Ano 7, nº 13, 2008 Janeiro/Junho de 2008 ISSN Nº 1677-650 X Revista indexada ao Latindex Revista classificada pelo Dursi Revista classificada pela CAPES |
O migrante
Ana Cristina Teixeira Alves
Prof. Univ.Fed.de Rondônia
Resumo
O texto aborda a história de vida de uma pessoa. A partir do caso a autora tece diferentes considerações sobre os lugares e os efeitos na pessoa.
Palavras-chaves: Geografia , migração, análise
Abstract
The author examines a biography of a friend. It is the base to understand some aspects about geography and its importances to a person.
Key-words:
Geography,
migration,
science.
INTRODUÇÃO
Este trabalho intenciona compreender a trajetória migratória do prof. Z* pela “reconstituição” da sua existência através do emprego da técnica de história de vida.
Assim relato a existência do migrante, prof. Z em seu cotidiano quanto as suas relações sociais: destacando‑se os laços familiais, de parentesco e amigos; a discriminação social em que é submetido devido os seus caracteres físicos; a luta para manter a sua condição de classe e "conduta autêntica”**; a oportunidade e marginalização no mercado de trabalho; a insuficiência da remuneração salarial para a sua reprodução humana: alimentação, moradia, serviços de saúde e transporte, educação, lazer; participação política e a partir da sua cidade natal, Ilhéus na Bahia e lugares de destino: Paraná, Rio de Janeiro e Rondônia e a sua desenvoltura no estabelecimento de estratégias de vida frente, as adversidades.
Ainda tento mostrar o interior, o substrato do processo de migração interna no Brasil relacionado à ordem capitalista e urbanização a partir da década de 60 quando o professor Z inicia a sua trajetória migratória aos 17 anos de idade em busca de uma colocação como auxiliar de escritório e nova cotidianidade numa cidade de maior porte e mais urbanizada que a sua que a cidade de origem, Ilhéus na Bahia.
Aventurei‑me em conceber a migração e migrante na perspectiva existencialista como uma iniciação ao seu estado. Abordo o migrante como um modo de ser próprio do seu grupo social, diferenciando-se dos demais seres humanos por possuir o seu espírito aberto à possibilidade de migrar, antes mesmo, de estar submetido às circunstâncias da vida como pressão econômica, por exemplo. E a migração consiste no ato de concretização dessa possibilidade na tentativa de realização de necessidades físicas e espirituais: melhores condições de vida, manter a condição de classe/identidade social, identidade individual, acumulação de riquezas, novas experiências cotidianas...
Com relação à abordagem da vida cotidiana utilizo as concepções de Henri Lefebre com enfoque político e econômico e Agnes Heller com enfoque antropológico e ontológico existencial. No entanto pretendo seguir, predominantemente, na linha de pensamento da antropóloga por posicionar-se e desenvolver este trabalho numa perspectiva existencial, sobretudo nas concepções de migração e migrante, mencionadas anteriormente.
Mas qual é a abordagem de vida cotidiana em HELLER? Para autora a vida cotidiana é onde o homem participa com a sua individualidade, personalidade põe em prática “os seus sentidos as suas capacidades intelectuais, habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias e ideologia”. Ainda “o homem da cotidianeidade é atuante e fluidor, ativo e receptivo, mas não tem tempo nem possibilidade de absorver inteiramente em nenhum desses aspectos” (p. 17, (2). O indivíduo é criador e ativo no seu cotidiano, todavia, enfrenta limitações de tempo e determinações diversas, como: econômica, psicológica, social... para desenvolver plenamente as inúmeras possibilidades que aparecem na sua vida. Entretanto, a sua individualidade é formada relativamente pelas suas possibilidades de escolhas. Também a vida cotidiana é heterogênea quanto às atividades: “a organização do trabalho, descanso, lazeres, vida privada, atividade social, intercâmbio e purificação” (p. 18 (2)).
O migrante em foco possui o pseudônimo de prof. Z. Ele nasceu em 31 de março de 1946, em Ilhéus na Bahia. Seu pai um escrivão civil, exerceu o mandato de vereador no período de 1950/54 em Ilhéus, tentou a reeleição, porém, não conseguiu. No tocante, a vida conjugal possuía várias esposas que segundo o professor Z para cada uma delas fornecia uma casa e produzia 06 (seis) filhos. A sua mãe uma dona de casa. Ambos os pais residiam em Ilhéus e, tiveram 06 (seis) filhos. Sendo o prof. Z, o primogênito e o único do sexo masculino. Até os 17 anos de idade (incopletos) viveu em Ilhéus, 1964. Com a conclusão do curso ginasial, buscou um emprego de auxiliar de escritório na sua cidade, contudo, o mercado de trabalho o não lhe ofereceu uma oportunidade e, somado a isto possuía o desejo de viver uma nova cotidianeidade numa cidade grande, um fascínio que vem desde infância. Assim decido migrar para Curitiba sendo despesa com a passagem paga pelo pai.
Em 1967, retornou a Ilhéus por encontrar‑se desempregado. No final deste ano migrou para a cidade do Rio de Janeiro em busca de emprego. E dois meses depois a sua família mudou‑se para a mesma cidade.
Em 1987, migrou para Porto Velho, capital de Rondônia novamente, em busca de emprego. Agora, obteve um emprego condizente com a sua formação acadêmica em nível de Mestrado (incompleto - com a conclusão dos créditos) numa ciência pertencente a área de Ciências Humanas. Após dois meses a sua esposa carioca e dona de lar viajaram para Porto Velho.
Atualmente é Prof. Auxiliar II da Universidade Federal de Rondônia, 46 anos de idade, casado e com dois filhos: H. com. 3 anos e 8 meses e T. com 1 ano o 8 meses.
Sobre a questão central coloco que normalmente os estudos sobre migração referentes à atração e repulsão populacional desconsideram a existência e relevância de uma mediação que consiste na tomada de migrar a nível subjetivo, individual do migrante. Ressalto que as condições subjetivas e objetivas encontram‑se integradas. E que apesar dos motivos e causas da migração estar vinculados aos processos estruturais de ordem econômica, política, social e cultural não são estes que consolidam o ato migratório. Pois a migração consiste numa abertura de ser a possibilidade de migrar e uma estratégia de vida para a manutenção de condição de classe de algumas pessoas pertencentes às camadas sociais baixas e médias, lutando contra a imposição da lei do capitalismo monopolista na sua vida cotidiana. E isto é possível porque os homens da cotidianidade possuem um espírito criativo e ativo e que uns o utiliza, potencialmente.
“Quem é o migrante?
Inicialmente, gostaria de abordar a diferenciação existente entre migrante e migração numa perspectiva existencial (iniciação ao estudo) inserida num contexto histórico. E pretendo destacar a abordagem existencialista segundo os pensamentos dos filósofos Soren Aabye Kierkegaard, Martin Heidegger e Jean Paul Sartre. E baseando-me nos referidos pensadores vejo o migrante enquanto possibilidade e a migração enquanto ato.
