, etc. are the main constraints for an integrated management system. Financial resources from compensatory measures, had not been equated the historical problems related with the agrarian question of the parks.

 

Keywords: conservations units, publics politcs , territorials conflicts

 

 

Introdução

 

Segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica/INPE (2001) o estado do Rio de Janeiro apresenta a maior área relativa de cobertura florestal do bioma Mata Atlântica, com cerca de 16,7%. Entretanto, os elevados índices de desmatamento percebidos ao longo dos anos 90 suprimiram 150 mil ha de mata, principalmente entre 1990 e 1995, quando o estado perdeu quase 13% dos remanescentes florestais. A criação de unidades de conservação (UCs) é, tradicionalmente, a principal alternativa de proteção dos remanescentes de áreas verdes. No Rio de Janeiro, até 2002, foram criadas 29 UCs sob jurisdição estadual, abrangendo 109.000 ha de áreas de proteção integral (parques, reservas e estações ecológicas) e 194.400 ha de uso sustentável (Áreas de Proteção Ambiental - APAs), segundo dados de Vallejo (2005). Além disso, existem as áreas administradas pela União, que totalizam mais de 430 mil ha, sendo 130 mil ha de proteção integral e mais 300 mil ha de uso sustentável.[3]

Entretanto, estudos realizados por Primo e Pellens (2000) e Vallejo (2005) destacam a precariedade administrativa em que muitas destas UCs se encontram, particularmente as estaduais. Deste modo, elas deixam de criar oportunidades para o desenvolvimento econômico e de cumprir o seu papel fundamental de preservação da biodiversidade e do patrimônio cultural, incitando ou intensificando conflitos territoriais incompatíveis com os seus propósitos de criação.

O objetivo principal do presente trabalho é apresentar um panorama dos conflitos territoriais verificados em três parques estaduais no Rio de Janeiro: o da Ilha Grande, da Serra da Tiririca e do Desengano, respectivamente localizados ao sul, na região metropolitana e norte fluminense. Serão abordadas as principais questões relativas a administração dos parques, incluindo sua infraestrutura e os temas pertinentes aos conflitos de uso territorial como propriedade de terras, indefinições de limites, invasões e usos inadequados. Estes temas serão abordados sob o foco das principais políticas governamentais na área de conservação ambiental para o estado, destacando-se aspectos administrativos e os investimentos financeiros. Serão apresentados dados relativos a origem e evolução dos órgãos de meio ambiente atualmente responsáveis pela administração de UCs (FEEMA e IEF)[4] e as verbas (orçamentárias e não orçamentárias) disponibilizadas para sua gestão. O trabalho é justificado na compreensão dos problemas que interferem na gestão das UCs fluminenses e, ao mesmo tempo, procura oferecer alguns subsídios à promoção de  mudanças visando a melhoria do sistema.

 

Conflitos Territoriais em Parques Estaduais do Rio de Janeiro

 

1 – Parque Estadual da Ilha Grande (PEIG)

1.a – Aspectos gerais

 PEIG foi o terceiro parque criado no atual território fluminense por meio do Decreto Estadual nº 15.273/71. Inicialmente com cerca de 15.000 ha, abrangia terras situadas na Ilha Grande (Município de Angra dos Reis) e visava a implantação de Zona de Apoio Turístico e a preservação de uma reserva florestal. Na época, a responsabilidade pela demarcação da área ficou com a Companhia de Turismo do Estado do Rio S.A. - FLUMITUR, que deveria fixar as áreas consideradas prioritárias para a implantação do sistema, sua definição e funcionamento. Em 1978, já sob a jurisdição do atual estado do Rio de Janeiro, o Decreto nº 2.061 implantou definitivamente o PEIG com área total de 5.594 ha, ou seja, bem inferior ao que foi estabelecido inicialmente. A área do parque incluiu todos os terrenos e benfeitorias existentes de propriedade do Estado localizados na Ilha Grande, menos as áreas da antiga colônia penal (Cândido Mendes) sob controle da União. A administração do parque passou para a Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento, mas a infraestrutura básica e os equipamentos turísticos necessários deveriam ser implantados com o apoio de outras secretarias.

A partir de 1986, o PEIG passou a ser administrado pelo Instituto Estadual de Florestas – IEF. Em 1994, com a desativação da Colônia Penal Cândido Mendes a área, incluindo suas benfeitorias, foi transferida para o Estado do Rio de Janeiro. Um Termo de Cessão de Uso possibilitou à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) a utilização do espaço, incluindo parte do parque (cerca de 50 ha) e áreas de restinga, manguezais e rios. A universidade iniciou suas atividades em 1995 com projetos de pesquisa nas áreas de Biologia e Ecologia inaugurando, em 1998, a sede do Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável – CEADS (UERJ, 2003).

O acesso ocorre por meio de transporte hidroviário explorado pela empresa Barcas S/A que faz o percurso Mangaratiba-Vila do Abraão (23 km) e Angra dos Reis-Vila do Abraão (21 km) diariamente. Existem ainda embarcações particulares que realizam o mesmo percurso, principalmente durante as férias de verão, fins de semana e feriados. A Vila do Abraão, atual sede do 3º Distrito de Angra dos Reis e maior núcleo habitacional do distrito, é o principal ponto de referência de entrada e saída da ilha. Outras localidades situadas na orla da Ilha também recebem e ancoram embarcações, em geral menores.

Na Ilha Grande o relevo é predominantemente montanhoso e fortemente escarpado, destacando-se os topos aguçados, morros e pontões. As declividades variam de 21º, na vertente continental, a mais de 80º em alguns pontos, conferindo aos cursos d’água a possibilidade de cheias e erosão intensa. A área do PEIG apresenta 32 microbacias hidrográficas, sendo que as de maior significado hidrológico são a do Abraão, da Andorinha e do Bicão, sendo esta última  estratégica para o abastecimento da Vila do Abraão (UFRRJ, 1993).

Os percursos realizados através das inúmeras trilhas permitem apreciar as diversas feições paisagísticas da Ilha, sendo um aspecto da maior relevância para o turismo local. Atualmente existem 16 trilhas principais com distâncias que variam de 1,9 a 9,0 km. Elas representam, ao mesmo tempo, os roteiros mais importantes para caminhadas e acesso terrestre regular entre as localidades e povoados da Ilha. No entorno da Ilha são encontradas planícies, terraços fluviais e flúvio-marinhos. São 157 km de litoral, 7 enseadas e 106 praias. As enseadas, praias e costões rochosos proporcionam muitos atrativos turísticos, podendo ser visitados através de caminhadas e passeios de barco.

A paisagem de toda a ilha foi bastante modificada pelos ciclos agro-econômicos que ali se sucederam (café, cana-de-açúcar, legumes, frutos, grãos e gado). Hoje, a porção norte  apresenta-se coberta, principalmente, por vegetação secundária. Na vertente sul, bem como no centro geográfico da ilha, as matas estão em melhor estado de conservação. A vegetação remanescente apresenta-se bastante alterada em relação às formações primitivas em função dos vários usos decorrentes dos movimentos de ocupação da ilha. A vegetação das vertentes voltadas para o continente é menos exuberante do que dos setores  oceânicos, sendo beneficiada pela umidade trazida pelos ventos do quadrante sul. A regeneração das capoeiras e das demais fases da sucessão vegetal ocorreu naturalmente após o declínio das atividades agrícolas.

