Revista geo-paisagem ( on line )

Vol. 1, número 1, 2002

Janeiro/junho de 2002

ISSN  Nº 1677 – 650 X

 

 

 

O uso do tempo livre na região metropolitana do Rio de Janeiro: o caso da cidade de Niterói[1]. 

 

Autor: Fernando da Costa Ferreira[2]

 

 

Resumo

 

Este trabalho busca analisar a atividade turístico na cidade de Niterói, relacionando-a com as políticas públicas e com as transformações na paisagem urbana daquele município. 

 

Palavras chaves: Turismo,  Férias, Transformações

 

Abstract

 

            This papper is about touristic activities in Niterói city, its relationship with publics politicals and transformations that are reshaping the urban aspect of the district.

 

Keywords: Tourism, Hollydays, Transformations

 

1.      Apresentação

 

Este trabalho tem como objetivo analisar a produção do espaço turístico na cidade de Niterói, verificando como o poder municipal vem contribuindo para a intensificação da atividade turística, relacionando-a com as transformações no espaço urbano da cidade.

            Nossa análise apresenta duas diferentes escalas, a saber: a primeira, visando compreender os aspectos gerais da turistificação de Niterói; a segunda, analisando o exemplo da intervenção do poder público municipal na refuncionalização de um espaço degradado com finalidade turística: Portugal Pequeno.

Para essa análise, realizamos um trabalho empírico, com visitação aos principais pontos turísticos, entrevistas com moradores, visita à NELTUR (Empresa Niteroiense de Esporte Lazer e Turismo) e pesquisa bibliográfica[3].

            É importante enfatizar que não pretendemos elaborar um guia turístico desta cidade, e sim visualizar as grandes transformações sócio-espaciais decorrentes dessa atividade econômica.

 

2.      Localização

 

O município de Niterói localiza-se na faixa oriental da Baía de Guanabara.  Possui limites com o município de São Gonçalo ao norte,  Maricá a leste, o Oceano Atlântico ao sul e a Baía de Guanabara a oeste.  A distância entre Niterói e o Rio de Janeiro é de aproximadamente quatorze quilômetros pela ponte Presidente Costa e Silva.  Já por via marítima, essa distância é de seis quilômetros.

 

3.      Alguns dados  de Niterói

 

Segundo a Sinopse do Censo Demográfico de 2001, o município de Niterói apresenta os seguintes dados:

·        Área: 131, 5 quilômetros quadrados;

·        População absoluta: 458 465 habitantes;

·        População relativa: 3 487, 43 hab/km2

·        Altitude: 5 metros

·        Taxa de natalidade: 17%0

·        Taxa de mortalidade: 9,2%0

·        Taxa de mortalidade infantil: 17,9%0

·        Crescimento vegetativo: 0,92% (1991 – 1996)

·        Produto Interno Bruto:  R$ 4 394 246 000 (1998)

·        PIB per capita: R$ 9 631,61 (1998)

·        Distribuição do PIB: 27% - indústria; 72% - comércio e serviços

 

4.      Os dados turísticos

 

Um dos grandes problemas da nossa análise, foi a falta de dados sobre o número de turistas que anualmente se dirigem para Niterói. Roberto de Souza (Técnico da NELTUR) enfatizou que não existe uma estatística sobre essa atividade. A rede hoteleira local não se interessa em fazer esse levantamento. Portanto, o “termômetro” que mede o número de turistas, segundo Roberto, é o total de visitantes que o Museu de Arte Contemporânea – MAC, inaugurado em 1996, recebe anualmente. Em 2000, o MAC recebeu um total de 127.000 pessoas[4].