O migrante possui o espírito aberto à possibilidade de migrar para a tentativa de concretizar um desejo ou indesejo imposto pela necessidade vital de subsistência1¹, antes mesmo, de ser submetido a priori às situações que o leve a consumação do ato de migrar. No entanto, ressalto que o migrante para ser considerado como tal não precisa necessariamente concretizar a ação migratória, mas possuir o espírito aberto à possibilidade de migrar. Contudo, pretendo deter-me ao ser “migrante potencial” aquele que transforma a possibilidade de migrar em ato e, também por se enquadrar no caso do migrante enfocado neste trabalho. Nesta concepção, nem todos os seres humanos estão abertos à migração. Assim, existe o modo próprio de ser migrante que o diferencia dos demais seres humanos. E nesta diferenciação consiste nas influências das condições subjetivas, econômicas, sociais e culturais. E num breve detalhamento as condições subjetivas, a subjetividade: a interação das características coletivas e individuais apreendidas num contexto sócio-cultural específico. E, por isso há algumas características comuns ao homem, as coletivas: comportamento, costumes, valores, sentimento de pertencer a um lugar em diferentes escalas; e as características obtidas a partir do fato coletivo para uma existência própria através duma relativa escolha de si, de sua conduta são as individuais: conjugação de sentimentos próprios, desejos, expectativas, amor/desamor pelo lugar vivido conforme as experiências em sua vida cotidiana. Por conseguinte, a referida abordagem se afasta do subjetivismo único, marcadamente individual, pois coexistem também características coletivas no ser humano. Destarte, as condições subjetivas consistem na personalidade, desejos, expectativas motivações e as condições objetivas: social, econômico, cultural (grupo familiar, ordem capitalista monopolista na produção de contradições sociais, alienação enquanto mecanização do ser humano, desejos de consumo ilimitado; cultura; idade; sexo; a imagem do lugar de destino elaborada pelos relatos de parentes, amigos e transmissão dos meios de comunicação. Entretanto, cabe salientar que a gênese do espírito migrante se processa dentro dum contexto sócio-cultural, o espaço local. Segundo, o geógrafo existencial M. S. SAMUELS, o espaço local é aquele que estabelece urna conexão entre o homem e o mundo, onde mais tarde será objeto de seu interesse (p.120). E, é neste espaço existencial, a nível local, onde os homens projetam suas situações (p. 123). E, a partir da relação com o espaço local que o homem formará a sua subjetividade e lançará o seu projeto de vida no mundo através da sua liberdade de escolha de conduta, todavia, limitada por “determinações físicas, psicológicas ou sociais que pesam sobre ele", (JAPIASSU & MARCONDES, p. 92). Esta é a lei geral de J. P. SARTRE a “existência precede a essência (SAMUELS, p. 116). Para demonstrar a liberdade de escolha de conduta perante a possibilidade de migrar pode-se citar o exemplo de Paul SINGER (apesar de o autor utilizá-lo numa outra visão) que menciona o desemprego pela mecanização agrícola e as motivações individuais que atuam sobre a decisão de migrar: “...parte dos desempregados permanece no lugar, à espera de melhores dias, sustentados por membros da família que trabalham ou mediante a realização de serviços de ocasião; outros trabalhadores, embora não tenham sido despedidos preferem emigrar porque esperam melhores oportunidades alhures. (p.52). Além de SINGER, outros autores se preocuparam com o caráter do migrante e sua motivação migratória entre eles os antropólogos ALMEIDA & PALMEIRA (coord.) que questionaram os antigos pressupostos, tais como: as características naturais como: idade sexo: “migram os adultos solteiros migram os jovens" - posição do migrante no local de origem: "migram os mais capazes", migram os mais educados, migram os mais pobres" - processo migratório induzido pelo grupo primário: "migram os que têm familiares a que já migraram” (p.16 e 17). Com base nestas colocações formularam as seguintes questões: “Se migram os adultos solteiros, nem todos os adultos solteiros migram. Migram-se, os adultos solteiros da região X por estarem submetidos aos problemas Y, nem todos os adultos solteiros da região Y migram etc. (p. 17).
Assim inserido num quadro de 1imitações circunstanciais o projeto de vida do homem será de sua responsabilidade. Ele poderá trilhar o caminho para uma conduta autêntica mais própria de si ou desviar para uma conduta inautêntica pela "incapacidade" de assumir o seu projeto de vida intencional por motivos de medo ou limitações diversas. Sendo assim, o homem, se distancia do em fundamento de ser: vivendo em “má-fé” em SARTRE ou “conduta inautêntica” em Heidegger com a possibilidade encontrar-se num estado de angústia ou tédio. E o ser migrante possui a virtude (esperança, coragem, determinação...) ao se lançar a uma nova vida cotidiana submetendo-se ao desenraiza mento de seu lugar vivido e a possível / impossível recriação do lugar em busca da manutenção da sua identidade individual e social direcionando-se a uma conduta autêntica (limitada pelas circunstâncias).
É necessário ressaltar que o ser migrante referido acima se restringe a camada social desfavorecida, pois o fenômeno migratório compõe-se também de migrante de origem burguesa que o utiliza como meio de manter o seu status sócio-econômico ou ascendê-lo, espírito aventureiro que deseja vivenciar novas experiências e ampliação de sua riqueza. Nesta conjuntura, SINGER afirma “...que nem todos os migrantes provêm do proletariado rural ou do campesinato. Bom número deles é de origem burguesa e a migração não faz com que percam sua condição de classe “(p. 55). Logo, ocorre uma distinção nas motivações e causas da migração conforme a classe social como expõe este mesmo autor: “Os migrantes da pequena burguesia não são, como os trabalhadores, expulsos da área devido ao aniquilamento de seus meios de vida. Eles fogem da estagnação econômica e social, da falta de perspectivas de mobilidade social”. (p. 53)
Portanto, a decisão de migrar é subjetiva (salvo casos extremos de migração de ordem natural ou obrigatória), mas mediada pela estrutura econômica, política e social inserida num contexto histórico-geográfico. Apesar de reconhecer que a migração consiste num processo social, onde determinadas classes, tais como: classe baixa (trabalhador rural) e pequena burguesia (proprietário e arrendatário rural) propensas a migrar devido às determinações estruturais. Nesta concepção, desejo ressaltar que considero o homem das classes baixa e média como um criador de estratégias e táticas em seu cotidiano ou novo cotidiano, tentando sobreviver frente às multideterminações, sobretudo a imposição da lei do capitalismo monopolista direcionando fluxos migratórios para certos locais de economia dinâmica ou a vir a ser, gerando o exército de reserva de força-de-trabalho numa profissão alienada a sua, mas que através da migração luta por manter a sua condição de classe.
Migração: possibilidade de migrar em ato
A migração é a possibilidade de migrar concretizada em ato, ação. É quando ela se desloca do plano das idéias para a realidade, a prática migratória. Para ENTRIKIN a “ação não significa um mero movimento, mas ação que tem uma intenção ou significação. Indivíduos fazem uma escolha e então agem sob a meta estabelecida por aquela escolha” (p. 13). Então, a migração é um ato.
Mas também uma estratégia de sobrevivência e manutenção de condição de classe, de grupo social.
Deste modo, a migração consiste numa mobilidade espacial de migrantes em busca de emprego, terra, trabalho autônomo, melhores oportunidades de emprego e salário/consumo, status sócio-econômico e/ou poder, acumulação de capital, novas experiências cotidianas. Na perspectiva existencialista, a migração seria o lançamento a possibilidade (Kierkegaard, Heidegger, Sartre) de migrar em busca de uma existência autêntica em Heidegger, não vivendo em “má-fé” de SARTRE, como afirma ENTRIKIN: “Quando alguém não aceita a responsabilidade de suas ações e, ao invés disso, permite que outros fatores alheios à sua vontade determinem a sua escolha, tal indivíduo está vivendo uma existência inautêntica, ou, segundo SARTRE, tal indivíduo vive em má fé” (p. 13).
Conforme a interpretação de ENTRIKIN sobre Heidegger, a inquietação do homem constitui o seu mundo. Assim no caso de migração a inquietação com uma situação específica pode gerá-la para a tentativa de resolvê-la através da ação. Enfim, a migração consiste na chance de realização de possibilidades: desejo ou indesejo (imposto pela contingência da vida).
Já foram mencionadas, anteriormente, as diferentes estratégias realizadas pelo homem ou grupo social pertencente às camadas baixa e média. Vê-se que as estratégias de vida não constituem o monopólio da classe dominante. A classe dominada arranja diversas estratégias na sua vida cotidiana como uma força de resistência à ordem capitalista como, por exemplo, a migração na tentativa de manter a sua condição de classe ou mudá-la em último caso com a melhoria de vida, supostamente. A antropóloga ESTERCI coloca como diversos segmentos de um mesmo grupo social, o campesinato estabelece diferentes estratégias frente ao problema da seca no Nordeste (considerando na família o número, o sexo e a idade dos filhos), para alguns segmentos do grupo social “a venda de um bem acumulado pode permitir a saída em busca de melhor situação; para outros, a seca consome os últimos recursos de tal modo que passam a não dispor do mínimo necessário para a viagem; para outros ainda, a seca não pode constituir um fator favorável a algum tipo de acumulação” (p. 1).
Apesar da maior parte dos desejos e fluxos dos migrantes relacionarem-se à lei do capital monopolista na escala mundial e nacional direcionando-os para determinados locais num arranjo/rearranjo territorial da economia pela acelerada urbanização ocasionando uma intensa terceirização e industrialização do Brasil no pós-guerra mundial há desejos subjetivos que movem os migrantes independentes das ordens capitalistas.
Migração interna e Urbanização no Brasil, segundo a
trajetória do Prof. Z
O corte histórico do processo de urbanização no Brasil após a Segunda Guerra Mundial tem o objetivo de mostrar o contexto, no qual a existência do migrante em foco esteve/está submetido às transformações econômicas e sociais no país ligadas a ordem econômica mundial a partir da década de 50 com a expansão do capitalismo monopolista e a transnacionalização do capital. Contudo, não pretendo ater-me aos fatos históricos e, sim aos seus impactos culturais, sociais e econômicas sobra o habitante-migrante dos núcleos urbanos.