Além dos aspectos físicos e paisagísticos da Ilha Grande, existem marcas históricas e culturais de grande interesse. Entre 1884 e 1886, foi construído o Lazareto, uma espécie de hospital para abrigar viajantes e imigrantes portadores de cólera, normalmente contraída nos navios. Em 1893, o Marechal Floriano Peixoto transformou o Lazareto em Colônia Penal, enviando para lá os envolvidos na Revolta da Armada. Fechado de 1896. Foi reaberto, em 1903, sob a denominação de Colônia Correcional de Dois Rios. Em 1907, foi construído um Aqueduto para abastecimento do Lazareto com água corrente. Entre 1932 a 1940, diversos líderes do movimento constitucionalista de São Paulo, além de políticos, espiões e colaboradores de governos estrangeiros ali ficaram presos. Depois disso, a edificação voltou a funcionar como presídio comum até 1963, quando os presos foram transferidos para a Colônia Penal de Dois Rios, no outro lado da ilha. Nesta época, o Lazareto foi demolido por ordem do governador Carlos Lacerda. Atualmente as edificações do Aqueduto e do Lazareto, principalmente este último, apresentam-se em ruínas. Ambas estão dentro da área do PEIG, sendo consideradas como importantes atrações turísticas na área do parque.

Diversos fatores vêm proporcionando mudanças marcantes na vida da Ilha Grande, particularmente o incremento das atividades turísticas após a desativação do presídio em 1994. Antes disso, a região sul fluminense recebeu grandes investimentos governamentais a partir da década de 50 como a construção do estaleiro Verolme (1959), do Terminal Petrolífero da Ilha Grande (TEBIG) e da Usina Nuclear Angra I (anos 80), além da abertura (1974) e pavimentação (anos 80) da BR-101. Todas essas intervenções foram acompanhadas por um intenso processo de expansão urbana, especialmente na cidade de Angra dos Reis e distritos mais próximos (Ramuz, 1998 e Souza, 2003). A melhoria da rede de acessos e transportes facilitou a chegada dos turistas de São Paulo e Rio de Janeiro acelerando a implantação de empreendimentos turísticos e loteamentos. Também valorizou praias e trouxe a especulação imobiliária, além da ação de “grileiros”, que já era grande nos anos 60 (Mattoso, 1979 apud Diegues & Nogara, 1999). Além do crescimento populacional, a maioria desses empreendimentos foi acompanhada de conseqüências ambientais que motivaram iniciativas de proteção através da criação de várias UCs. A Ilha Grande acabou se constituindo numa das áreas de maior interesse para a preservação ambiental, mas também para a exploração do turismo, atividades potencialmente conflitantes quando o sistema de gestão inexiste ou é inadequado, principalmente por se tratar de ambiente insular.

 

1.b – O parque, sua infraestrutura e os conflitos territoriais

 

Atualmente a administração do parque está ligada diretamente ao Instituto Estadual de Florestas - IEF. Existe uma sede administrativa localizada no “Casarão”, prédio que  pertencia ao sistema penitenciário, na Vila do Abraão.  Existem vários imóveis na área do parque, a maioria utilizada pela Polícia Militar, além de uma Escola Municipal, da sede do destacamento do Corpo de Bombeiros, do Batalhão Florestal, um campo de futebol e praça. Com a desativação do presídio, vários imóveis deixaram de ser usados pelos militares, mas continuaram como patrimônio do poder público.

Em 1990, o parque teve uma substancial injeção de recursos financeiros provenientes da ESSO Brasileira de Petróleo S/A. Foram aplicados US$ 421 mil na compra de bens permanentes (jipe, motocicleta, lancha e equipamento de rádio transmissão para uso da fiscalização), reformas prediais (5 casas, o Lazareto e o Aqueduto), sinalização de trilhas e elaboração do Plano Diretor do parque através de convênio com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ.

O jipe e a moto, mesmo em condições precárias, continuam em operação, mas os recursos orçamentários para sua manutenção não existem, dependendo muito mais do esforço pessoal de seu administrador do que do orçamento do IEF. O administrador dispõe apenas de uma cota de combustível. A embarcação adquirida para fiscalização foi desviada e está sendo utilizada por particulares e, até o momento, não foi recuperada judicialmente. O equipamento de radio não chegou a ser instalado. Uma das casas reformadas com os recursos da ESSO e que servia para hospedagem de pesquisadores e visitantes autorizados (capacidade para 16 pessoas), atualmente é reservada para uso da Associação dos Servidores do IEF – ASIEF.

Em 2004 somente 3 funcionários trabalhavam no parque sendo 1 administrador, 1 biólogo e 1 auxiliar. Entre 1993 e 2004, o PEIG teve 5 administradores. Além da rotina do trabalho administrativo, eventualmente são promovidas ações junto aos turistas que chegam na ilha, principalmente durante os feriados prolongados. Para isso, o IEF costuma promover operações especiais (“Carnaval”, “Páscoa”, “Corpus Christi”, etc) com a participação de um número maior de técnicos do órgão que ajudam na fiscalização, distribuição de folhetos e orientação preventiva.

Até hoje, o PEIG não apresenta uma estrutura de serviços aos seus usuários como banheiros públicos, sala de recepção de visitantes, área de camping ou outros equipamentos. As trilhas apresentam-se, em geral, bem sinalizadas, apesar de que várias placas estão depredadas e necessitam de substituição. No final dos anos 90, a sinalização foi refeita e permanece em razoável estado de conservação. O Plano Diretor, elaborado pela UFRRJ e financiado pela ESSO, apresentou várias propostas na forma de programas e sub-programas temáticos. O orçamento apresentado para execução do plano alcançou a cifra de US$ 1.555.422 a serem gastos durante 5 anos, sendo que 37,4% desse valor, ou seja US$ 580.987, deveria ser investido já no primeiro ano de trabalho. Para ajudar na viabilização financeira do plano, sugeriu-se a cobrança de ingressos, de taxas dos usuários de “campings” e da água captada na área do parque, além da venda de publicações e outros produtos. Na época, algumas ações foram executadas com recursos da ESSO, como reformas de imóveis e aquisição de bens móveis. Entretanto, os governos estaduais não alocaram recursos financeiros nem investiram na melhoria do quadro de pessoal e as demais propostas deixaram de ser executadas (Vallejo, 2005). Os bens móveis e imóveis encontram-se em situação precária por falta de manutenção, além dos desvios já citados. Enquanto o Plano Diretor considerou a necessidade de 40 funcionários em atividade (10 permanentes e 30 na fiscalização), o PEIG nunca teve mais do que 3 funcionários, sem considerar a participação dos PMs do Batalhão Florestal. Os poucos militares do posto do Batalhão Florestal (quatro a seis soldados) atendem, ao mesmo tempo, demandas de fiscalização de outras UCs da Ilha Grande.[5]

Em janeiro de 2004, a empresa Termorio firmou convênios com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente visando a implantação de infraestrutura em três UCs no Rio de Janeiro (R$ 7,89 milhões) incluindo o PEIG. Entretanto, a previsão de investimentos no parque é pouco superior a 300 mil reais, para melhoria da infraestrutura e revisão do Plano Diretor.

A área do PEIG não apresenta grandes problemas fundiários, pois a maior parte das terras na Ilha Grande é devoluta. Assim mesmo, eles existem e foram discutidos no Plano Diretor. O decreto de criação (2.061/78) assinala que o parque tem 5.564 ha, mas a plotagem cartográfica realizada pelos técnicos da UFRRJ indicou uma área com apenas 4.350 ha, ou seja, 1.214 ha a menos. Foram constatadas posses e levantadas dúvidas acerca de escrituras de propriedade dentro do PEIG. Como o perímetro não está devidamente demarcado, invasões e grilagens já ocorreram e poderão se repetir no futuro.

Os conflitos territoriais e de uso do espaço do PEIG estão associados à diversos aspectos, apresentados resumidamente a seguir.

