Revista geo-paisagem (on line) Ano 12, nº 23, Janeiro/Junho de 2013 ISSN Nº 1677-650 X Revista indexada ao Latindex Revista classificada pelo Dursi |
Uma
leitura da obra do Milton Santos - A natureza do espaço – técnica e tempo
Helio de Araujo
Evangelista
(helioevangelista@hotmail.com)
Resumo:
O presente trabalho analisa a obra - Natureza do
espaço - do professor Milton Santos
Palavras-chave : Milton Santos, Geografia, Natureza
do espaço
Abstract:
This article aims to analyze the book - Natureza do
Espaço - from Milton Santos.
Keywords: Milton Santos, Geography, nature of space
Apresentação
Trata-se
de uma leitura da obra de Milton Santos – A natureza do espaço, segunda edição de
1997 editado pela editora paulista Hucitec. De antemão solicito que o presente
texto seja lido pelo seu final, pela sua conclusão. Nela registro algo
que só com o tempo, na seqüência dos capítulos, vim a aprender sobre a
referida obra. Do mais, o que se segue são comentários realizados ,
acompanhando as próprias partes do livro; método não muito adequado para se
compreender o trabalho, daí porque a ressalva. De qualquer forma, o trabalho
aqui realizado corrobora no aprofundamento de questões relacionadas ao
livro.
Prefácio
– história de um livro (p. 11-13)
O livro do Milton
Santos começa sendo caracterizado como fruto de um longo caminho no tempo,
produzido em passagem de vários lugares,
e tendo trato com várias pessoas.
A
introdução (p. 15-22)
À p. 15 ele destaca ... “Nosso desejo explícito é a
produção de um sistema de ideias que seja, ao mesmo tempo, um ponto de partida
para a apresentação de um sistema descritivo e de um sistema interpretativo da
geografia.”
À p. 16 ele
continua ... “Este livro resulta sobretudo de uma antiga insatisfação do
autor diante de um certo número de questões. A primeira tem que ver com o
próprio objeto do trabalho do geógrafo. A essa indagação , com frequência a
resposta é busca numa interminável discussão a respeito do que é
geografia....Discorrer , ainda que exaustivamente , sobre uma disciplina, não
substitui o essencial, que é a discussão sobre seu objeto. Na realidade, o corpus de uma disciplina é subordinado
ao objeto e não o contrário. Desse modo, a discussão é sobre o espaço e não
sobre a geografia; e isto supõe o domínio do método. Falar em objeto sem falar
em método pode ser apenas o anúncio de um problema, sem, todavia, enunciá-lo. É
indispensável uma preocupação ontológica, um esforço interpretativo de dentro,
o que tanto contribui para identificar a natureza do espaço, como para
encontrar as categorias de estudo que permitam corretamente analisá-lo.”
Essa tarefa supõe o encontro de conceitos, tirados
da realidade, fertilizados
reciprocamente por sua associação obrigatória , e tornados capazes de
utilização sobre a realidade em movimento. A
isso também se pode chamar a
busca de operacionalidade, um esforço constitucional e não adjetivo, fundado
num exercício de análise da história.
Comentário
– Milton Santos visa a produção de um sistema de ideias, implicando descrição e interpretação, que para tanto, é necessário focarmos no objeto da geografia, o espaço.
Para ele o fundamental é o objeto, sobre
o qual se funda a disciplina. Para discutir espaço há de dominar o
método. Trata-se de anunciar e enunciar. É necessário uma preocupação
ontológica , um esforço interpretativo
que tanto contribua para identificar a natureza do espaço como também para
encontrar as categorias de estudos que permitam analisá-lo.
Neste ponto de partida de sua análise, Milton Santos cria
uma equivalência entre método e ontologia.
Se realizamos
uma consulta num dicionário, como
o Houaiss (2009 ) , a palavra ontologia
tem um significado que não parece ser o meio mais adequado para tratarmos do espaço.
Para entendermos isto, convém termos uma diferença que
Heidegger (2009) estabelece entre ser e existir. O espaço existe, mas ele não é o ser. O ser nos
remete a uma reflexão sobre por que há o
ser e não o nada ! Na circunscrição do ser nós temos vários existentes,
incluindo o espaço. Há o ato de ser, o
espaço participa enquanto existente, assim como aquele que escreve estas linhas. Mas nem o espaço, nem o
presente escriba, detém o ato de ser.