Será abordada a concepção de urbanização enquanto um
fenômeno social produzindo mudança nos padrões culturais, desejos de consumo
ilimitado ensejado, sobretudo pela televisão no final da década de
A concepção de urbanização transcende a taxa de urbanização (% da população urbana em relação à população total) e a taxa de crescimento urbano num bairro cidade... Ela significa, sobretudo, transformações relativas nas relações sociais, valores, ideologia e comportamento as quais os migrantes estão submetidos em maior ou menor intensidade devido o nível de aceitação do novo padrão cultural, círculo de contatos pessoais e tempo de residência no seu(s) lugar(es) de destino. Cabe ressaltar que os efeitos da urbanização não se restringem aos migrantes, mas também a comunidade receptora através da progressiva modernização da sociedade imposta pelo capitalismo industrial onde a midiatização das relações entre os homens realiza-se pela mercadoria na forma de bens ou serviços (GRANOU, p. 52). E, como o capitalismo tem a finalidade de ampliar crescentemente a sua acumulação capitalista criou a ideologia do consumo difundindo-a na sociedade urbana, especialmente, nas metrópoles (lócus do capitalismo e sociedade de consumo) alcançando também as cidades de menor porte através dos instrumentos da indústria cultural, destacando-se a televisão e o rádio. Todavia, a televisão sobressai-se em relação aos demais meios de comunicação devido ao seu poder de sedução e necessidade de lazer, informação no cotidiano. Assim sendo, a televisão será o principal meio de incutir na mente das pessoas a necessidade a felicidade do ato de consumir, exacerbando o banalizando a subjetividade humana através do desejo ilimitado de consumo de bens materiais varia veia e para todos os gostos.
E sobre a questão do desejo, Muniz Sodré cita a seguinte frase de Jacques Lacan: “o desejo é desejo, desejo do outro, ou seja, submetido à lei” (p. 60), significando que o desejo e ilimitado impossível de ser satisfeito, incontrolável por qualquer ser humano, independente da sua classe social. Mas através de que instrumento se difundiu o desejo de consumo? Segundo Muniz Sodré o desejo é ensejado pelo fenômeno televisivo por uma imagem (simulacro) produzida pela "media" vinculada aos oligopólios e multinacionais. E que o objeto anunciado na televisão nunca deverá satisfazer o indivíduo "pois deve deixar margem ao desejo ininterrupto de consumo". (p. 61)
Ainda sobre a questão do consumo, GRANOU afirma que o estabelecimento do "reino absoluto da mercadoria é também o da alienação e ele servidão" (p. 58), visto que, o modo de vida na sociedade capitalista reduz‑se ao consumo de mercadoria enquanto imagem e objeto‑mercadoria. Ambas as formas possuem o caráter alienador. A primeira o indivíduo sofre uma despersonalização ao pensar que ao apropriar‑se duma mercadoria se realiza. E, na segunda o indivíduo sente‑se insatisfeito ao adquirir um objeto porque a sua satisfação liga‑se ao consumo constante e ilimitado de mercadoria.
Portanto, a consumação da urbanização consiste numa alienação humana multiforme relacionada ao trabalho alienado, a subjetividade e ao mundo atingem principalmente os migrantes por vivenciarem vários espaços/tempos, além do seu lugar de origem.
Por trabalho alienado considero aquele que acarreta um distanciamento da essência humana devido: a) técnica de produção capitalista que através da especialidade do trabalho e repetitividade mecânica lhe impõem uma automação de ordem física e espiritual; e sendo uma mercadoria como as demais, diferenciando-se por produzir mais valor. Além disso, o trabalho alienado nos centros urbanos impõe uma qualificação técnica própria onde o migrante encontra‑se despreparado para assumir certas ocupações urbanas em função das novas técnicas, novas relações sociais e valores diferentes de sua experiência cotidiana na sua terra natal.
Em geral os migrantes anseiam por um emprego no setor terciário nas grandes e médias cidades onde exige um mínimo de escolaridade, especialidade e aquisição de experiência na profissão urbana e são poucos migrantes instruídos e aptos para a nova função. Pois a qualificação de trabalho adquirida no seu cotidiano no lugar de origem e de mais etapas migratórias é/são inadequada(s) para o seu novo ambiente cultural especialmente se é recém‑chegado no local de destino. Contudo, a qualificação técnica pode ser obtida ao longo do tempo através da modificação de seus valores profissionalização conquistada em instituições profissionalizantes ou experiência adquirida em empregos que o manteve marginalizado dos seus direitos trabalhistas de Legislação Trabalhista: carteira assinada e o pagamento do salário mínimo compatível com o exercício do ofício e vigente no país.
Quanto à subjetividade do migrante varia em relação ou abertura de aceitação do novo lugar com padrões culturais adversos do seu e experiências agradáveis ou desagradáveis vivenciadas numa vida cotidiana nos locais de origem e destino possibilitando a recriação ou não‑recriação do lugar até mesmo substituindo o seu lugar vivido por outro lugar. Sendo assim, o novo mundo do migrante pode ter um caráter de alienação extrema ao conseguir uma colocação almejada ou não no mercado de trabalho, um desajustamento sócio‑cultural e geográfico... conformando esse novo mundo num espaço da angústia, do tédio e desamor. Todavia há casos de migrantes que se ajustam ao meio cultural receptor, pelo sentimento de afetividade pelo seu lugar vivido e novo lugar, e outros migrantes assumem o seu desenraizado como virtude, de lembranças agradáveis nas esferas da vida (cultural, social, econômica...) e grandes realizações pessoais, as quais não foram vivenciadas positivamente no seu lugar de origem.
O mundo do homem, por excelência, do migrante encontra‑se vulgarizado e distante da sua essência pela técnica produtiva capitalista, midiatização da mercadoria entre os homens e estes com a natureza, o isolamento de si a falta de comunicação individualismo e etc. Apesar das limitações da vida (econômica, psicológico...) cabe ao migrante lutar por uma conduta mais próxima da sua, autenticidade, essência humana.
O que entendo por migração interna? Como uma mobilidade espacial de grupos sociais circunscrita nos limites territoriais e culturais num país em busca de realizações dos seus anseios.
E a migração interna se faz necessariamente através da urbanização industrial? O processo de urbanização na Periferia se faz antes da industrialização conduzindo uma sobre terceirização da economia (Oliveira & STERN, p.35), segundo SANTOS uma "urbanização terciária".
Neste quadro, a trajetória migratória do prof. Z, ao longo da sua vida, conduziu‑se na busca de um emprego no setor terciário, predominantemente uma migração urbano-urbana.
A primeira etapa migratória do prof. Z foi a saída do bairro Pontal, localizado na zona urbana de Ilhéus para Curitiba/Paraná, no ano de 1965.
Este movimento migratório inseriu‑se num momento
de “reestruturação do formato urbano” no Brasil após a Segunda Guerra Mundial,
ocorrendo uma expansão urbana nas cidades independentes do seu tamanho,
crescimento populacional, com a extensão dos "meios de transportes das
redes de energia e outros elementos da infra‑estrutura" para atender
"o projeto de integração nacional e as necessidades de novo valor"
(DAVIDOVICH, p. 77) vitais para ampliação da economia industrial. Em Ilhéus e
Itabuna ocorreu uma progressiva melhoria de integração intra e inter‑regional
a partir do início da década de 60 (SILVA & NENTEIG & LEÃO p. 88). O
próprio prof. Z percebeu a mudança espacial em Ilhéus, mencionando que a cidade
era mais urbanizada e populosa na década de 60. Quanto a sua ida para Curitiba
relacionou‑se a comunicação do seu local de origem com o de destino
através da existência de parentes nesta cidade e, também acompanhou a redivisão
inter-regional do trabalho no Brasil "... o processo em causa é o da
substituição de uma economia nacional formada por várias economias regionais por
uma economia nacional localizada em diversas partes do território nacional”
(Oliveira p. 55). O comando deste processo vinculou‑se ao crescimento
industrial do Sudeste seguido pela região Sul. E Curitiba encontrava‑se
com crescimento populacional devido os fluxos migratórios inter e intra‑estadual
e no setor terciário, ampliando a sua importância na geração de empregos. Ainda
em 1965, ao ser demitido da grande construtora em Curitiba segue para o
noroeste do Paraná, pois seu tio G. conseguiu um emprego de apontador numa
construtora. E no Oeste do Paraná, nesta época, na década de 60 ocorreu um maior
aumento populacional e consolidação da economia nessa região a nível nacional
(PORTO & COSTA & NOZOE). Depois do Noroeste do Paraná retornou à
Curitiba e encontrou a sua tia N. e o primo na Rodoviária deste município e,
ambos iam trabalhar numa construtora no litoral paranaense,
Na década de 60 ocorreram alguns fenômenos nas escalas estadual, regional e nacional relacionados à migração de prof. Z. Na escala estadual a população do Parará cresceu numa taxa anual de 5%, (PORTO & COSTA & NOZOE), cap. 9). Na escala regional o Nordeste continuava a perder população devido à migração para as regiões mais desenvolvidas p. (1033). Na escala nacional, a migração urbano-urbana elevou-se por volta de 1965 (COSTA).