Ø      Desde a desativação do presídio, em 1994, houve crescimento intenso das atividades turísticas na Ilha Grande, porém de forma descontrolada. Mesmo com a diminuição da população residente na Ilha Grande, o número de passageiros transportados anualmente pelo sistema de barcas vem aumentando, principalmente a partir de 1999, quando foram registrados valores sempre superiores a 214 mil[6]. O número de estabelecimentos de hospedagem também cresceu de forma significativa. Em 1992 a estrutura profissional era formada por apenas 1 hotel, 9 pousadas, 11 bares e restaurantes e 5 “campings”.  Em 2004, foram identificadas 98 pousadas, sendo que 70 delas na Vila do Abraão, com capacidade de hospedagem em torno de 3000 pessoas. Estima-se que, durante os feriados prolongados, a população chegue a 10.000 pessoas, somente na Vila do Abraão. O incremento das demandas turísticas na Ilha tem motivado o incremento de inúmeras ações especulativas envolvendo construções irregulares, oferta de vagas de hospedagem residencial, serviços de transporte marítimo, entre outros aspectos.

Ø      Foram promulgadas inúmeras leis e normas ambientais aplicados, por vezes, de forma contraditória, ou em excesso, envolvendo diferentes órgãos públicos de todas as esferas de poder (Plano Diretor Municipal, áreas sob regime de Tombamento, criação de UCs, etc). As múltiplas tentativas de ingerências no espaço territorial da Ilha foram responsáveis por vários conflitos de ocupação e uso, às vezes, acobertando interesses privados ligados ao setor imobiliário e turístico.

Ø      Grande despreparo e fragilidade administrativa dos setores responsáveis pela gestão do PEIG. A maioria das ações empreendidas pelos diretores ficou restrita ao plano da fiscalização e punição por supostos crimes ambientais cometidos. Sobre este aspecto, destacam-se os conflitos ocorridos junto aos antigos moradores e comunidades caiçaras que passaram a sofrer, de forma mais direta, as pressões dos setores de fiscalização do governo.

Entre os impactos ambientais mais freqüentes que resultaram das mudanças no perfil de uso territorial da Ilha Grande, destacamos:

ü            Aumento na produção diária de lixo doméstico que pode chegar a 3,3 ton/dia somente na Vila do Abraão. Até 2002 o depósito de lixo ficava a 20 metros das ruínas do Lazareto e dentro dos limites do PEIG. Atualmente é transportado para o aterro sanitário do Ariró, em Angra dos Reis.

ü            Aumento no despejo de esgotos sanitários em córregos e rios, formando “línguas negras” em praias, principalmente na Vila do Abraão.

ü            Insuficiência no abastecimento de água em períodos de alta freqüência turística.

ü            Intensificação de processos erosivos nas trilhas, devido a grande movimentação de turistas.

ü            Aumento das emissões atmosféricas e despejos de poluentes na água oriundos das embarcações que trafegam na baía da Ilha Grande.

ü            Distúrbios e riscos causados à fauna aquática pela movimentação de barcos e “jet skis”.

ü            Introdução, voluntária e involuntária, de espécies domesticadas e exóticas que representam riscos preservação da biodiversidade dos ecossistemas insulares. [7]

ü            Desmatamentos de áreas e edificações sem licenciamento ambiental.

 

Foram elaboradas diversas propostas oficiais e do movimento popular visando o melhor planejamento e gestão das atividades turísticas na Ilha Grande. Entre elas, destacamos o Programa Ambiental de Desenvolvimento Integrado da Baía da Ilha Grande – PADIBIG (1992); a criação da Unidade de Gestão Ambiental Integrada da Ilha Grande – UGI (1995); o Plano Diretor de Turismo da Ilha Grande (1997); e o Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta Ambiental da Ilha Grande – TAC (2002). Entretanto, poucos resultados concretos foram conquistados e as propostas de gestão ambiental permanecem engavetadas.

 

 

2 – Parque Estadual da Serra da Tiririca (PEST)

 

 

2.a – Aspectos gerais

A origem do PEST é resultante de uma experiência pioneira no Brasil. Ao contrário da maioria das UCs, criadas por iniciativa dos governos, o projeto do parque surgiu com a mobilização da sociedade civil. Após as primeiras denúncias de desmatamentos no inicio da década de 80, grupos ambientalistas, associações de moradores e moradores locais participaram de uma forte mobilização popular em defesa da Serra da Tiririca. Criado através da Lei Estadual 1.901/91, o parque ainda tem seus limites provisórios que foram estabelecidos pelo Decreto 18.598/93. A proposta definitiva de delimitação do PEST só foi concluída em julho de 2001, com base nos trabalhos desenvolvidos por uma Comissão instituída pela Portaria IEF/RJ 68/99 (IEF, 2001). Entretanto, o Decreto com os novos limites ainda não foi encaminhado ao poder legislativo.

Inserido na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o PEST abrange terras dos municípios de Niterói e Maricá, com área total de 2.400 ha (limites provisórios), incluindo uma parte marinha. O seu relevo é bastante acidentado com inclinações que chegam até 50º, estando incluída na Unidade Geomorfológica de Colinas e Maciços Costeiros. Os morros são escarpados, com paredões que mergulham diretamente no mar ou permanecem sob uma estreita faixa de planície litorânea. O sistema hidrográfico é formado por rios que integram as bacias da Região Oceânica de Niterói e da Baía de Guanabara.

A Serra da Tiririca apresenta uma cobertura vegetal do domínio da Mata Atlântica, do tipo Floresta Ombrófila Densa, sendo classificada como Mata Atlântica baixo-montana ou sub-montana. As matas, bastante degradadas no passado, apresentam-se em diversos estágios de regeneração natural. Mesmo na condição de formações secundárias, elas ainda abrigam valioso patrimônio genético, representado por flora e fauna diversificadas, incluindo espécies raras e ameaçadas de extinção (Barros & Seoane, 1999).

As primeiras alterações ambientais na área do PEST ocorreram a partir do século XVI através de práticas extrativistas e agrícolas. Em 1779, existiam quatro engenhos na área sendo que uma fazenda passou a ser conhecida mais tarde como Fazenda Engenho do Mato, abrangendo uma grande área da Serra da Tiririca. O início da ocupação mais intensa da região onde se insere o PEST ocorreu a partir das décadas de 1940 e 1950, em ambos os municípios. A tradição de uso agrícola do solo começou a dar espaço à especulação imobiliária e ao crescimento urbano.  Os interesses do setor privado foram apoiados pelo setor público que passou a investir na região como área de expansão municipal.

Entretanto, as áreas loteadas a partir da década de 40 permaneceram, em sua grande maioria, desocupadas até a década de 70. Após a construção da ponte Rio-Niterói e a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, o processo de urbanização intensificou-se em ambos os municípios e, particularmente, nas áreas do entorno do PEST. Em Niterói, a região oceânica experimentou um crescimento de 656% na população residente entre os anos de 1970 e 2000, sendo que nos bairros próximos a atual área do PEST, as taxas anuais de crescimento são consideradas bem elevadas.[8]  No lado de Maricá, os dados do IBGE indicam que o crescimento populacional no distrito de Inoã, limítrofe ao parque, foi ainda mais acentuado que Niterói com taxas de 6,32% (1991-1996) e 6,94% (1996-2000). Em apenas nove anos, a população do distrito cresceu 83,2%.

O parque foi criado na década de 90 em meio a um processo de crescimento imobiliário sem precedentes em ambos os municípios, trazendo consigo problemas históricos relacionados com o uso e a propriedade da terra. Junto com este crescimento, outros processos intensificaram tais como a ação especulativa, as invasões, grilagens, além dos riscos ambientais decorrentes do próprio adensamento populacional (derrubadas, queimadas, apreensão de animais silvestres, retirada de espécies vegetais ornamentais, introdução de espécies exóticas, extração de recursos minerais, etc). Além disso, já ocorriam atividades extrativas minerais (pedreira e saibreira), respectivamente no extremo norte e oeste do parque.