A impressão que se dá é que ontologia para Milton Santos
é muito mais o esforço de se definir o que é espaço, mas isto não cabe à
ontologia, está mais adequado ao campo da epistemologia. Uma reflexão do
conhecimento humano nos termos em que se coloca e que se sustenta.
Ora, quando
passamos de uma discussão que não mais se referencia à ontologia e sim à
epistemologia temos uma percepção menos rígida do que possamos refletir sobre o
espaço.
Isto porque a epistemologia encontra-se afeita à
discussão da ciência e sua implícita alteridade, transitoriedade e revisão.
Em resumo, não há sentido de se ter ontologia do que é
passageiro. O estudo do ser (ontologia) é sobre o que é . Mas o espaço não é,
não era, passou a ser e pode vir a desaparecer. O ato de ser precede o espaço.
Ser é aquilo que é ! O espaço existe, participa do ato de ser mas não é o
próprio ser.[1]
Agora, afora este discernimento, há um outro aspecto a
ser considerado quando Milton Santos fala em ....“Na realidade, o corpus de uma disciplina é subordinado ao objeto e não
o contrário. Desse modo, a discussão é sobre o espaço e não sobre a geografia;
e isto supõe o domínio do método. Falar em objeto sem falar em método pode ser
apenas o anúncio de um problema, sem, todavia, enunciá-lo.”(p. 16)
A repetição da
frase , já indicada anteriormente, encerra um problema, a saber, o corpus de
uma disciplina é subordinado ao objeto , mas aí ... isto supõe o domínio do
método!
Recorrendo novamente ao mesmo dicionário, método tem
relação com procedimento técnico ou meio
de fazer. É algo operacional, não é algo que se define por si, a rigor,
pensamos nós, o que define o método a ser utilizado é o próprio objeto que
consideramos para estudar , mas não é assim que Milton Santos pensa. Ele
entende que o método é que legitima uma discussão sobre a compreensão do que seja espaço.
Inclusive, ele opera um jogo de verbos que não elucida a questão, ou seja,
ele fala ... “Falar em objeto sem falar
em método pode ser apenas o anúncio de um problema, sem, todavia,
enunciá-lo.”(p. 16) Anunciar ... enunciar ... dá no mesmo ! Estes dois
termos por ele utilizado não são suficientes para indicar a profunda
discrepância que para ele existe de se falar em objeto sem falar em método.
Prosseguindo a leitura !
“O desafio está em
separar da realidade total um campo particular, susceptível de mostrar-se
autônomo e que, ao mesmo tempo, permaneça integrado nessa realidade total. E
aqui enfrentamos um outro problema importante , e que é o seguinte : a
definição de um objeto para uma disciplina e, por conseguinte, a própria
delimitação e pertinência dessa disciplina passam pela metadisciplina e não o
revés. Construir o objeto de uma disciplina e construir sua metadisciplina são
operações simultâneas e conjugadas ...Uma disciplina é uma parcela autônoma,
mas não independente , do saber geral. É assim que se transcendem as realidades
truncadas, as verdades parciais, mesmo sem a ambição de filosofar ou de
teorizar. (p. 17)
O que vem a ser metadisciplina ?
Como algo que está
além da disciplina faculta à pessoa desenvolver uma dada disciplina ?
Milton Santos está diante de um problema e o recurso que
utiliza para saná-lo encontra-se fora da disciplina que procura promover. É
factível ?
De certo modo ele segue caminho oposto ao de Richard
Hartshorne (1978), este na indagação
sobre a natureza da geografia adentra na história de seu processo . Milton
Santos não faz isto, inclusive na página
16 ele afirma que a discussão é sobre espaço e não sobre disciplina.
Como é possível encontrar
o espaço, o espaço geográfico , sem estar norteado pela história da
disciplina ?[2]
Milton Santos estabelece um dialogo com uma certa ideação
do que vem a ser espaço para então chegar ao que é geografia, porém, esta
ideação está pendente de um método.