No início de 1967, prof. Z. retornou à Ilhéus. E, deparou-se com a falta de perspectiva na ocupação que desejava no mercado de trabalho. Conforme o censo do IBGE/1970, o setor primário absorvia grande parcela da força‑de‑trabalho, em Ilhéus e na Bahia. Em Ilhéus, a absorção de 14.677 empregados no setor primário, 4.068 empregados na indústria e 2.989 empregados no comércio. Apesar do crescimento do setor terciário em Ilhéus, apresentava‑se restrito e insuficiente para absorver a força‑de‑trabalho do prof. Z. E, assim resolveu migrar para a cidade do Rio de Janeiro em busca da sua ocupação almejada. Nesta cidade, encontravam‑se instalados alguns parentes. Somado a estes fatores a televisão exerceu alguma influência na produção da imagem de cidade maravilhosa sobre o prof. Z?
A cidade do Rio de Janeiro (Guanabara) caracterizava‑se como produtora de serviços (apesar do intenso processo de industrialização). Para OLIVEIRA os aspectos mais relevantes do Rio de Janeiro consistiam no crescimento como metrópole, centro de decisões políticas e de serviços (p, 55). É no setor de serviços que o professor Z continuava a sua busca incessante pela ocupação de auxiliar de escritório.
Quanto ao perfil do migrante no Rio de Janeiro, COSTA realizou um estudo, no qual o perfil de prof. Z inseriu‑se nas características gerais desse segmento social. A respeito da última residência do imigrante, 74,2% moravam em áreas urbanas, No caso de prof. Z era oriundo da zona urbana de Ilhéus. Na participação total na população da cidade do Rio de janeiro, 9,7% eram migrantes baianos representando o grupo mais significativo de migrantes contra 57,4% de população natural da cidade. Ainda "a maioria dos migrantes chegados ao Rio entre 1960/70 contava com idades entre 15‑25 anos" (p. 150). E o nosso migrante ao chega ao Rio tinha 21 anos de idade.
A migração interna para o Rio favoreceu a incorporação de novas arcas urbanas. E o aumento da urbanização esteve/está ligada à migração interna com, a emergência do sistema urbano nacional o aumento das economias de escala e de aglomeração.
Apesar do dinamismo econômico na cidade do Rio nos setores terciário e secundário, o prof. Z continuou marginalizado no mercado de trabalho, ocupando colocações temporárias e abaixo do seu nível escolaridade. Em empresas realizou concursos públicos na CEG e LIGTH. Na primeira empresa foi aprovado o, porém, não convocado. E na segunda empresa foi reprovado no exame médico. Neste contexto, cursou artes gráficas no SENAI com remuneração. E, a partir da conclusão deste curso conseguiu estabilidade no emprego de acordo com a sua experiência. A qualificação em artes gráficas através de instituições de aprendizagem profissional como em cidades média e grande preparam o integram o migrante na economia urbana. Entretanto, sua busca incessante do emprego de auxiliar de escritório nunca se concretizou.
Nesta conjuntura, professor Z em exercício na sua nova ocupação industrial em artes gráficas na cidade do Rio de Janeiro, processou-se transformações econômicas, sociais e políticas, a partir dos anos 70. E estas implicaram na reestruturação do desenho urbano, no Brasil. O referido período marcou/marca‑se por sucessão de crises, os períodos de expansão retração do mercado de trabalho (DAVIDOVICH, p.77), política governamental para a incriminação urbana com intuito de assegurar a realização de uma ordem capitalista moderna, (DAVIDOVICH, p.77), fusão dos estados da Guanabara e Pio de Janeiro, descentralização administrativa favorecendo as capitais estaduais e a "multiplicação" de núcleos urbanos na fronteira amazônica.
Os impactos no espaço urbano do Rio materializaram-se mais nos "municípios centrais" e na periferia. Com o surgimento e distribuição espacial de distritos industriais, campus universitário, conjunto habitacional centros de convenção, de shopping center, condomínios, loteamentos. Além de terrenos urbanos vazios como reserva de valor monopolizado pela classe dominante. (DAVIDOVICH, p. 77 e 78).
Em 1987, o prof. Z encontrava‑se casado e cursando mestrado na UFRJ com concessão de bolsa de estados com o término de vigência em 1988. Por isso, necessitava conseguir um emprego. E surgiu o concurso público para docentes na UNIR, submeteu‑se a seleção, obteve aprovação e foi convocado pela Instituição. Sendo assim, migrou para Porto Velho. Mas que imagem fazia deste município? Um "lugar exótico onde teria uma oportunidade" de trabalho condizente com a qualificação.
Como se apresenta o espaço urbano? Como um centro
espacial de funções citadinas geradas "pelas atividades urbanas do Estado
e pelas empresas privadas (LOBATO, p. 84). As atividades estatais incrementam,
especialmente, o setor terciário através de concursos públicos. Enquanto as
empresas privadas progridem no setor secundário, sobretudo na indústria civil,
Em relação às últimas décadas, o município de Porto Velho lidera a entrada de
migrantes no estado, a partir de 1984 quando diminuiu o fluxo migratório para o
município de Cacoal. A crescente urbanização em Porto Velho, também, concerne
ao intenso crescimento populacional, alta taxa de natalidade e migração inter e
intra‑estadual. No caso do prof. Z, a absorção da sua força de trabalho
vincula‑se ao setor terciário: magistério na UNIR, atividade urbana
criada pelo governo. Ainda o município de Porto Velho apresenta sérios problemas
de ordem estrutural: saúde, transporte, energia, moradia... Que imagem o prof. Z
possui sobre Porto Velho após conhecê-la? "Depois de conhecer Porto Velho
se afigura a mim como uma cidade rústica, trato social (contato rústico)
diferente do Rio, mas tendendo a uma urbanização maior com referência a sua
oportunidade de trabalho, “materializou‑se". Apesar da sua colocação
no mercado de trabalho
Portanto, o processo de urbanização vincula-se ao fenômeno da migração interna através do crescimento populacional urbano emergência de uma integração urbana nacional, o aumento das economias de escala e aglomeração.
Por que o emprego da Técnica de História de Vida?
Primeiramente, pretendo expor a definição de História de vida, segundo a socióloga PEREIRA DE QUEIROZ:
"A história de vida, por sua vez, se defina como o relato de um narrador sobre ma existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou o transmitir a experiência que adquiriu. Narrativa linear e individual dos acontecimentos que nele considera significativos, através dela se delineia as relações com os membros de seu grupo de sua profissão de sua camada social, de sua sociedade global que cabe ao pesquisador desvendar” (p.20).
Destarte, a história de vida consiste numa técnica antropológica que através de inúmeros depoimentos visa recompor a história de um(s) individuo(s) ao longo do tempo em determinado(s) lugar(es).
E, os seus objetivos são adquirir informações para a produção de documentação, sobretudo quando uma sociedade ou assunto possuem pouca informação. E, mesmo como forma de estabelecer a verdade dos pequenos e grandes acontecimentos na versão dos desprivilegiados contrapondo a historiografia oficial. E, para PEREIRA DE QUEIROZ a partir da história de vida capta-se o grupo, a sociedade que o narrador se insere, partindo do nível individual alcançando o coletivo. (p. 24)
Em relação à importância da técnica de vida, DEBERT (p. 142) a firma que conforme os autores existem duas vertentes diferentes:
a) Reformular os pressupostos a hipóteses do pesquisador a partir de experiência do informante proporcionando uma forma mais criativa de pensar sobre a problemática;
b) Impedir a imposição alheia ao informante de formulações teóricas ou de um "conjunto de valores próprios do pesquisador”.
Para PEREIRA DE QUEIROZ a história de vida contribui num “primeiro levantamento de questões” um primeiro diagnóstico do processo além de revelar “... o cotidiano, o tipo de relacionamento entre os indivíduos, as opiniões e valores" (p. 34)
Essas vertentes sobre a história de vida tiveram a
oportunidade de vivenciá-las ao obter o depoimento do migrante,
Todavia, o geógrafo humanista Yi-Fu TUAN explica casos semelhantes a esse, na sua obra "Espaço e Lugar", utilizando o método fenomenológico. Pretendo desenvolver a questão em foco, posteriormente, neste trabalho.
O caso exposto acima mostra a capacidade que a técnica história de vida detém para apreender sutilezas, sentimentos, valores, subjetividade e aproximar‑se da verdade dos fatos. Além de comprovar a necessidade da utilização de bibliografias outros dados e fontes para a complementação do tema em estudo.
PEREIRA DE QUEIROZ salienta a relevância do emprego do uso do gravador, pois a fita consegue captar na “voz do entrevistado, suas entonações, suas pausas, seu vaivém....” (p.15) que segundo a autora o registro manual do pesquisador o empobrece devido à impossibilidade de conseguir abarcar a linguagem do narrador. Embora eu não tenha utilizado o gravador percebi o sentimento, as entonações, os vaivens e expressões faciais do migrante. E através destes e de relato percebi que a recriação não seria pelo local de origem, mas por determinado local de destino. Apesar da particularidade desse caso, quanto à substituição da identidade da terra natal por outro lugar, representando uma exceção nos estudos migratórios, não o “desqualifica” se quisermos optar por uma abordagem humanista, relevando os sentimentos e subjetividade do indivíduo.