 

2.b – O parque, sua infraestrutura e os conflitos territoriais

 

A infraestrutura do parque é bastante precária, sendo que algumas melhorias só ocorreram recentemente. As primeiras benfeitorias imobiliárias foram concluídas em 2004 com as obras de uma sub-sede localizada no lado Niteroiense, estando prevista ainda a construção de uma sede em Itaipuaçú em terreno cedido pela prefeitura de Maricá. Em 2003, parque recebeu um veículo para atender as demandas administrativas. A maioria das previsões de investimentos financeiros não se concretizou, incluindo recursos previstos nos Projetos Ambientais Complementares do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, em 1993, além de outros.[9] Vários projetos previstos para o PEST (combate a incêndios florestais, agrossilvicultura, estabelecimento dos limites definitivos, recuperação de áreas degradadas, estudos de capacidade de carga das trilhas) deixaram de ser implementados por conta da falta de repasse dos recursos deliberados (Simon, 1999).

A partir de sua criação em 1991, até dezembro de 2004, o parque teve oito administradores, sendo que dois deles não chegaram a ser nomeados, portanto, atuaram sem suporte legal para exercerem suas funções rotineiras. Muitos destes administradores não faziam parte do quadro de funcionários do IEF, sendo contratados temporariamente e ocupando cargos de confiança. A situação de abandono administrativo do parque motivou a execução de algumas ações civis, a primeira delas em 1995 (Inquérito Civil 24/95) pelo Grupo Caminhante Independente junto ao Ministério Público Estadual e Curadoria de Justiça de Niterói. Em 2001, uma Ação Civil Pública foi impetrada pela ONG Protetores da Floresta contra o governo estadual pela não implementação do PEST (Processo: 2001.001.059390-2). Outras ações chegaram a ser movidas em função da extração irregular de brita dentro do parque (Inquérito Civil 10/97) e de saibro (Inquérito Civil 01/98) pelo Grupo Caminhante Independente, que acabaram resultando na desativação das respectivas atividades.

O PEST até hoje não tem um Plano Diretor, apesar dos estudos diagnósticos realizados no início de sua implantação através da empresa MULTISERVICE. Um dos grandes problemas para sua consolidação reside, em primeiro lugar, na solução das questões fundiárias pendentes e que são anteriores à criação do parque. Deve-se destacar também, que os limites existentes ainda são provisórios e tramita uma proposta elaborada pela Comissão Pró-PEST para modificá-los e ampliá-los. O PEST ainda não dispõe de um sistema de sinalização adequado e o que existe encontra-se em estado precário. Muitas placas foram colocadas por iniciativa de algumas ONGs.

Os conflitos territoriais e de uso do espaço do PEST estão associados, basicamente, com os problemas de propriedade da terra no entorno e dentro da área do parque. Mesmo havendo um mapeamento parcial das propriedades localizadas próximo aos seus limites, não existem iniciativas e nem verbas alocadas para diagnosticar com precisão e equacionar o problema fundiário. Existem 25 loteamentos no entorno do PEST, sendo 16 no lado niteroiense e 9 em Maricá. A abertura de novas ruas de acesso aos loteamentos e condomínios e as autorizações de edificações concedidas pelos poderes municipais e os desmatamentos, produziu vários conflitos entre o IEF, as prefeituras, os empreendedores, moradores e ONGs. Existem loteamentos que ocupam, total ou parcialmente, áreas do parque. Os exemplos mais importantes ocorrem com o condomínio Floresta do Elefante (100%) e os loteamentos Morada das Águias (70%), Itaocaia Valley e Serramar Itaipuaçú (ambos com 40%), todos em Maricá. (Simon, 1999). O parque foi criado, porém nunca foram tomadas iniciativas em relação aos loteamentos e condomínios já estabelecidos. Além disso, a indefinição sobre a questão fundiária contribuiu para que outros conflitos acontecessem como no caso da ocupação do Vale do Córrego dos Colibris (Empresa Imobiliária Matos & Matos), Condomínio Ubá Floresta e Loteamento Jardim Fazendinha, todos em Niterói. Existem, ainda, as ocupações decorrentes de invasões e posses.

Outros conflitos ocorreram por conta de atividades de mineração desenvolvidas na área do parque. Estas atividades acabaram sendo interditadas depois de ampla mobilização popular e ações civis públicas que resultaram na paralisação das mesmas. Em destaque, nesses casos, as minerações que já existiam antes da criação do parque e eram licenciadas por órgãos de governo (IBAMA, DNPM e DRM), independentemente de consultas ao IEF.

Em relação aos impactos ambientais mais freqüentes decorrentes dos problemas fundiários e do processo intenso de ocupação urbana, destacamos:

ü            “Efeito de borda”[10] pronunciado considerando que a área do PEST é pequena e estreita, sendo que a ocupação em seus limites aumenta os riscos de deterioração e contaminação biológica;

ü            Extrativismo mineral, animal e vegetal;

ü            Turismo descontrolado (saturação de trilhas, erosão, destruição da vegetação);

ü            Queimadas.

Em resumo, o PEST, por estar localizado em área urbana de um grande centro formador de opinião, tem sido alvo constante de forças políticas defensoras de sua preservação, mas também de forças contrárias, pois se trata de uma área de grande interesse imobiliário. As ONGs são as grandes defensoras do parque, muitas vezes assumindo o papel fiscalizador que deveria ser cumprido pelos órgãos de governo.

 

3 – Parque Estadual do Desengano (PED)

 

 

3.a – Aspectos gerais

 

 

O PED foi criado através do Decreto-Lei nº 250 (13/04/70), abrangendo terras dos municípios de Santa Maria madalena, Campos e São Fidélis, com 22.400 ha. Inicialmente, a responsabilidade pela demarcação e administração da área coube à Secretaria de Agricultura e Abastecimento, passando para o IEF depois de sua criação em 1986. O Decreto 14.871/70 estabeleceu os limites do parque e declarou sua área como de utilidade pública para fins de desapropriação, mediante composição amigável ou procedimento judicial. Dentro do perímetro indicado para criação do parque, foi constatada a existência de extensas áreas devolutas, mas também havia diversas ocupações e exploração de recursos florestais.

Em 1983, o governo do estado baixou o Decreto 7.121 criando a Área de Proteção Ambiental (APA) do Desengano como limites semelhantes aos do parque. A polêmica iniciativa, já que a APA é menos restritiva que o parque, foi interpretada como uma tentativa de garantir a preservação da área onde o poder público não conseguia solucionar a questão fundiária existente.

Uma de principais características do parque é o fato de abrigar uma das maiores áreas contínuas de remanescentes da Mata Atlântica do estado, sendo incluída no Edital de tombamento do Sistema Orográfico Serra do Mar/Mata Atlântica, publicado em Diário Oficial de 06/03/1991. O PED, em toda sua extensão, está situado na zona cristalina da região norte do Estado do Rio de Janeiro, onde o relevo é caracterizado por cristas de topos aguçados, pães-de-açúcar, morros, pontões e escarpas com até 75º de declividade, além de patamares escalonados.

A vegetação do PED protege as elevações cujas linhas de cumeada servem de divisores de água para as bacias do rio Paraíba do Sul (vertente Continental) e da Lagoa Feia (vertente Atlântica), ambas conectando-se na planície flúvio-marinha pela superfície e pelo subsolo. Os rios correm encaixados formando várias cachoeiras que são importantes atrativos turísticos, inclusive na área do PED.

A cobertura vegetal é formada por Floresta Ombrófila Densa Montana e Submontana, Floresta Estacional Semidecidual e por Campos de Altitude. Dados da imagem do satélite Landsat (2000) indicaram a presença de 75,93% de florestas densas na área do PED e 11,23% de matas em estágio inicial de regeneração (FBCN, 2003_a). A floresta submontana reveste as terras até a cota altimétrica de 500 m, enquanto a floresta Montana vai de 500 a 1500 m. A formação florestal semidecidual é encontrada na vertente continental. Os campos de altitude ocupam áreas a partir de 1.600 m. Apesar do elevado grau de desmatamento do entorno do parque, a área é coberta por florestas naturais com grandes reservas de madeira-de-lei.