Mas quem
dita a trilha (o método) a ser adotada ? Não é o objeto? Isto nos leva a ser norteado pelo reino do arbitrário caso
não seja as características do objeto que estabelece o método, por exemplo, se
vai estudar um lago será necessário roupa de mergulho , tendo tais tipos de
informações a serem obtidas .... se o objeto for um deserto então o método ....
mas não é por este prisma que Milton Santos entende a escolha do método.
“É toda questão da
pertinência que aí se instala. Para que o espaço possa aspirar a ser um ente
analítico independente, dentro do conjunto das ciências sociais, é
indispensável que conceitos e instrumentos de análise pareçam dotados de
condições de coerência e de operacionalidade. Assim ao mesmo tempo demonstramos
sua indispensabilidade e legitimamos o objeto de estudo.” (p. 18)
Já é possível
perceber uma característica que marca todo o
livro que aqui analisamos, ou seja, se eu uso a palavra oaka e quero lhe impor o significado de
casa, ora, as pessoas reagirão porque entendem que a palavra casa encontra-se
em seu vocabulário e a outra, oaka,
não! Entendeste ? O que quero dizer é, se a palavra não é o que ele é
em termos de designação, e ontologia é um termo muito caro à filosofia, se
Milton a usa para outros fins que ao menos a sua interpretação do que significa
ontologia fosse explicita . Ainda, ...
metadisciplina ... O que é para
ele ?
Mas
ele não opera deste modo, se atendo ao significado clássico das palavras, daí
porque a utilização de um renomado dicionário para fazer o presente
estudo. Milton usa os termos, ele joga
os termos ! Aí fica difícil a própria compreensão do que ele escreve. Por exemplo, na passagem
imediatamente destacada ele observa – “Para que o espaço possa aspirar a ser um ente analítico
independente...” O espaço não tem condição de aspirar nada , ele não é
sujeito , por que não adotar .... o geógrafo, se pretende ter seu objeto como um
ente ... Mas não é assim que ele
procede e este procedimento não é gratuito!
Assim,
palavras como ontologia, metadisciplina, espaço aspira .... são designações que constituem a construção
de um discurso de difícil escrutínio.
Ele definitivamente está trabalhando com uma ideação que
o próprio espaço , pelo método, se auto referencia.
Em seguida, ele observa – “Nas diversas disciplinas
sociais são essas categorias analíticas e esses
instrumentos de análise que constituem a centralidade do método ...”
(ibidem, p. 18)
Comentário – Milton menciona essas categorias analíticas
.... mas tendo por parágrafo anterior o que já destaquei, ou seja, categorias
analíticas significando conceitos e instrumentos de análise. Ora, é sempre
a noção de que o que define a
geografia é o objeto que está
circunstanciado ao método, assim, o fundamental, o decisivo , é o método.. Mas,
o que dita o teor do método ?
Outro aspecto que chama a atenção é a caracterização da
geografia enquanto ciência social .... seria mesmo ? Ele trata isto como
um ponto pacífico, ora , para quem
escreve sobre a Natureza do Espaço,
conviria que esta definição da geografia
enquanto ciência social fosse também ponto de discussão já ao início do próprio
trabalho.
Ainda, ... “Cada
vez que um geógrafo decide trabalhar sem se preocupar previamente com o seu objeto, é como se para
ele tudo fossem “dados”, e se entrega a
um exercício cego sem uma explicitação
dos procedimentos adotados, sem regras de consistência.” (ibidem, p. 18)
A questão é – se a cada trabalho a pessoa previamente
houvesse de definir espaço, método, ...
Entendo que cada escola há quem se ocupe
com tal tema e boa parte das pessoas vão se assenhoreando de um stablishment que de quando em quando é
questionado, criticado e revisto. Enfim, não criticaria uma produção cuja a
intenção não foi o de desconhecer o objeto, ele já estava implícito,
cabe sim, criticar quem por
ventura perfaz uma ideação que corrobora
na constituição de uma escola. A rigor,
as pessoas afeitas a esta
discussão são poucas, o teor da
discussão em tela desperta interesse de
poucas pessoas. Nem todos tem talento ou apetite para se assenhorear as
artimanhas do processo
epistemológico de sua disciplina e atuar
em consequência ao que entende ser adequado.