E, a história de vida considera o indivíduo como um fenômeno social imbuído de marcas do seu grupo social, tais como: comportamento, costumes, valores, moral, opiniões, paixões, ideologias, aspirações, camada social. Como as marcas sociais estão impressas no indivíduo, a elaboração de um estudo individual não pode ser considerado como uma abordagem subjetivista.
Portanto, a subjetividade é formada por um duplo caráter: individual e coletivo. O caráter individual seria a sua essência, seu modo de ser adquirido na sua existência no interior dum contexto histórico-cultural-geográfico definido, onde ele sofreu diversas influências e realizou escolhas dentro de suas liberdades e possibilidades relativas formando a sua identidade. Quanto ao caráter coletivo há as peculiaridades étnicas e sociais como os hábitos, costumes, comportamento, ideologias, valores... – classe social, padrão de vida, profissão, nível instrucional, relações familiares absorvidas pelo homem no exterior e manifestam-se como marcas identificáveis nos demais indivíduos do seu grupo. E, nisso percebe-se que essas marcas foram absorvidas a partir da medição com o exterior, isto é, o coletivo.
Sendo assim, a história de vida tenta reconstruir a existência do indivíduo num lugar específico através de características sociais comuns, imbuídas nele e representativas do seu grupo.
Neste trabalho, o estudo de migração vincula a existência do migrante, prof. Z com os processos de migração interna e urbanização no Brasil.
Cotidiano e
História de Vida do Prof. Z
O prof. Z vivenciou a sua infância na zona urbana de Ilhéus no bairro de Pontal nas décadas de 40 e 50. E na percepção do migrante, Ilhéus se caracterizava como uma cidade pequena e provinciana, Quanto ao bairro havia uma colônia de pesca e grande parte da população vivia da atividade pesqueira.
Em Ilhéus entre 1920 e 1940 a atividade cacaueira dominava o uso do solo agrícola. No entanto, após a Segunda Guerra Mundial a monocultura de exportação cacaueira aprofundou-se numa grande crise modificando o padrão do uso com a rápida penetração da pecuária mostrando uma reação contra os efeitos negativos da monocultura de exportação com as crises cíclicas e oscilações freqüentes de preços.
Historicamente, o comércio a principal função econômica de Ilhéus esteve ligado à monocultura de exportação de cacau comandado pelos grandes centros urbanos reforçando a posição deste município. Assim, o desenvolvimento do setor terciário acarretou a formação de um conjunto de cidades no "urbano‑regional de Ilhéus‑Itabuna (SILVA & NENTWIG & LEÃO P, 338).
Mas como era o cotidiano de prof. Z. na infância? Ele morava numa casa grande e com árvores frutíferas plantadas no quintal. Seu lazer consistia em jogar bola e freqüentar a praia. Em virtude de problemas de saúde ligados ao parto ingressou na escola aos 8 anos de idade. Quanto ao ensino primário cursou em diferentes escolas particulares de várias orientações religiosas, católica, batista, espírita, possibilitando uma visão ampla sobre a questão religiosa como ele mesmo a firma. E também na escola despertou a curiosidade por "lugares distantes, fascínio pelos nomes dos países cidades" devido o contato com o Atlas geográfico e demais fonte de informação.
Algumas possíveis implicações futuras adquiridas na vida cotidiana infantil de prof. Z:
‑ O acesso ao ensino privado no primário como uma das bases para alcançar a profissão de professor universitário. Em Ilhéus na década de 50 que segmentos e camadas sociais tinham acesso ao ensino privado?
‑ Qual a ligação existente entre o fascínio pelas cidades, curiosidades por lugares distantes e a migração para as cidades de Cu Rio de Janeiro e Porto Velho?
‑ Será que a vivência na infância no bairro Pontal, área urbana de Ilhéus o beneficiou no ajustamento social às cidades de Curitiba o Rio de Janeiro?
- Qual a intensidade do sentimento de afetividade a Ilhéus? Ao migrar tentará recriar o seu lugar vivido?
A vivência da juventude do prof. Z se desenvolveu em Ilhéus, Paraná e Rio de Janeiro devido o processo migratório. Ele viveu em Ilhéus até os 17 anos de idade (incompleto). E, ao terminar o ginásio migrou para Curitiba.
Em Ilhéus a partir de 1960, o crescimento do comércio ocorreu à expansão das pastagens, predominando sobre a cacauricultura em termos de área ocupada. Entretanto não houve grandes transformações em relação a 1950, conforme SILVA & NENTWIG & LEÃO. Já na percepção de prof. Z, Ilhéus na década de 60 era uma cidade mais urbanizada e populosa. Ilhéus oferecerá oportunidade de emprego ao jovem apesar da sua evolução econômica e urbana?
Segundo, o prof. Z na sua juventude teve um contato mais direto com uma literatura mais ampla. E leu vários romances de Jorge Amado: Jubizbá, Capitães de Areia, Gabriela: Cravo e Canela, Teresa Batista, cansada de guerra, Mar morto. Também leu as seguintes obras de Érico Veríssimo: O tempo e o vento, incidente em Antares, Clarisse.
O acesso a literatura era através da Biblioteca da Escola Municipal, onde estudava o ginásio e também pelo seu colega de ginásio, Franklin Albagre (de origem espanhola seus pais possuíam uma rede de lojas de ferragens) que lhe emprestava alguns livros de filosofia sobre os seguintes pensadores: Voltaire, Montaigne, Schopenhuer, Nietzsche. E ambos os colegas discutiam sobre Filosofia. Nesta época, o prof. Z tinha 16 anos. Existirá alguma vinculação das leituras e amizade com Franklin na sua futura carreira de formação acadêmica na área de Ciências Humanas? E na sua profissão de docente? E nas suas concepções ideológicas?
O seu lazer consistia em escrever poemas de cunho amoroso, sobre o lugar problemas da existência, vida e morte e compunha músicas, por exemplo: “O que eu vejo em cima do morro". Este morro de Pernambuco era o local a onde escrevia seus poemas e compunha músicas. Ainda sobre o lazer, freqüentava o cinema e "festinha". Apesar de escrever e compor versos e músicas sobre o seu lugar. Qual o céu real sentimento por Pontal/Ilhéus nos lugares de destino? Cinema enquanto meio de comunicação transmitiu alguma imagem sobre uma cidade maior que Ilhéus acentuando o seu desejo em conhecer a mesma?
O prof. Z, afirmou que na adolescência se sentia a complexado,
discriminado, devido a sua "aparência de desajeitado" e dicção. Logo,
o conflito vivido nas suas relações sociais na vida cotidiana conduzia a um
possível desajustamento social. Talvez, o principal conflito na sua
adolescência
E como era Ilhéus no inicio da década de 60? Observou‑se um crescimento do comércio, a expansão da pecuária e uma progressiva melhora da integração intra e inter-regional com o Sudeste e o Sul. Apesar da evolução econômica de Ilhéus surgirá uma oportunidade de emprego no mercado de trabalho?
Após a conclusão do ginásio. O prof. Z migrou para Curitiba em 1964 com 17 anos em busca de emprego para sustentar a família por ser o filho mais velho e considerar‑se o arrimo chefe de família também porque queria conhecer um lugar maior que Ilhéus.
Em relação ao emprego o desejo do migrante era trabalhar numa ocupação compatível com o seu nível de escolaridade ginasial, como auxiliar de escritório. No entanto, em Ilhéus não o oferecia esta perspectiva de trabalho no setor terciário.
A respeito da procura de uma ocupação no setor terciário, MATA afirma que excetuando São Paulo, o setor de serviços (expansão das atividades terciárias) exerce maior atração sobre a população rural que a industrialização (p. 829). Porém a atração exercida pelo terciário limita-se a população rural, mas também a população urbana. Como no caso do migrante em foco de origem urbana que migrou para Curitiba em busca de emprego e nova cotidianidade, estabelecendo uma migração urbano-urbana. De acordo, com o prof. Z desejava trabalhar como auxilia de escritório por possuir o curso ginasial. Sobre esse anseio ocupacional SANTOS salienta que o "terciário evoluído'', privilégio de pessoas educadas e se possível diplomadas" (p. 68). Conseguirá o prof. Z a desejada oportunidade de emprego no mercado de trabalho em Curitiba?