A topografia acidentada e as dificuldades de acesso sempre se constituíram em fatores limitantes à ocupação e desenvolvimento local. Nos municípios de Santa Maria Madalena e São Fidélis a cafeicultura foi dominante durante o século XIX, tendo havido um certo atraso temporal em relação ao que ocorreu no Vale do Paraíba do Sul, estendendo-se até a década de 1920. A decadência do café levou à substituição por pastagens. Desde a década de 30, alguns setores já defendiam a melhoria dos acessos à área enaltecendo, ao mesmo tempo, as belezas serranas e a possibilidade de exploração turística. Por trás dos interesses turísticos, havia a intenção de se explorar um campo até então limitado pelos acessos difíceis: as vastas florestas de encosta e as terras da cordilheira atlântica.

Com o advento da agricultura canavieira na baixada e as usinas de açúcar, processo iniciado no século XVIII, houve uma a grande demanda de lenha e as reservas florestais da planície diminuíram drasticamente. As lavouras invadiram os tabuleiros e depois as abas serranas do norte. A exploração da madeira, juntamente com os plantios, avançou sobre a zona cristalina derrubando as florestas da Serra do Mar (Lamego, 1955). Esse conjunto de demandas acabou criando uma frente de pressão sobre as florestas do alto da serra, incluindo as áreas contidas no perímetro do parque, antes mesmo de sua criação. Até o fim da década de 80 e início dos anos 90, a exploração de lenha e madeiras de valor comercial foi intensa, reduzindo as áreas florestais e aumentando as pastagens.

Em termos populacionais, as áreas do entorno do PED apresentam-se praticamente estagnadas e, em alguns casos, houve redução da população nos distritos e localidades do seu entorno.[11] As atividades pecuárias que substituíram a cana-de-açúcar nos municípios de São Fidélis e Campos, não têm demonstrado grande dinamismo gerando um vazio econômico com importantes repercussões sociais na região. Os desmatamentos verificados em Santa Maria Madalena tiveram forte relação com o abastecimento das atividades industriais em Campos, mas a redução dos estoques florestais e a intensificação da fiscalização contribuíram para o esvaziamento econômico, diminuindo a oferta de postos de trabalho, mesmo que eventuais.

A maior parte da área do interior e entorno do parque é considerada como inapta para uso agrícola por conta do relevo acidentado ou pela degradação dos solos. Em 2000, foram mapeados 2,81% de áreas sob uso de pastos e agricultura no interior do parque, ou seja, cerca de 629 ha (FBCN, 2003_a).

 

3.b – O parque, sua infraestrutura e os conflitos territoriais

 

Criado em 1970, o parque só ganhou seu primeiro diretor em 1975. Os diretores ficavam no cargo por pouco tempo, havendo intervalos prolongados entre os mandatos. A partir de 1984, foram desenvolvidas diversas atividades no PED, por conta da colaboração de várias instituições como a FBCN, IBDF, Academia Brasileira de Ciências, Museu Nacional, FEEMA, Sociedade Botânica do Brasil, INEMET, Jardim Botânico do Rio de Janeiro e KODAK. Foram montados uma biblioteca e um pequeno laboratório, além da realização de palestras educativas. Estas ações possibilitaram a elaboração de um primeiro diagnóstico do parque, publicado em 1985 de forma incompleta (Primo, 1993).

Entre 1989 e 1991 o parque recebeu recursos da empresa S.A. White Martins (cerca de US$ 326 mil) para criação de sistema de fiscalização, montagem do Plano Diretor e recuperação de áreas degradadas. O Plano Diretor não chegou a ser elaborado, mas foi produzido um documento intitulado “Diagnóstico geo-ambiental e sócio-econômico da área de influência do Parque Estadual do Desengano” (UFRRJ, 1994).

A atual sede do PED está localizada no Horto Florestal Santos Lima (Santa Maria Madalena), fora do parque e a cerca de 8 km do início de seus limites. Em 1993, o havia um diretor, dois biólogos, um agente de defesa florestal, cinco auxiliares de campo, um guarda florestal e um técnico de serviço administrativo. Na época, existiam muitos problemas de infraestrutura operacional como: a falta de viaturas e de sistemas de comunicação; ausência de sub-sedes; dificuldades para promoção de ações conjuntas entre órgãos de governo; desinformação do público; e ausência de um plano diretor (Primo, 1993).

Só recentemente, o aporte de recursos oriundos de medidas compensatórias da Usina Termoelétrica de Macaé - El Paso (Lei do SNUC), possibilitou melhorias em sua infraestrutura, incluindo a revitalização do Horto Estadual com mudas de espécies nativas da região, elaboração do Plano Diretor (FBCN, 2003_a) e desenvolvimento de programa de Educação Ambiental e Práticas Sustentáveis. O Centro de Visitantes foi inaugurado em março de 2004 incluindo sala de exposições, auditório com sistema audiovisual, biblioteca, sala de reuniões, terminais de consultas, cafeteria, anfiteatro e áreas de lazer com tratamento paisagístico e sinalização direcional.

Em 2004, o parque contava com 2 guardas florestais, 3 auxiliares de campo, 3 funcionários de suporte e 10 guardiões, além do destacamento do Batalhão Florestal (5 a 7 soldados) e grupo de apoio para controle de incêndios (3 bombeiros). A administração desenvolve um trabalho de orientação/acordo com proprietários rurais no sentido de reduzir as queimadas e a retirada de lenha da área florestal. O PED dispõe de 3 veículos de tração 4 x 4 e 2 motos, equipamentos de orientação e comunicação (GPS e rádios), adquiridos, em sua maioria, com recursos das medidas compensatórias. As trilhas estão parcialmente mapeadas, mas ainda não existe sinalização.

A análise do Plano Diretor elaborado recentemente pela FBCN (2003_a) permite verificar que as propostas de gerenciamento foram divididas em dois grandes temas: o Zoneamento e os Planos Setoriais de Manejo. Em relação ao primeiro aspecto, toda a área do PED foi considerada como Zona de Proteção Integral - ZPI (FBCN, 2003_a). Neste caso, todas as atividades de visitação, recreação, lazer e educação passariam a ser proibidas no interior do parque, ficando restritas às áreas limítrofes, ou seja, na Zona do Entorno. Esta área limítrofe seria consolidada com a criação de uma APA abrangendo 141.921 ha, com zoneamento e planos setoriais de manejo específicos. O Plano Diretor encontra-se ainda está em processo de implantação e dos 104 funcionários propostos para manter a estrutura administrativa, 19 já estão à disposição, sendo que 10 deles são contratados pela empresa El Paso.

A questão mais polêmica em relação ao gerenciamento do parque envolve os problemas fundiários apontados e mapeados pela FBCN (2003_b). Esta questão é um tema que vem se arrastando, sem solução definitiva, desde a criação do PED nos anos 70. A existência de terras devolutas e de imóveis com multiplicidade de títulos aquisitivos levantaram dúvidas sobre a legitimidade da incorporação de tais imóveis ao domínio particular e também quanto à exata indicação dos seus pretensos proprietários (Soffiati Neto, s/d.). Os primeiros decretos de governo que caracterizaram a área como de utilidade pública para desapropriação (Dec. 14.871/70 e 2.328/79) não foram acompanhados de medidas administrativas para efetivá-los. Ao mesmo tempo, eram grandes  as pressões políticas de supostos proprietários para que as desapropriações não ocorressem.

Em 1983, foi nomeada uma Comissão Especial que tinha como objetivo realizar estudos para instauração de uma Ação Discriminatória[12] visando a regularização da situação fundiária do PED. Oitenta pessoas físicas e jurídicas foram convocadas para apresentarem quaisquer documentos, ou mesmo testemunhas, que fundamentassem a alegação de propriedade. Na época, cerca de 40 ocupantes do PED apresentaram títulos de posse da área, mas foram considerados “confusos” pelo então Procurador Regional. Depois de 32 anos do início do processo, a Ação Discriminatória não foi concluída e um levantamento recente das áreas ocupadas no perímetro do PED apontou 93 áreas na forma de pousadas, residências de veraneio, moradias permanentes, estruturas de suporte ao turismo, abandono e outros (FBCN, 2003_a). Segundo informações de um assessor direto da Presidência do IEF, o órgão não dispõe de um setor jurídico ágil para dar andamento ao processo e o governo estadual nunca manifestou real interesse em dar andamento à Ação Discriminatória.