A cidade possui ao todo, 8 hotéis com o total de 1 016 leitos[5]. Esses hotéis possuem uma taxa média de ocupação que oscila durante o ano entre 40 e 60%. Historicamente, os grandes empreendimentos hoteleiros no município não tiveram o retorno esperado. Como exemplo podemos citar o Hotel Bucsky, localizado no Gragoatá. Este hotel, construído na década de 70 foi uma tentativa de criar condições para o desenvolvimento turístico. Segundo Roberto Souza, tal empreendimento visava atrair o mercado ligado à realização de feiras e convenções. Atualmente, o edifício, há vários anos abandonado, sofrerá um processo de refuncionalização para fazer parte da Rede D’Or de hospitais. Outro exemplo a citar, diz respeito ao “esqueleto” de um hotel localizado no Parque da Cidade pertencente à rede Novotel, que nem mesmo chegou a ser concluído.

Esses dados evidenciam que o turismo em Niterói ocorre de forma diferenciada em relação à cidade do Rio de Janeiro. Os turistas que vão à Niterói não ficam mais que um dia.  Geralmente são turistas que se hospedam no Rio e vão conhecer o outro lado da baía. Poderíamos chamar a esse tipo de turismo de “fast tour”.

Essas informações podem ser contestadas, pois segundo a OMT (Organização Mundial do Turismo) para que haja atividade turística é necessário o mínimo de um dia de hospedagem, o que não ocorre em Niterói. Logo esses visitantes poderiam ser considerados apenas como excursionistas. Deste modo, os efeitos multiplicadores do turismo (empregos, distribuição de renda, serviços, etc.) são minimizados nessa cidade.

      Toda cidade com grande fluxo turístico, possui, na verdade, singularidades (símbolos). Exemplos: Paris (Torre Eiffel e Arco do Triunfo); Londres (Big Ben e Trafagal Square); Rio (Cristo Redentor e Pão de Açúcar); Roma (Coliseu e Fontana di Trevi). Niterói, na tentativa de criar a sua singularidade para intensificar a atividade turística, recentemente mudou o seu símbolo, da Pedra de Itapuca para o Museu de Arte Contemporânea (MAC). Para se ter uma idéia, grande parte da população niteroiense não sabia identificar o antigo símbolo, inclusive confundindo-o com a Pedra do Índio (Foto 4). O novo símbolo foi apropriado pela administração municipal do PDT, especialmente do grupo liderado pelo atual prefeito, Jorge Roberto Silveira. Os quatro últimos governos pertenceram a esse partido político. Três vezes com Jorge Roberto Silveira (1989-1992; 1997-2000 e a partir de 2001) e uma com João Sampaio, seu afilhado político (1993-1996).

      Outro ponto a ser lembrado é que Niterói está tentando se transformar em atrativo suporte da cidade do Rio de Janeiro. Na maioria dos folders sobre a cidade, percebemos que as imagens de Niterói estão associadas ao Rio de Janeiro, ou seja, a idéia é aproximar as cidades para aproveitar o fluxo turístico da capital.

      Em relação às associações de imagens podemos perceber que tanto o Rio quanto Niterói aproveitam a sua paisagem em comum. Exemplo: imagens de Niterói fazem parte de cartões postais “tipicamente” cariocas, como a Baía de Guanabara e a Ponte Rio-Niterói, por exemplo.

      Aproveitando-se do fato de ser conhecida como a “Cidade dos Fortes” (Fortaleza de Santa Cruz , Forte de Gragoatá, Forte de São Luiz, Forte do Imbuí e Forte do Rio Branco), Niterói tem procurado incrementar em parceria com o Exército esse tipo de visitação.  Mais uma vez o Estado se faz presente no processo de turistificação desta área.

 

5.      A produção do espaço turístico

 

O poder público em geral, ordena a maior parte das transformações espaciais. Nas grandes cidades, a preservação do espaço público e do patrimônio histórico, a localização das novas construções e a turistificação, são as principais formas de manifestação do planejamento urbano.