Parece que a grande falta foi o de não ter adentrado na história
da disciplina e por esta, a partir da epistemologia (estudo da natureza de um
dado campo de conhecimento, e não ontologia) , chegar à sua contribuição.
Ainda, ... “Como ponto de partida, propomos que o espaço seja
definido como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de
ações. Através desta ambição de sistematizar, imaginamos poder construir um
quadro analítico unitário que permita ultrapassar ambiguidades e tautologias.”
(ibidem, p. 18)
Novamente adentramos no grave problemas das palavras,
o que elas designam. Se não tivermos
apreço por esta forma de comunicação,
esta se torna inviável. Enfim, o que é sistema para Milton Santos ?
Usualmente no campo da história do pensamento geográfico o
sistema, a visão sistêmica , era constitutiva da geografia quantitativa (vide www.feth.ggf.br/geoquant.htm
)
Ademais, sistema
de objetos e ações ... uma
maneira de ver bastante limitadora quanto ao teor da
dinâmica dos processos espaciais, ou seja, objetos e ações ... A rigor, tanta o os objetos quanto as ações
são desdobramentos, resultados , que em outro momento torna-me se resultantes.
Não parece que espaço venha a ser só objeto e ação. Naturalmente
que assumindo a dinâmica
espacial enquanto sistema, o que fica
são os objetos e ações. Mas as críticas à visão sistêmica decorreram justamente
de ter um caráter limitador.
Há toda uma simbologia,
uma espiritualidade que norteia os processos sociais sem serem passíveis
de serem diagnosticados por uma visão sistêmica. Por exemplo, a morte ! A pulsão da morte, a reflexão sobre a mesma, o modo como inquieta, nos deixa paralisado ou em
movimento, .... não dá para tratar disto
na base de objetos e ações. A morte ou a ausência dela forja outros objetos e ações que vão além do
próprio objetos e ações. Outro exemplo, a poesia, esta só existe só no papel ? Não existe também numa paisagem
como a do Rio de Janeiro ?
Na p. 19 Milton
Santos observa ... “A partir da noção de
espaço como um conjunto indissociável de
sistemas de objetos e sistemas de ações podemos reconhecer suas categorias
analíticas internas. Entre elas, estão a paisagem, a configuração territorial ,
a divisão territorial do trabalho, o espaço produzido ou produtivo, as rugosidades e as
formas-conteúdo. Da mesma maneira
(grifo nosso), e com o mesmo ponto de
partida, levanta-se a questão dos recortes espaciais, propondo debates de
problemas como o da região e o do lugar; o das redes e das escalas. Paralelamente, impõem-se a realidade
do meio com seus diversos conteúdos em artifício e a complementaridade entre
uma tecnoesfera e uma psicoesfera. E do mesmo passo podemos propor a questão da
racionalidade do espaço como conceito histórico atual e fruto, ao mesmo tempo,
da emergência das redes e do processo de
globalização. O conteúdo geográfico do
cotidiano também se inclui entre esses conceitos constitutivos e
operacionais, próprios à realidade do espaço geográfico, junto à questão de uma
ordem mundial e de uma ordem local.”
Comentário – espaço enquanto noção , noção de um conjunto indissociável de sistemas , sistemas
de objetos e de ações, enseja um reconhecimento das categorias analíticas
internas. Da noção para as categorias .... o que é noção ?
Recorrendo novamente ao
dicionário Houaiss (2009), este assinala que noção vem a ser
conhecimento imediato, intuitivo (como de fato imaginava, ou seja, noção pressupõe um visão embrionária , momentânea, ) .... agora
, e categoria ? Em termos filosóficos
tem a ver com conceito. Enfim, da noção
ao conceito. Ainda, esta passagem da
noção ao conceito é mediada pela noção
de conjunto de sistemas de objetos e ações interligados. Bom, estamos diante de
um problema, ou descoberta, a saber, se
o acesso às categorias são mediadas pela noção de espaço enquanto conjunto de
sistemas de objetos e ações, logo, a revelação das categorias esta subordinada
às ações e aos objetos encontrados; mas, o espaço é só isto, e a poesia etc. ?