O desmatamento, o extrativismo vegetal, a caça predatória, a pecuária e o turismo são as principais formas de intervenção destrutiva sobre a área do parque. Por traz dessas ações, existem circunstâncias que explicam, em linhas gerais, as razões de sua ocorrência: a) as grandes demandas de produtos florestais no norte fluminense; b) a histórica ineficiência dos governos estaduais na regularização fundiária; e c) a precariedade do sistema de fiscalização florestal.

Os desmatamentos diminuíram a partir dos anos 90, não apenas pela intensificação da fiscalização florestal, mas, principalmente, pelo quase esgotamento dos estoques florestais em áreas mais acessíveis. Ainda existe algum extrativismo de palmito nativo no interior das áreas florestais, de forma inversamente proporcional a queda do desmatamento, principalmente em Santa Maria Madalena. A extração de plantas ornamentais (bromélias e orquídeas) continua sendo um problema enfrentado pelas administrações do PED. A prática da caça ainda ocorre e os  caçadores controlam ranchos, em geral rústicos, que servem de base para usuários que vem das cidades de Campos e São Fidélis. A prática é meramente esportiva, sem fins comerciais ou de subsistência. Muitas armadilhas como trabucos, gaiolas, alçapões, etc, são encontradas nas redondezas dos ranchos. Eventualmente usam o fogo para acuar os animais.

A exploração do turismo em áreas do parque e seu entorno é outro tema que preocupa a administração, pois é um processo aleatório e sem controle. O grande número de cachoeiras e represas atrai a população dos municípios próximos e são organizadas excursões para esse fim.  A massificação do processo, a abertura de estradas e picadas sem autorização e o lixo deixado pelos turistas são as principais preocupações da  administração do PED.

 

Aspectos das Políticas Governamentais e a Conservação Ambiental

no estado do RJ

           

 

a) As estruturas político-administrativas

 

 

A responsabilidade sobre as UCs no Rio de Janeiro está a cargo de dois órgãos de governo que surgiram em momentos e circunstâncias distintas: a Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente - FEEMA e o Instituto Estadual de Florestas – IEF.

A FEEMA  foi criada em 1975 integrando a Secretaria de Obras e Serviços Públicos.  Para este fim, foram absorvidos órgãos das áreas de saneamento, controle de vetores e de poluição existentes nos antigos estados da Guanabara e Rio de Janeiro. Neste processo, também foi absorvido o antigo Instituto de Conservação da Natureza (ICN) do estado da Guanabara formado, basicamente, por profissionais ligados à pesquisa e conservação da natureza, que passaram a integrar o Departamento de Conservação Ambiental da FEEMA (DECAM). Entre as suas atribuições constava a criação e gestão de UCs. Na época, era um setor com certa autonomia de ação, dispondo de verbas orçamentárias, metas e projetos próprios. A experiência do grupo foi fundamental no desenvolvimento de estudos que posteriormente ajudaram na criação de várias UCs estaduais a partir dos anos 80. Até o início de 2005, a FEEMA administrava 12 APAs, 3 reservas, 1 parque e 1 estação ecológica.

Em 1986, foi criado o IEF a partir do Departamento Geral de Recursos Naturais Renováveis  (DGRNR) da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento, herdando todos os Parques Estaduais, Reservas, Jardins Botânicos e Hortos Florestais, além de bens móveis, verbas e pessoal. Em 1988, o governo transformou o IEF em Fundação, com responsabilidades ligadas ao planejamento, fomento florestal para fins econômicos e de recuperação de áreas, fiscalização, monitoramento, estudos científicos, implantação e gestão de UCs, extensão florestal e educação ambiental. A criação do IEF teve duas motivações básicas, sendo que a primeira delas, era criar um Instituto Florestal nos moldes daqueles já existentes em MG e SP. No final dos anos 80, o estado do RJ tinha uma demanda madeira/ano quatro vezes maior que a produção econômica e a diferença era suprida através da exploração clandestina ou da importação de outros estados. A outra motivação, de natureza política, estava atrelada ao movimento corporativista dos engenheiros agrônomos e florestais que lutavam pela abertura de um espaço de trabalho. Como a FEEMA era dominada pelos engenheiros civis e sanitaristas, a criação do IEF passou a ser a melhor alternativa. O DGRNR, entretanto, era considerado um setor defasado e desprestigiado em comparação aos órgãos florestais de SP e MG, mais antigos e melhor estruturados do que no RJ. Até o início de 2005, o IEF administrava 12 UCs,  sendo 8 parques, 3 reservas e 1 estação ecológica.

 A FEEMA e o IEF vêm sofrendo um processo de enfraquecimento político marcante ao longo de sua trajetória, principalmente no caso da FEEMA que tinha um prestígio elevado até meados dos anos 80. Questões conjunturais mais amplas  interferiram em todos os setores do serviço público, tais como: as altas taxas inflacionárias do país; os sucessivos planos econômicos; o arrocho salarial empreendido pelas políticas econômicas dos governos e as limitações orçamentárias que praticamente paralisaram as atividades de melhoria da infraestrutura e investimentos em geral. O setor ambiental, por conseguinte, foi bastante afetado e a área de conservação ambiental, ainda mais. Atualmente, a maioria dos projetos dos órgãos de governo depende de convênios e parcerias para conseguir desenvolver muitas de suas atividades.

A falta de concursos públicos, as aposentadorias e a redução das médias salariais foram decisivas para a decadência do setor. Desde 1982, a FEEMA não promoveu concurso público, não dispõe de um Plano de Cargos e Salários e experimentou uma flagrante redução de pessoal. Em julho de 1987 tinha 1008 funcionários em seu quadro, dispondo de 753 em março de 2003, ou seja, uma perda de 25%[13]. O Serviço de Ecologia Aplicada da FEEMA que administra três UCs de proteção integral, contava, em 2004, com apenas 8 funcionários, além de 1 motorista e 1 faxineiro contratados. Apenas 3 deles permanecem em campo. Em 1975, eram 45 funcionários oriundos do ICN.

A situação do IEF é semelhante, pois nunca teve concurso público para suprir seus quadros e não dispõe de Plano de Cargos e Salários. Em janeiro de 1989, eram 314 funcionários, caindo para 233 em março de 2003 (menos 25,8%). O número de funcionários extra-quadro do IEF vem aumentando a cada ano. Em 1994, eram 21 funcionários (7,4%); em 1995, 36 (13%); em 1999, 81 (40,3%); em 2001, 145 (57,3%) e em 2003, 135 (57,9%)[14]. Como não foram realizados concursos públicos para suprir as deficiências de pessoal, o órgão depende do trânsito de funcionários oriundos de outras áreas de governo e das contratações sem vínculo empregatício permanente. Essa movimentação caracteriza também uma alta rotatividade de funcionários, sem que haja garantia de qualificação necessária ao exercício de muitas funções dentro do órgão. É caso da administração de alguns parques, como o da Serra da Tiririca, que já foi ocupada por vários funcionários contratados, sem treinamento adequado e que permaneceram por pouco tempo no cargo.

Os problemas de infraestrutura do IEF tornaram-se públicos quando o estado do Rio de Janeiro deixou de receber 8,3 milhões de Euros do Banco de Reconstrução Alemã (Kreditanstal fur Wiederaufbau - KFW) e que integravam parte do Programa Piloto de Proteção de Florestas Tropicais (PPG7). Por exigência da agência alemã, a verba não seria liberada para os órgãos ambientais do Rio de Janeiro, enquanto não houvesse uma infraestrutura mínima necessária para atender aos objetivos do acordo binacional, que previa o fortalecimento das UCs. Os dois principais problemas identificados pelos alemães foram o péssimo estado de fiscalização e conservação das UCs administradas pelo governo estadual e a precariedade do IEF, que opera sem pessoal suficiente e sofre com a falta de equipamentos modernos e adequados (Thuswohl, 2003).