Antes de atingir este ponto é relevante mencionar a
saturação da cotidianidade em Ilhéus e o sentimento de desvalorização que
culminaram na decisão de migrar de prof. Z. Para MATA, “a decisão de migrar,
normalmente tomada ao nível individual traz implícita a expectativa de
melhoria" (p. 815). E conforme o caso do nosso migrante a expectativa de
melhoria, motivação econômica em busca de emprego no setor terciário com a
motivação espiritual: busca da valorização como ser humano, pois se sentia
inferiorizado
Esta situação ocorreu no cotidiano de prof. Z. E segundo LEFEBVRE o cotidiano à o lugar das ambições e desejos acessíveis e inacessíveis (p. 85, (1)); é, aonde as necessidades humanas (sexual , alimentícia, moradia, vestuário lazer) se convertem em desejos (p. 869 (1)); de conhecer uma cidade grande e o almejado emprego de escritório tem bem lugar de repetitividade diária de ações humana (p. 249 (2)), onde as pessoas vivem bem ou mal sentem prazer ou sofrem (p. 27, (2)) marcados por conflitos pois vivia mal e com sofrimento pelo sentimento de discriminação em Ilhéus, por isso, o seu cotidiano caracterizava‑se por conflitos nos estabelecimento das suas relações sociais pela discriminação e desvalorização que era submetido, descontentamento com a vida cotidiana na cidade natal o a necessidade de trabalho desejada na ocupação de auxiliar de escritório em Ilhéus porém difícil e “sem expectativa”.
Logo, a sua cidade natal se transformou num espaço de conflitos, sofrimentos, experiências desagradáveis, enfim de repulsão. E referente a este caso TUAN afirma que "na ausência da pessoa certa, as coisas e os lugares rapidamente perdem significado, de maneira que sua permanência é uma irritação mais do que um conforto (p. 155); ainda o mesmo autor afirma que o sentimento de afeição pelo lugar de pende, sobretudo da” qualidade a intensidade da experiência e mais importante do que a simples duração (p. 219)
Ilhéus deve representar o espaço da angústia concernente à discriminação (inferioridade) presente nas suas relações sociais não se sentindo em casa (NUNES, p.110) na sua cidade natal Ilhéus e pela expectativa de obtenção de ocupação no escritório e do tédio por estar "saturado da cotidianidade” em Ilhéus que conforme NUNES ao citar Heidegger que o tédio é uma "espantosa indiferenciação”, isto é, uma indiferença efetiva, uma destituição de significação referente às pessoas e as coisas.
Diante desta problemática o prof. Z decidiu migrar para Curitiba ao invés de permanecer em Ilhéus suportando a sua tediosa cotidianidade e trabalhar numa ocupação indesejada.
Mas porque a escolha de Curitiba como lugar de destino? Porque prof. Z tinha um tio G., chefe de escritório numa grande construtora em Curitiba que lhe arrumou um emprego neste escritório como auxiliar de escritório e também para o seu primo que veio com ele para Curitiba. Ambos os primos chegaram a esta cidade em janeiro de 1965, e no mesmo mês começaram a trabalhar, e residiram na casa do tio G. Porém, em abril do mesmo ano o tio G. solicitou a sua própria demissão, depois prof. Z foi demitido, e logo após o seu primo.
Em meado de 1965 recebeu a noticia dá falecimento do seu pai em Ilhéus pelo tio G.
Sobre o seu salário o migrante abordou que satisfazia as suas necessidades mínimas e que não contribuía financeiramente na casa do tio a não enviava dinheiro para a sua família na Bahia. Uma contradição, pois o migrante veio para Curitiba para ser chefe de família, segundo ele.
Com relação ao lazer o migrante colocou que em Curitiba era "ótimo o cinema".
Ainda em Curitiba o migrante mencionou que não sentia solidão de sua família e de Ilhéus por causa da sua relação com as primas, filhas do seu tio G. Cabe assinalar a importância das relações pessoais do migrante estabelecidas no local de destino que desempenham o papel de ajustamento nos meios físicos e sociais. O círculo de relações pessoais do migrante recém‑chegado constitui os parentes, amigos dos parentes amigos ou amigos dos amigos, os quais já se encontram instalados na cidade. Nessas relações pessoais destaca‑se a ajuda dos parentes que hospeda, auxilia e encaminha o migrante. (DURHAM, p. 184).
De que maneira ocorre o auxilio e o encaminhamento ao migrante por parte de parentes e amigos no seu novo ambiente? “Primeiramente o migrante necessita realizar uma reformulação ecológica”, uma reformulação na sua vida cotidiana perante o seu novo ambiente. Nisto parecia recriar orientações urbanas no espaço para sua locomoção, tais como: de trajetos, conhecer "a distribuição nas ruas, arquitetura dos edifícios, “acostumar-se com a "grande concentração de população, a também "a própria movimentação no espaço urbano requer novas formas de relações sociais, pois a integração nesse meio ecológico se faz pela manutenção de padrões de distância social, isolamento da pessoa que o imigrante sente como repulsão ou hostilidade," (DURHAM, p. 184). Além destas orientações espaciais, os parentes e/ou amigos obtém uma colocação no mercado de trabalho para o migrante, visto que, geralmente necessita de conhecimento. Para adquiri-lo como ocorreu no caso do prof. Z.
Deste modo, este grupo primário cumpre uma função relevante na interação do migrante ao seu novo "universo” urbano-urbano: “Ante a esse universo estranho e hostil, as relações pessoais constituem o único ponto de apoio com o qual o migrante conta para iniciar o processo de ajustamento às novas condições de vida.” (DURHAM, p. 184)
Retornando, a demissão do tio G. prof. Z e o primo do emprego no setor de escritório na construtora em Curitiba o tio G. viu-se obrigado enviar sua família para a Bahia. E tanto ele como o professor Z permaneceram em Curitiba a conseguiram uma ocupação no mercado de trabalho. O tio G. foi trabalhar no litoral e o professor Z no Noroeste do Paraná. Ele através do tio G. conseguiu uma colocação como apontador numa construtora que atuava numa obra no Noroeste do Paraná, Mas que experiências o prof. Z vivenciou agora distante dos parentes e trabalhando em área rural? Ele trabalhou em torno de três meses no "meio do mato". O salário que percebia garantia "as necessidades mínimas”. Igualmente, não remetia dinheiro para a sua família em Ilhéus ou para o tio, morava gratuitamente no acampamento de obra. Além de não gastar com lazer, por exemplo, cinema como em Curitiba. Nesse período de trabalho perdeu o contato com a leitura devido à falta de recurso no meio do mato". Segundo prof. Z, os maiores problemas enfrentados no acampamento consistiram no despreparo para resolver os problemas e as dificuldades surgidas no cotidiano da vida rural e a rejeição por parte dos “colegas" que provocava um sentimento de solidão. Assim, a experiência vivenciada na área rural, no noroeste do Paraná pautou-se semente em conflitos e angústia devido o confronto da sua origem e realidade urbana com o ambiente e realidade rural, e deste modo revivendo novamente a situação de discriminação social.
Depois do trabalho no noroeste do Paraná ao regressar à Curitiba encontrou na Rodoviária de Curitiba sua tia e seu primo vindos de Ilhéus. E ambos parentes estavam dirigindo-se para o município de Matinhos no litoral paranaense em busca de uma colocação em vista, construtora. Ele desempregado resolveu seguir também com os parentes. E na construtora, exerceu a profissão de apontador novamente. No litoral paranaense morava com os seus parentes. Todavia, o conflito com os parentes resultou no regresso à Curitiba. Esta experiência do migrante mostra a presença do conflito existente nas relações entre parentes. E que somente o estudo do cotidiano pode mostrar o interior dos grandes processos estruturais de origens diversas, mas especialmente de cunho econômico vivenciados pelos grupos sociais. Onde esta experiência explícita que o conflito existente entre os homens limita-se entre as classes trabalhadora e burguesa e o interior de cada classe entre os seus membros.
Ao regressar a Curitiba após o trabalho em Matinhos morou numa pensão “bem barata” e dividiu o quarto com um jovem pintor de parede.
Inicialmente, não conseguia emprego. Então, como o
migrante sobreviveu nesta situação? Adotou a estratégia de sobrevivência frente
ao desemprego e sem apoio da família e dos parentes? Como se encontrava
desempregado sem dinheiro, o seu colega de quarto pagava o aluguel do quarto e
para alimentar-se oferecia a sua força de trabalho nas residências da classe
média alta par qualquer serviço, por exemplo: cortar grama em troca de um prato
de comida. E raramente as pessoas cobravam a "comida
Em 1966, ainda em Curitiba submeteu-se a testes para trabalhar como auxiliar de escritório (possuía o curso de datilografia) numa grande fábrica de móveis Cimo, porém, foi reprovado no psicotécnico. E, nesta condição quem pagava o aluguel do quarto era seu colega.
Neste momento, os seus parentes que estavam trabalhando
no litoral paranaense retornam à Curitiba e o seu tio G. procurava pelo prof.