Em resumo, a noção de sistema de ações e objetos reduz o campo de acesso
do pesquisador às categorias de análise
na geografia.
Continuando, entre
as categorias analíticas , nós temos,
a paisagem, a configuração territorial, a divisão territorial do trabalho , o espaço
produzido ou produtivo , as rugosidades e as formas
– conteúdo .... faltou alguma coisa ?
A não prefixação
do que significa paisagem e sua diferença para configuração territorial e desta para o espaço produzido (ou produtivo), deste para a divisão territorial do trabalho, por fim, isto tudo diferente de rugosidades e as formas-conteúdo (se fossem iguais não haveria tanta abundancia de
termos) ....torna o trabalho do
pesquisador que utiliza sua linha de pensamento um tanto perdido.
Prosseguindo, da mesma maneira (p. 19) ... maneira em
relação a quê ? Seriam também categorias analíticas ? Pressupondo que sim (da
mesma maneira) há os recortes espaciais,
que enseja debates relacionados à região
e lugar, redes e escalas. Ora, é
da mesma maneira, mas não é da mesma maneira, ou seja, paisagem etc. tem relação ao
conteúdo , recortes (região etc.)
tem relação com método de análise deste conteúdo. Esta “Da mesma maneira” mais
confunde do que esclarece.
Prosseguindo, não sendo mais “Da mesma maneira” , agora temos “paralelamente , impõem-se”
Novamente impem-se uma constatação de que não há nada paralelo, ou seja, ele
menciona “do meio com seus diversos conteúdos em artifício e a complementaridade
entre uma tecnosesfera e uma psicoesfera”
. Ora, este meio não vem a ser “a paisagem, a configuração territorial, a
divisão territorial do trabalho, o espaço produzido ou produtivo , as
rugosidades e as formas - conteúdo” ? Se
é por que não ficou logo no início, se
não é , então temos uma paisagem, um paralelo e além do paralelo.
A
pergunta é – que estrutura da realidade Milton Santos tem em conta para dizer o que está dizendo ?
Parece que não há estrutura da realidade
para ele, este espaço onde pegamos ônibus e vamos ao cinema. Há no Milton Santos ideação do que
seja espaço. Esta ideação se confirma
quando de um lado ele nos remete ao sistema de objetos e ações para depois
falar em “complementaridade entre uma tecnoesfera e uma psicoesfera”. Ora,
sistema de ações e objetos não pressupõe psicoesfera!
Ao término da p. 19 ele acrescenta – “A coerência interna
da construção teórica depende do grau de representatividade dos elementos
analíticos ante o objeto estudado. Em outras palavras, as categorias de análise
, formando sistema, devem esposar o conteúdo existencial, isto é , devem
refletir a própria ontologia do espaço, a partir de estruturas internas a ele.
A coerência externa se dá por intermédio das estruturas exteriores consideradas
abrangentes e que definem a sociedade e o planeta, tomados como noções comuns a
toda a História e a todas as disciplinas sociais e sem as quais o entendimento
das categorias analíticas internas seria impossível.”
“A coerência interna da construção teórica depende do
grau de representatividades dos elementos analíticos ante o objeto estudado.”
Uma frase que não merece nenhum reparo,
agora, ele acrescenta “... as categorias de análise, formando sistema, devem
esposar o conteúdo existencial” , então
se tem um pressuposto, a saber, o conteúdo existencial é um sistema! Ainda, as
categorias de análise (que formam sistema) há de refletir a própria ontologia
do espaço, assim .... espaço é sistema !
Mas isto na perspectiva da coerência interna.
Já pela coerência externa, temos, segundo Milton Santos,
sua realização via estruturas exteriores abrangentes que definem a sociedade e
o planeta , tomadas como noções comuns a toda História e as disciplinas sociais
... coerência externa via .... como conclusão ... a totalidade de tudo que ai
está! Mas, o que é isto ? Como aferir uma coerência (no caso externa) em termos
tão vagos ?
Na p. 20 há um
problema, a saber, ele começa escrevendo – “A centralidade da técnica
reúne as categorias internas e externas, permitindo empiricamente assimilar
coerência externa e coerência interna.”