 

 

b) Recursos financeiros e a conservação ambiental

 

 

   Os recursos destinados à conservação ambiental e UCs estaduais podem ser originadas de fontes internas (arrecadação estadual através de impostos e multas, fundos) e externas (agências internacionais, repasses federais e empresas). Segundo dados obtidos nas leis e decretos orçamentários estaduais, observamos que, entre 1976 e 2002, os sucessivos governos mantiveram um aporte financeiro médio da ordem de 0,04% dos orçamentos anuais. Somente nos anos de 1977, 1990 e 1993, os percentuais propostos superaram essa média, chegando a 0,08%, 0,08% e 0,16%, respectivamente. Esses percentuais são inferiores aqueles destinados aos itens como energia, comunicações, organização agrária, direitos da cidadania e trabalho, que variaram entre 0,05 e 1,5%. Em termos de valores absolutos, observamos que até 1989, as previsões de despesas oscilavam entre 0,7 e 1,8 milhões de dólares, com média de 1,2 milhões/ano. No período que vai de 1990 a 1998, os valores foram os mais elevados variando de 1,2 a 9,5 milhões, para uma média de 4,2 milhões/ano. De 1999 a 2002, houve uma queda nos investimentos que se situaram entre 0,5 e 2,4 milhões e média de 1,4 milhões/ano. A tendência de crescimento dos investimentos entre 1990 e 1997, foi contrariada por acentuada queda a partir de 1998.

A elevação dos valores entre 1990 e 1998 ocorreu devido à inclusão no orçamento de recursos oriundos de fontes externas (nacionais e internacionais), entre elas: CEF e BIRD (“Programa Reconstrução Rio”);  Banco Mundial (melhoria de infraestrutura do IEF); e do BID (Programa de Despoluição da Baía de Guanabara). Em muitos destes programas, principalmente os de saneamento ambiental, os agentes financeiros externos requisitavam a inclusão de investimentos em UCs (Dourojeanni, s/d).

De um total aproximado de 60,8 milhões de dólares destinados à conservação ambiental ao longo de 27 anos, cerca 16,2 milhões (26,7%), foram aprovados especificamente para as UCs estaduais. Isso representa, em linhas gerais, uma aplicação média da ordem de 600 mil dólares/ano para manutenção do conjunto das UCs. Entretanto, foi constatado que certas UCs contempladas em sucessivos orçamentos não receberam qualquer investimento que comprovasse a concretização das propostas orçamentárias[15].  A pesquisa realizada  trouxe evidências de que os orçamentos para as UCs não eram cumpridos da forma como eram aprovados, seja por entraves burocráticos da estrutura administrativa e/ou por falta de interesse político dos governos. Conforme as necessidades e conveniências políticas, acabavam sendo aplicados em outros setores da administração pública.

No caso específico do Rio de Janeiro, existe ainda uma fonte de recursos associados ao Fundo Estadual de Conservação Ambiental – FECAM, criado no ano de 1986 (Lei Estadual 1.060) e ratificado pelo Artigo 263 da Constituição Estadual de 1989. Os recursos do FECAM podem ser aplicados, entre outros aspectos, em projetos de fiscalização e recuperação da Mata Atlântica, proteção da biodiversidade, programas de prevenção e combate a incêndios em florestas, consolidação de UCs (planos diretores, sede, etc) e educação ambiental das populações vizinhas.  As verbas têm origem nos royalties da exploração de petróleo e gás natural, nas multas e indenizações por infrações à legislação de proteção ambiental federal e estadual, na arrecadação de taxas ou contribuições pela utilização de recursos ambientais, e em outras dotações e créditos adicionais.

Entre 1989 e 2002, o Conselho Gestor do FECAM aprovou investimentos da ordem de US$ 293,8 milhões[16]. Do total, US$ 25,2 milhões (8,6%), foram aprovados até 1998, enquanto o restante de US$ 268,6 milhões (91,4%) refere-se ao período de 2000 a 2002. Os projetos de conservação ambiental, onde estão incluídos os investimentos em UCs, receberam apenas 2,3% do total durante os 13 anos de FECAM, o que equivale a US$ 6,76 milhões. Os projetos de saneamento tiveram uma prioridade bem superior aos demais temas e se destacaram durante o último período de governo (1999-2002). A aplicação destes recursos foi acompanhada de intensa propaganda política relacionada com obras de recuperação da Baía de Guanabara, saneamento da Barra da Tijuca e Lagoa Rodrigo de Freitas, construção de “piscinões”, entre outras.

As manobras políticas e sucessivas mudanças em critérios de alocação de recursos do FECAM têm suscitado inúmeras críticas sobre a forma de gestão dos recursos do fundo.  Entre elas destacamos:

ü      centralização dos recursos junto ao caixa do governo, já que até 1999, o Conselho Gestor tinha uma relativa autonomia em relação ao fundo que mantinha uma conta própria;

ü      falta de transparência política em relação aos critérios de aprovação e distribuição dos projetos que, depois de 1999, passaram a ser concentrados em propostas do próprio governo eliminando praticamente a participação de outras entidades (universidades, municípios, ONGs, etc);

ü      aplicação indevida de recursos do fundo para atender outras áreas do governo;

ü      alteração dos percentuais de arrecadação do fundo a serem aplicados na área de conservação ambiental[17].

 

Além dos recursos orçamentários e do FECAM, existem as fontes não orçamentárias, como no caso dos incentivos de isenção do ICMS concedidos através da Lei 1.708/90.  Alguns parques como o PEIG e o PED já foram beneficiados anteriormente com recursos oriundos da ESSO e White Martins, respectivamente. Mas, a principal fonte de recursos não orçamentários teve origem com Decreto 4.340/02 que regulamentou a Lei Federal 9.985/00 (Sistema Nacional  de Unidades de Conservação) e conhecida como “medida compensatória”. Os investimentos, provenientes de empresas potencialmente poluidoras e em processo de licenciamento ambiental, são aplicados diretamente nas UCs de proteção integral. Como o dinheiro não entra no caixa de governo, mesmo sendo classificado como recurso público, não aparece nas leis orçamentárias. Entre as UCs que receberam maior volume de investimentos, constam os parques do Desengano e da Pedra Branca (US$ 6 milhões - El Paso e UTE Norte Fluminense, respectivamente),  algumas APAs (do Iriri, do SANA e estuário do Rio Macaé) e o Centro de Primatologia do Estado do RJ.

A destinação dos recursos tem priorizado a melhoria da infraestrutura material das unidades. O PED recebeu recursos para consolidação interna e proteção do seu entorno imediato (edificações e mobiliário, prevenção de incêndios, fiscalização, plano de manejo, educação ambiental e divulgação), mas não se tem notícia sobre investimentos para solução dos sérios problemas fundiários já descritos anteriormente. A mesma lógica ocorre com o PEST, cujas previsões de aplicação financeira não contemplam o levantamento e nem o equacionamento da complexa questão fundiária existente.

Numa análise mais abrangente, observamos que os recursos não orçamentários na forma de medidas compensatórias, representam uma novidade e um avanço na história das políticas de gestão territorial das UCs fluminenses. Estes recursos superaram os US$ 16,2 milhões declarados nos orçamentos de 27 anos de governo para o conjunto das UCs. Pode-se afirmar que os recursos orçamentários decorrentes da arrecadação do governo eram realmente inexpressivos em termos de garantia das demandas existentes. Além disso, em muitos casos não passavam de figuras de ficção administrativa, existindo somente no papel.