Z. Todavia, ele fugia do ti G. porque a sua mãe queria obter notícias o seu
respeito através deste parente. Contudo, como o prof. Z encontrava-se
desempregado não quis “dar o braço a torcer”, transmitindo a sua situação atual
à mãe. Mas devido à persistência do ti G. em persegui-lo conseguiu o seu
endereço e enviou para a sua mãe
Ao retornar para o seio da sua família em Ilhéus, sentiu-se um fracassado porque voltou “sem um tostão” do Paraná, mas a boa relação familiar lhe proporcionou segurança e bem-estar.
Como o mercado de trabalho em Ilhéus não oferecia uma perspectiva de emprego no que desejava, mas em outras atividades e a realização de concurso para admissão em serviço público em Ilhéus era uma raridade. Permaneceu durante um ano em Ilhéus, de janeiro a dezembro de 1967. E decidiu migra para o Rio de Janeiro em busca do emprego almejado.
E na cidade do Rio de Janeiro encontrava-se já instalado a sua irmã C., tia H. e irmã C. em Cavalcante, bairro popular.
O professor Z ao chegar à cidade do Rio de Janeiro
morou com o tio A durante alguns meses, em torno de seis meses. Contudo, a
esposa do seu tio considerou “demais” na casa. E assim o migrante resolveu
morar com a sua tia H.
Com relação à decisão de prof. Z migrar para a cidade do Rio de Janeiro, ela está vinculada há determinados fatores conforme alguns autores:
- primeiramente, a migração se processar, geralmente, inserida num círculo de relações pessoais entre parentes ou amigos do migrante como afirma DURHAM: “os jovens freqüentemente partem com famílias conhecidas, com amigos que migraram antes, ou vão à procura dede parentes. Esses grupos dão ao migrante a segurança da companhia e do conhecimento da situação nova que terão de enfrentar.” (DURHAM p. 132); ainda sobre a escolha do lugar de destino a referida autora salienta que "a movimentação e definida freqüentemente antes pela alteração nas relações sociais que pela modificação do lugar geográfico de residência'' (DUHAM, p. 137) e o migrante ao mudar-se para uma área dinâmica”...ou uma cidade mais próxima ou uma grande cidade mais distante, é levado a escolher baseado mais na proximidade física ou compatibilidade das atividades econômicas que espera exercer." (DURHAM, p. 137) "Quando o trabalhador rural se desloca à procura de emprego, segue as rotas que foram seguida por parentes e amigos antes dele, Ele vai com conhecidos, ou à procura de conhecidos, que sabe estar em tal ou qual lugar. Os lugares que ele conhece são aqueles que fazem parte da experiência passada da sua comunidade e são as relações pessoais que servem de ponto de apoio à movimentação espacial. (DURHAM p. 137). “Quando o trabalhador rural se desloca à procura de emprego, segue as rotas que foram seguidas por parentes e amigos antes dele. Ele vai com conhecidos, ou à procura de conhecidos, que sabe estar em tal ou qual lugar. Os lugares que ele conhece são aqueles que fazem parte da experiência passada da sua comunidade e são as relações pessoais que servem de ponto de apoio à movimentação espacial”. (DURHAM, p. 137)
‑ sobre o encadeamento espacial da migração e dos trabalhadores pela maior oportunidade de emprego e a imaginação de melhor padrão de vida em relação ao seu local de origem, SINGER ressalta: “É possível que sucessivos movimentos migratórios sejam desencadeados, das cidades menores às maiores, até que grande parte dos migrantes alcance as áreas onde se esteja dando um desenvolvimento industrial mais intenso, cujos efeitos diretos e indiretos determinam um aumento da demanda de mão-de-obra que oferece aos imigrantes oportunidades de integração “na economia urbana”. (SINGER, p. 53)
‑ a respeito da migração enquanto processo socia1, uma estratégia de vida dum grupo familial restringindo a uma decisão subjetiva de migrar, mas vinculada ao seu grupo, ESTERCI salienta que "as saídas são organizadas e tem sua lógica determinada pelas necessidades da família como um todo." (p. 6) e os “membros jovens e solteiros certamente não são função de trajetórias individuais somente. Estão referidas às condições e alternativas dos grupos.” (p. 8)
Como a força de trabalho de professor Z foi absorvida no mercado de trabalho da cidade do Rio de Janeiro? De forma marginal, não conseguindo integrar‑se formalmente à economia urbana realizando biscates de ocupação temporária e, somado a isto despossuída a “habilidade manipulativa” mencionada por HELLER adquirida em sua vida cotidiana no lugar de origem.
Então, o seu desempenho foi baixo pela sua desqualificação para as ocupações de balconista de bar, entregador de mercadorias numa importadora de pele e açougueiro. E continuou procurando emprego no mercado de trabalho carioca junto às empresas privada e pública, contudo, submetia‑se aos testes era aprovado, porém não convocado. E o migrante cita dois casos ocorridos nas seguintes empresas públicas: "Companhia Estadual de Gás/CEG", a antiga "Light"/Companhia Estadual de Energia Elétrica.
Na CEG foi aprovado nas provas e aguardou a contratação que não se efetivou. Na Light também foi aprovado nas provas e após um ano de realização das mesmas foi convocado para submeter-se ao exame médico no qual foi reprovado sem direito à justificativa. E “nessa confusão tomou conhecimento através do jornal que o SENAI estava promovendo cursos intensivos com remuneração” e cursou artes gráficas. E depois da conclusão do curso no inicio de 1968, "comecei a trabalhar em gráfica: uma semana, um mês mais de um mês de um ano” conforme a crescente qualificação possibilitava uma maior estabilidade no emprego. No tocante, a esta situação DURHAM salienta a relevância da cidade grande no processo de qualificação e do migrante: “a emigração para a grande cidade é mais vantajosa, pois o trabalhador já encontra instituições que podem orientar o processo de sua ressocialização.” (p. 124).
Ainda trabalhando em gráfica retornou aos seus estudos cursando o secundário a noite na Escola Estadual Republica do Peru.
Em janeiro de 1979, submeteu‑se ao vestibular optando por um curso vinculado às ciências humanas para a Universidade Federal de Rio de Janeiro, sendo aprovado. E logo teve que abandonar o seu emprego na gráfica devido o horário integral do curso. Esta situação durou um ano e seis meses vivendo das suas economias poupadas. Quando acabava o dinheiro pedia à irmã C. e no período das férias do curso trabalhava nas gráficas como tipógrafo ou compositor manual.
Após um ano e meio de graduação, conseguiu integrar-se
num grupo de pesquisa ligado a um dos professores do seu curso obtendo uma
Bolsa de Estudos. Desta maneira, pôde terminar o curso de graduação, o qual
durou de
Depois de um ano como graduado submeteu-se a seleção de pós-graduação na mesma ciência de formação acadêmica na graduação, tendo sido aprovado em 1986, obtendo uma bolsa de estudos.
Em abril de 1987, casou-se, mas encontrava-se angustiado por que terminaria a validade da sua bolsa de estudos no ano seguinte precisava obter um emprego. Deste modo, submeteu-se ao concurso básico para docentes da Universidade Federal de Rondônia/UNIR, e foi aprovado.
Antes de relatar a sua vida cotidiana
Quanto ao seu posicionamento político-partidário caracterizou‑se como progressista trabalhando na campanha eleitoral e votando no Partido dos Trabalhadores quando estudante de graduação. A partir da pós-graduação aderiu às propostas do programa partidário e as idéias do Partido Democrático Trabalhista permanecendo neste posicionamento até hoje,
Mas retornando ao ano de 1987 é interessante lembrar os motivos que conduzirem o prof. Z a assumir a possibilidade de migrar para Porto Velho, Rondônia.
Neste momento, quais motivos angustiavam o migrante? Em abril de 1987, casou-se durante o seu curso de pós-graduação e percebia uma bolsa de estudos. Contudo, o prazo da concessão da bolsa de estudos se expiraria em 1988. E, por isso necessitava obter um emprego. Creio que condizente com a sua formação acadêmica, visto que na juventude lutou persistentemente, pelo emprego de auxiliar de escritório.
Nesta conjuntura, após dois anos de curso candidatou‑se ao concurso público para docentes da UNIR/Universidade Federal de Rondônia tendo sido aprovado. E conseguiu resolver a sua angústia quanto à expectativa de obtenção de emprego ao assumir a possibilidade de migrar para Porto Velho.
NUNES ao interpretar a obra de Freud: “Inibição, sintoma e angústia, 1925, menciona que a angústia é um temor como reação antecipadora de trauma, de impotência a uma situação futura (p. 108). E para Heidegger citado por NUNES a angústia "só é possível porque DASEIN se angustia no fundo de seu ser" (p. 111). Mas esta angústia provém da relação do ser-no-mundo, das situações na sua vida cotidiana que tem que enfrentar. E como o prof. Z, "homem da cotidianidade em HELLER "é atuante e fruidor, ativo e receptivo." (p. 17, (2)), isto e, um criador de estratégias e táticas no cotidiano para sua sobrevivência conseguindo solucionar a sua angústia, neste momento.