Qual o problema ? Em todo o texto em momento algum ele
fala em categoria analítica externa. Mas sim categoria analítica interna. O que
é isto ? Categoria analítica externa ? Ele coloca a técnica como elemento
central, a técnica reunindo partes para os quais ele não introduz o leitor
sobre o seu significado. Como a técnica pode ser central na reunião de
categorias se uma das partes não nos foi previamente apresentada ?
Continuando o parágrafo, ele observa – “A técnica deve
ser vista sob um tríplice aspecto : como reveladora da produção histórica da
realidade; como inspiradora de um método unitário (afastando dualismos e
ambiguidades) e, finalmente, como garantia da
conquista do futuro, desde que não nos deixemos ofuscar pelas técnicas
particulares, e sejamos guiados, em nosso método, pelo fenômeno técnico visto
filosoficamente , isto é , como um todo.” (p. 20)
A elaboração teórica do Milton Santos fica cada vez mais
complicada. Se antes era o sistema, agora é a técnica ... o que mais nos espera
? O que é o centro do centro em seu pensamento ? É o sistema ? A técnica ?
Sistema é técnica ? Técnica é sistema ?
Ora, se por ventura, esquecermos , mesmo que por um breve
momento, a perspectiva do sistema como ele fez ao início de seu texto , para
então só nos ocuparmos com a técnica ... Ainda, mesmo se esquecendo que para Milton a técnica reúne
duas categorias (sendo que uma delas ele não apresentou previamente) ... cabe
ainda indagar – a técnica pode ser tudo isto que ele aponta ? Ou seja, reveladora
da produção histórica da realidade (perspectiva perfeitamente factível), ainda,
inspiradora de um método unitário (afastando dualismos e ambiguidades) ... como
inspira ? Como conquista do futuro .... faltou alguma coisa ?
A técnica para ele é o quê ?
Técnica inspira método ?
Técnica é um desdobramento , uma consecução, uma resultante, se se quer
compreender a técnica adentre nos pressupostos que a antecederam.
Parece que para Milton Santos a ontologia do espaço é a
técnica no, pelo, para o espaço. E a questão do
sistema ....
Na página 20 consta –
“A partir de tais
premissas, este livro deseja ser uma contribuição geográfica à produção de uma
teoria social crítica, e em sua construção privilegiamos quatro momentos. No
primeiro, tentamos trabalhar com as noções fundadoras do ser do espaço ,
susceptíveis de ajudar a encontrar sua busca da ontologia: a técnica , o tempo,
a intencionalidade, materializados nos objetos e ações. No segundo momento ....
Definitivamente, o pensamento do Milton Santos, ao longo
da redação do presente texto em análise mostra-se plástico, moldável, ele se
amplia , o que gera uma certa incerteza
no que ele mesmo quer afirmar, senão, vejamos – ele visa alcançar uma teoria
social crítica, elaborada em quatro momentos, sendo que o primeiro está apoiado
numa ontologia do espaço que corresponde a tempo , intencionalidade
materializados nos objetos e ações. Ou seja, tudo aquilo que aqui analisamos
diz respeito a um único momento, dentro de mais três. Ele chega ao término de
sua introdução, a ocorrer na página 22, deixando ao leitor a surpresa de
entender que tudo o que fez para entendê-lo corresponde a um dos quatros
momentos. Em vez das linhas acima destacadas virem logo ao início da introdução
, de modo a tornar a pessoa ciente do projeto que orienta o autor, elas só
chegam ao término da introdução.
O que pensar ?
Aprendi com Karl Marx que uma coisa é o processo de
investigação e outra bem diferente é o processo de redação, ou seja, não é
factível uma redação ter a mesma dinâmica que o processo investigação. Parece
que a redação de Milton Santos não seguiu este critério, ou seja, à medida
que pensava escrevia de tal modo que a redação acompanhou o processo de evolução
do pensamento.
Continuando ...