O Plano Diretor de Niterói estabelece algumas diretrizes a fim de incrementar a atividade turística no município. Vejamos agora algumas dessas diretrizes:

-         melhorar a infra-estrutura de atendimento e serviços aos turistas, principalmente na orla marítima, com a instalação de equipamentos e mobiliário urbano

-         preocupação com a conservação ambiental com condições de receber o turismo ecológico

-         desenvolvimento de atividades culturais, de esporte e lazer

-         divulgação das características turísticas da cidade

-         crescimento e melhoria da rede hoteleira através de incentivos fiscais

-         incentivo à participação e patrocínio da iniciativa privada através de realização de eventos culturais e esportivos e permissão do uso publicitário no mobiliário urbano

-         estímulo ao desenvolvimento das atividades esportivas

 

Segundo o Artigo 28, nas áreas com deficiência de infra-estrutura, especialmente de abastecimento de água e esgoto, os projetos para empreendimentos turísticos deverão apresentar soluções para a implantação de infra-estrutura básica necessária.

Segundo o Artigo 29, a turistificação da orla marítima não poderá comprometer a qualidade ambiental e paisagística.

O turismo é considerado uma das mais importantes opções de investimento em Niterói. Segundo a Prefeitura, a internacionalização da reputação da cidade, considerada a quarta melhor em qualidade de vida entre as 187 maiores cidades brasileiras é um importante fator para a divulgação da cidade.

De acordo com a publicação “Niterói: Perfil De Uma Cidade”, a administração niteroiense prioriza a cultura no seu plano de gestão. Segundo essa política, há um efeito multiplicador na geração de trabalho e de renda, incrementados pela atividade turística.

            Eis alguns programas e projetos da Prefeitura:

-         restauração do Teatro Municipal João Caetano

-         construção do Museu de arte Contemporânea (MAC)

-         restauração do Solar do jambeiro, no bairro do Ingá

-         restauração da Igreja de São Lourenço dos Índios (marco da fundação da aldeia de São Lourenço)

-         refuncionalização dos fortes

-         a revitalização da área conhecida como Portugal Pequeno

 

 

 

6- O caminho Niemeyer

 

Lançado em 1999, o grande projeto político da atual administração de Niterói com vistas ao incremento da atividade turística no município é o ambicioso e controvertido projeto conhecido como Caminho Niemeyer, concebido por Oscar Niemeyer aproveitando a esteira do sucesso do Museu de Arte Contemporânea.  Originalmente previsto para a construção de treze prédios numa área de seis mil metros quadrados entre o Centro da cidade e o bairro de Ponta d’Areia, teve seu projeto inicial reduzido, por questões financeiras, para apenas cinco prédios, a saber: Igreja Batista, Fundação Oscar Niemeyer, Memorial Roberto Silveira, Anfiteatro e a Catedral, além de uma capela flutuante.

            O projeto original previa ainda a construção de cinco torres de vinte andares e uma garagem subterrânea.  Os recursos viriam da iniciativa privada, atraída pela notoriedade de Niemeyer.  Mas nenhuma empresa se interessou.   Com a apresentação em 2001 do novo projeto reformulado, seus coordenadores buscam financiá-lo através de capitais estrangeiros.  Para isso, estão sendo enviados para empresas do exterior catálogos bilíngües que explicam o projeto.

            Para aqueles que criticam a construção desse caminho, o atual prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira afirma que esse projeto seria mais impactante para Niterói do que o Museu Guggenheim  para a cidade do Rio de Janeiro, com um custo quinze vezes menor.

            A construção do Caminho Niemeyer criaria uma perspectiva para a revitalização do velho e decadente Centro de Niterói e incrementaria a atividade turística naquela área.

 

7-      A turistificação em Portugal Pequeno

 

Portugal Pequeno, uma localidade junto às águas da Baía de Guanabara, no bairro de Ponta D’Areia sobreviveu às grandes mudanças sócio-espaciais sofridas ao longo do tempo.   Trata-se de uma área marcada pela presença da imigração portuguesa em Niterói.

A população da Ponta D’Areia em grande parte tem origem operária, ligada à indústria naval, onde o bairro foi pioneiro nessa atividade no Brasil.