 

 

Considerações finais

 

 

A gestão das UCs sob controle estadual no Rio de Janeiro convive com uma crise estrutural que tem raízes históricas profundas. Um dos aspectos reside na duplicidade de esforços de órgãos de meio ambiente sobre um mesmo tema.  O IEF/RJ, criado para gerir as UCs, surge no cenário político  sob a luz de um corporativismo profissional que não chega a se concretizar como proposta. Traz consigo a cultura profissional da produção agrícola, mas com a responsabilidade de atuar no âmbito da conservação ambiental. O IEF nunca conseguiu se afirmar como órgão responsável pela política florestal fluminense até porque nenhum dos governos se interessou efetivamente pelo assunto. A precariedade numérica e qualitativa dos seus quadros, a rotatividade de pessoal e a escassez de motivações profissionais, aliados aos escassos recursos financeiros e materiais, são elementos de uma fórmula pouco recomendada para se conduzir uma política florestal com seriedade.

Os baixos percentuais de investimentos em conservação ambiental por conta dos orçamentos de governo, indicam que a importância política conferida ao tema é muito baixa. Algumas explicações para o fato podem estar associadas a fatores como:

ü      prioridade para as atividades produtivas que gerem dividendos políticos de curto prazo, ao contrário das atividades de conservação ambiental, com perspectivas de médio e longo prazos;

ü      prioridade para  investimentos na área metropolitana do estado que onde está concentrada a maior parte da população fluminense;

ü      baixa divulgação e desconhecimento por parte do público, em geral, sobre o papel e o valor das UCs, não produzindo grandes demandas sociais.

As manobras políticas e administrativas junto ao FECAM são sintomas de que a questão ambiental tem ajudado a “maquiar” interesses e obter fontes adicionais de recursos, atendendo despesas urgentes dos governos ou obtendo dividendos políticos de curto prazo. Mesmo com a oxigenação financeira promovida por conta das medidas compensatórias oriundas do SNUC, o sistema não tem como funcionar adequadamente enquanto a política de pessoal não sofrer mudanças radicais. A abertura de concursos, a promoção de Planos de Cargos e Salários, investimentos em políticas internas de aperfeiçoamento de pessoal são algumas das necessidades básicas para se dar alguma dignidade ao serviço. Há necessidade urgente de se implantar um sistema estadual de UCs que se integre ao sistema nacional. Propostas como a de uma Agência Estadual de Parques Fluminenses, ou qualquer outra denominação semelhante, fazem parte das idéias que precisam ser amadurecidas mas, antes de tudo, devem representar um esforço de mudança política concreta.

Os conflitos territoriais detectados no estudo dos três parques refletem a fragilidade administrativa dos órgãos de governo e as políticas públicas adotadas para o setor. As deficiências de pessoal e bens materiais, além do reduzido aporte de verbas, representam indicadores da baixa importância política atribuída ao tema. Infelizmente, as UCs ainda são interpretadas como entraves ao desenvolvimento e não como espaço de oportunidades. Ao realizar uma análise mais ampla do problema, observa-se que e criação dos três parques seguiu uma orientação onde os instrumentos legais de controle territorial são rígidos em relação ao isolamento das áreas, mas não foram eficientes no processo de integração e promoção do desenvolvimento social. As realidades geográficas existentes não foram estudadas e consideradas no processo de criação e gestão dos parques. As normas legais não foram acompanhadas por estruturas administrativas correlatas e os conflitos de interesses foram acontecendo naturalmente. Muitos dos projetos com objetivos de educação/integração entre pessoas e parques tiveram origem em iniciativas não governamentais. A participação das ONGs e OSCIPs[18] torna-se cada vez mais importante tanto na cobrança de medidas como na gestão direta dos espaços protegidos.

O grande desafio é demonstrar que a conservação da biodiversidade é um assunto politicamente importante, não apenas junto aos políticos que estão em cargos nos poderes constituídos, mas nos demais setores da sociedade. A partir daí, poderemos acreditar que existe um mínimo de seriedade no tratamento da questão.

 

 

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 Volta

 

 



[1] Trabalho produzido com base em pesquisa de tese de doutorado defendida em abril/2005 no Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense.

[2] Doutor e Mestre em Geografia, Bacharel em Ecologia, Professor Adjunto IV do Departamento de Geografia da UFF. E-mail: lrvallejo@bol.com.br 

[3] Dados disponíveis no site  http://www.ibama.gov.br

[4] Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente e Instituto Estadual de Florestas, respectivamente.

[5] Reserva Biológica da Praia de Sul, Parque Estadual Marinho do Aventureiro e Área de Proteção Ambiental  Tamoios.

[6] Até 1997, os números variavam entre 100 e 150 mil passageiros transportados anualmente (dados da CONERJ)

[7] Em destaque o caso da recente introdução do Caramujo Africano - Achatina fulica, que vem se expandindo por toda a Ilha.

[8] Entre 1996 e 2000, o bairro do Engenho do Mato, à margem do PEST, teve taxa anual de crescimento de 8,3%. Outros como Itaipu, Várzea das Moças e Itacoatiara, tiveram crescimento anual de 5,7%, 4,9% e 3,8%, respectivamente (Microdados censitários e de contagem da população do IBGE).

[9] Valores orçamentários destinados ao PEST, através das Leis Estaduais 2.521/96, 2.668/97 e 3.170/99 não se concretizaram. A mesma situação se repetiu em 1998, com a Deliberação 053 do FECAM (DOERJ de 05/02/98) que aprovou a quantia de R$ 80.000,00 para “Revitalização do PEST”. Em 2000, foi alocada uma verba de R$ 400.000,00 originados de um Termo de Compromisso Ambiental, firmado entre a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e a Petrobrás/REDUC, visando a compensação financeira advinda do passivo ambiental da empresa.

[10] Um dos fatores que mais afetam um fragmento florestal é o efeito de borda, que pode ser definido como uma alteração na estrutura, na composição e/ou na abundância relativa de espécies na parte marginal de um fragmento. Tal efeito é mais intenso em áreas menores e isoladas (Primack & Rodrigues, 2001).

 

[11] Em Santa Maria Madalena os distritos de Sossego e Renascença tiveram a população reduzida em 53% e 42% entre 1991 e 2000, respectivamente.

[12] Procedimento que tem por objetivo separar as terras devolutas das terras privadas e reconhecer a legitimidade da posse de particulares, conforme estabelecido na Lei 6.383/76.

[13] Baseado em dados de pessoal administrativo do Anuário Estatístico da Fundação CIDE e da Secretaria de Administração e Reforma do Estado do Rio de Janeiro - SARE

[14] Dados obtidos a partir das planilhas de pessoal administrativo das fundações do Anuário Estatístico do Rio de Janeiro – Fundação CIDE (1999 e 2001) e da Secretaria de Administração e Reforma do Estado – SARE (1994, 1995 e 2003)

[15] O exemplo mais flagrante ocorreu com o PE da Serra da Tiririca (PEST), criado em 1991, que foi relacionado para receber recursos no valor de R$ 300.000,00 em 1996 (Lei 2.521 de 18/01/96), R$ 335.000,00, em 1997 (Lei 2.668 de 16/01/97, juntamente com o Parque do Engenho Pequeno) e R$ 50.000,00 em 1999 (Lei 3.170 de 14/01/99)

[16] Os valores deliberados não significam que foram efetivamente aplicados em projetos, pois dependem do estabelecimento de convênios específicos até que sejam empenhados pelo poder público.

[17] A Emenda Constitucional nº 31 de 21/08/2003, de autoria do Poder Executivo, reduziu de 20% para 5% a compensação financeira a ser aplicada no FECAM. Essa medida representou a retirada de 75% dos recursos que antes eram (ou deveriam ser) transferidos para o fundo, dando legitimidade às ações que o próprio governo já vinha efetuando de forma silenciosa em anos anteriores.

[18] OSCIPs - Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

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