Para HELLER a "vida cotidiana está carregada de alternativas e escolhas" (p, 24, (2)), E nela o homem age de acordo com a sua individualidade (ser particular + humano genérico p. 20 (2)) caracterizada pelo “seu modo de manifestar-se” perante a limitada possibilidade e liberdade de escolha na sua vida traçando o seu projeto de vida ("teleologia do indivíduo”). Assim, o seu projeto de vida é particular. Mas sobre o particular HELLER salienta que "na maioria dos casos o particular não é nem o sentimento nem a paixão, mas sim seu modo de manifestar-se, referido ao eu e colocação a serviço da satisfação das necessidades e da teologia do indivíduo.”(p. 21, (2)).
Então, o nosso migrante ao lançar-se a alternativa de candidatar-se ao concurso de docente para UNIR e, possivelmente no futuro migrar para Porto Velho. E sendo aprovado e convocado para a contratação, escolheu a estratégia de migrar disposto a desenraizar-se do seu cotidiano na cidade do Rio de Janeiro em busca do emprego condizente com a sua formação acadêmica solucionando a sua angústia. Todavia o prof. Z conseguiu resolver a sua angústia definitiva ou temporariamente?
De acordo com ele ao chegar a Porto Velho, Rondônia apareceram novas angústias. Ao começar pela precariedade de Porto Velho, em termos, de infra-estrutura: a dificuldade dos serviços de saúde e transporte, o clima quente, as zoonoses, os insetos, e o lazer, ou seja, uma "rusticidade do cotidiano”, segundo o migrante.
Primeiramente, o migrante seguiu sozinho para Porto
Velho sem a sua esposa. E nesta situação permaneceu durante dois meses. Mas o
que ele fez durante os dois meses? Hospedou‑se na casa de pessoas
conhecidas
Então após estas etapas a sua esposa carioca grávida de sete meses viajou para Porto Velho, Rondônia. A contar desta época, dois meses após que problema o casal enfrenta? O parto do filho, estando a responsabilidade sobre o prof. Z. Numa cidade onde recurso médico é uma raridade. Pelo o não funcionamento do antigo INPS, existência de poucos postos municipais de saúde e o hospital de Base (público) que atende a classe popular e, em maior número as clínicas e hospitais particulares de prestações de serviços bem caros. No entanto, por desejar o melhor para a sua esposa e filho, o parto realizou-se num hospital particular. E nasceu seu filho H.. E juntamente nasceu uma grande despesa com o serviço de parto, mas prof. Z estava "preparado" para enfrentá-la. Em 1990 nasceu o seu segundo filho T. E apesar de ter realizado uma poupança para o serviço de parto e para possíveis eventualidades. Enfrentou dificuldade financeira, pois o Plano Collor confiscou sua poupança. Nisto pediu dinheiro emprestado a uma colega de trabalho. O parto realizou-se num hospital particular. E o serviço de parto foi pago em poucos meses, realizando um severo controle de sua economia doméstica.
No tocante, ao seu salário de professor auxiliar numa instituição federal garante, praticamente, alimentação básica da família. Nela investe 80% do seu salário. E os 20% restante do salário é para pagar a prestação da casa financiada, tarifas públicas, passagem de transporte coletivo, "roupa em último caso” e livros.
Quanto à educação dos seus filhos H. (três anos e oito meses) o T. (um ano e seis meses), o primeiro encontra‑se na pré‑escola particular onde 3/4 do valor da mensalidade é pago pelo seu emprego.
Para a reprodução de conhecimento necessária a sua profissão dispõe de recurso financeiro insuficiente para aquisição permanente de livros, revistas científicas, periódicos e jornal. As bibliotecas existentes na cidade são poucas carentes e desatualizadas em suas obras. E a própria universidade, exemplifica esse quadro. Quanto à participação em eventos científicos freqüenta os ocasionais que se realizam na universidade e em outras instituições; encontros científicos específicos da sua formação acadêmica realizados bienalmente. E nestes participa com os próprios recursos financeiros via to que, a universidade onde trabalha não custeia as despesas de hospedagem e transporte.
Em relação a sua participação política considera "oficiosa", pois não possui disponibilidade de tempo para participar oficialmente (no momento encontrasse envolvido com a redação da sua dissertação de mestrado). Ele participa das reuniões no Departamento, no qual está vinculado, das reuniões e assembléias da ADUNIR (Associação dos Docentes da UNIR).
Quanto ao lazer restringe‑se a assistência de televisão “passeios esporádicos pela cidade”.
Sobre o ajustamento social
Tanto ele como a esposa estão afastados dos seus parentes no Rio de Janeiro. E pela opção do casal decidiram não se integrar no contexto social de Porto Velho. Isto mostra a dificuldade que os migrantes enfrentam no seu ajustamento social no lugar de destino devido à existência de conflitos no interior do seu grupo social, relação pessoal estabelecida pelo "contato rústico'' diferente do Rio de Janeiro, resistência cultural estabelecida nas relações pessoais.
No entanto, estes fatos mencionados também mostram um caso interessante de ressocialização quando ele relata que o “trato social é rústico, diferente do Rio de Janeiro".
O prof. Z é baiano de Ilhéus mas, parece cultivar um sentimento de ser carioca. O que aconteceu com a sua identidade social concernente a terra natal, Ilhéus? Possivelmente, as experiências desagradáveis vivenciadas na vida cotidiana em Ilhéus foram intensamente traumatizantes gerando uma repugnância à cidade natal que se transformou num espaço-repulsão Somam-se a este caso experiências agradáveis no Rio de janeiro que sobrepujaram as desagradáveis em referência a uma menor discriminação social e sentimento de valorização humana, localização da sua família, parentes também da sua esposa nessa cidade e o papel destes grupos sociais na integração espacial econômica e a sociedade do lugar de destino os laços de amizade oportunidade de qualificar-se profissionalmente em artes gráficas (ainda que não fosse o seu desejo profissional) e depois na formação acadêmica que lhe possibilitou uma ascensão social e econômica e, talvez uma melhor polidez nas relações sociais. Segundo COSTA "os migrantes no Rio de Janeiro possuem uma considerável adaptação à cidade experimentando fecundidade menor, mortalidade infantil inferior e renda e educação mais elevadas do que provavelmente teriam caso não tivesse migrado”. Os migrantes elevaram-se aos padrões de vida e tem sido um fator positivo para o desenvolvimento econômico da cidade e do país. (p. 172)
Atualmente, a expectativa de vida do prof, Z consiste na aprovação da sua dissertação de Mestrado e liberação com vencimento junto a UNIR para cursar o doutorado em sua área. Com o intuito de reciclagem profissional e como estratégia de sobrevivência, pois o título de Doutor implicará numa elevação salarial.
ALGUMAS QUESTÕES FINAIS:
- A migração antes de ser uma busca para realização de uma necessidade ou desejo é uma abertura a possibilidade de migrar?
- Se o professor Z não estivesse disposto a projetar-se a alternativa, possibilidade surgida na sua vida, consumando-se na escolha de migra e, ao invés, conseguisse um emprego noutra profissão na cidade do Rio de Janeiro, resolveria a sua angústia?
- O sentimento de angústia é solucionável ou de solução temporária?
- É uma característica do ser humano em seu mundo vivido ou invivido?
- Será que o estudo de fenomenologia existencial sobre a decisão de migrar poderia mostrar até que ponto o homem é realmente obrigado a migrar devido à contingência de vida?
- É possível ocorrer a substituição do lugar vivido pelo lugar de destino mediada pela migração e urbanização, como aparenta o caso do professor Z? A substituição da afetividade de sua terra nata, Ilhéus pela cidade do Rio de Janeiro?
- Além de outros determinantes qual foi a influência
dos aparelhos ideológicos e o “mass media”
na produção do imaginário de prof. Z sobre o Rio de Janeiro, a “cidade
maravilhosa”? Estes determinantes implicaram na substituição da sua terra natal
como lugar vivido, além da angústia e desajustamento social
- O sentimento de angústia pela ausência da vida cotidiana no Rio de Janeiro implica na anulação da importância das cidades de Ilhéus e Porto Velho ao nível do consciente do migrante.
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* Prof. Z: pseudônimo sugerido pelo migrante para manter‑se em anonimato, preservando a sua individualidade.
** Conduta autêntica: existe uma polêmica entre os pensadores existencialista, em relação à “conduta autêntica” ao considerarem a impossibilidade do ser humano assumi-la, integralmente, na sociedade.
Contudo emprego‑a considerando as imposições e limitações do meio socio‑cultural e a tentativa do homem em exercê‑la em busca da realização dos seus desejos e projetos de vida. Assim, caminhando em direção ao seu fundamento de ser.