A localidade de Portugal Pequeno, marcada pela presença da comunidade de pescadores, manteve a sua função, mesmo com as grandes transformações sofridas com a decadência da indústria da construção naval (década de 80) e com a construção da Ponte Rio-Niterói (1974).

A revitalização do tecido urbano de Portugal Pequeno partiu de uma proposta que envolveu a Prefeitura de Niterói, a comunidade e outras instituições, além do próprio governo português, interessados na recuperação do patrimônio arquitetônico e urbano.

O projeto de revitalização coincidiu com as comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, durante a realização do evento Encontro com Portugal, em 1998.

      As transformações no espaço de Portugal Pequeno foram as seguintes:

-         o asfalto foi substituído por paralelepípedos;

-         o calçamento teve de volta as pedras portuguesas;

-         as casas à beira-mar receberam novas cores;

-         construção de uma praça com desenho inspirado na cruz de malta;

-         construção de quiosques;

-         melhoria na área do deck, com a instalação de bancos;

O objetivo da revitalização de Portugal Pequeno, além de preservar o patrimônio histórico foi  turistificar o local onde a bela arquitetura se une à maravilhosa gastronomia portuguesa. Inclusive, em boa parte desses imóveis foram instalados diversos restaurantes.

Entretanto, a turistificação não teve o êxito esperado. Segundo a NELTUR, Portugal Pequeno está localizado fora do circuito turístico. O bairro é servido apenas por uma linha de ônibus. Segundo entrevistas com moradores locais, a revitalização aumentou o fluxo de pessoas para aqueles restaurantes, principalmente nos finais de semana. Outro ponto importante é que a revitalização acabou por valorizar os imóveis daquela área.

 

 

 

8-      Conclusão

 

Ficou claro neste trabalho, que o Estado é  um dos principais agentes  na construção do Espaço Geográfico, como também na turistificação  desse espaço ao dotá-lo de condições simbólicas e estruturais que possibilitem o desenvolvimento do turismo.

Depois de anos de descaso em relação ao potencial turístico subaproveitado de Niterói, parece que agora o poder público começa a dar sinais ainda que tímidos relativos ao crescimento desta atividade no município.

O MAC, a revitalização de Portugal Pequeno, a mudança do símbolo da cidade, o maior aproveitamento dos fortes e o projeto Caminho Niemeyer são exemplos dessa tentativa de transformação do horizonte turístico niteroiense.

Outra mudança na visão dos administradores municipais diz respeito a estabelecer uma “convivência” com o poderoso vizinho carioca.  Não interessa ao município de Niterói, competir com o Rio de Janeiro e sim fazer parte do roteiro turístico daquelas pessoas que para lá se dirigem.

 

Bibliografia

IBGE. Sinopse do Censo Demográfico 2000.

Niteroi Bairros, Prefeitura de Niterói. 1988.

Niterói: Perfil de uma cidade. Prefeitura de Niterói 1995.

RODRIGUES, Adyr balastreri. Turismo e espaço rumo a um conhecimento  

 transdiciplinar.  São Paulo. Hucitec. 1997.

SONEIRO, Javier Callizo.  Aproximacion a la geografia del turismo. Madri, editora   

 síntesis, 1991.

 

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[1] Trabalho apresentado no V Encontro Nacional de Turismo com Base Local – Brasíli-DF/Novembro de 2001.

[2] Professor de 1º e 2º graus de geografia, mestrando no curso de Geografia da Universidade Federal Fluminense. E-mail: bfgeo@uol.com.br .

[3] Dentro deste pesquisa, enfatizamos a leitura do Plano Diretor e outras obras da Prefeitura como Niterói Bairros e Niterói – Perfil de uma Cidade.

[4] Vale ressaltar que uma parte desses visitantes não pode ser considerada turista, pois são moradores da própria cidade.  Além disso, existem pessoas que visitam o Museu mais de uma vez durante o ano.