“... No segundo momento, retomamos a questão ontológica ,
considerando o espaço como forma-conteúdo. No terceiro momento, as noções acima
estabelecidas são revisitadas à luz do presente
histórico, para aprendermos a constituição atual do espaço e
surpreendemos a emergência de conceitos, cujo sistema é aberto, e cuja
dialética, nas condições atuais do mundo, repousa na forma hegemônica e nas
demais formas de racionalidade. No quarto momento, o reconhecimento de
racionalidades concorrentes, em face da racionalidade dominante, revela as
novas perspectivas de método e de ação, autorizando mudanças de perspectivas
quanto à evolução espacial e social e aconselhando mudanças na epistemologia da
geografia e das ciências sociais como um todo.
Esses quatros darão as
quatro grandes divisões, cuja arquitetura prevê quinze capítulos.” (p. 20)
Eis o plano do trabalho, agora, se a dedicação sobretudo
ao primeiro momento, expressa na redação da introdução, decorre do seu caráter
estratégico para a exposição , por que Milton Santos trata de forma tão ligeira os três momentos
seguintes? Poder-se-ia, ao menos, explicitar de que forma a questão do objeto e
ação (primeiro momento) se articulam à forma-conteúdo (segundo momento). Ainda
, no quarto momento, racionalidade dominante .... racionalidade concorrente ...
(uma espécie de luta de classe dita de outra forma) ... por que isto só aparece
ao término da introdução ?
Primeira
parte – uma ontologia do espaço : noções fundadoras (p. 23-88)
Capítulo
1 – as técnicas , o tempo e o espaço geográfico (p. 25-49)
Assim começa – “É por demais sabido que a principal forma
de relação entre o homem e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio , é
dada pela técnica ...”
Ora , se eu tivesse afirmado .... a principal forma de
relação entre o homem e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio , é dada
pela morte ! Ou seja, nós seres humanos somos teleológicos, buscamos fins, ao
fim e ao cabo o que nos inquieta é a nossa fabilidade. Somos falíveis,
perecíveis, e a nossa relação com o entorno tem esta marca.
Ou ainda, é sabido que a principal forma de relação entre
.... por que sabido ? Quem o fez saber o que ele sabe ? Milton adota critérios
para se valer da técnica como elemento que norteia a relação com o meio, mas
ele não pode simplesmente dizer ....
como é sabido ... Parece estarmos diante
de uma lei da gravidade!
Enfim, entre homem e meio não há determinação ! No
momento que se opta pela técnica, perspectiva legítima, há de se introduzir o
tema , ao menos, afirmando, olha ... na minha perspectiva a técnica é ...
Ainda, ele assinala que a técnica são técnicas que são um
conjunto de meios com o quais realiza a vida. Ora, antes do arsenal técnico,
existe a indagação, a preocupação, a inventividade, a técnica em si não é
suficiente!
Retire a alma de um povo e a técnica perde todo o valor;
por exemplo, os incas , maias e astecas, civilizações americanas avançadas ao
seu tempo, mas quando os espanhóis lá aportaram o apogeu já não era mais o
mesmo. A técnica continuava existindo,
mas o animo, a força moral, a justificativa dos atos já esmorecia, assim,
perderam a guerra diante de um grupo tão minoritário representado pelos
espanhóis.
No item – A
negligência com as técnicas (p. 25-32) – começa afirmando de forma bem
razoável, a saber, que nos estudos das técnicas “...esse fenômeno é freqüentemente analisado como se a
técnica não fosse parte do território, um elemento de sua constituição e da sua
transformação”. (p. 25). Em seguida ele começa a elaborar um valioso
levantamento sobre o tema e muito particularmente como a geografia chegou, ou
não , a tratar do tema. Ao longo da redação , ele vai elaborando uma dada
percepção , valiosa, de que forma a questão da técnica há de ser incorporada
pela geografia.
Não houvesse o livro iniciado pela forma como foi, tipo
.... ontologia do espaço ..., mas se propusesse ser uma reflexão sobre o espaço
a partir da consideração da técnica, estaria assim traçado um campo mais
limitado, certamente, mas não tornaria o trabalho alvo de incompreensão! Ou
seja, a propriedade de se analisar a questão da relação espaço x técnica é primorosa, inquestionável, de grande valia;
porém, quando a mesma vem precedida por um discurso ... olha, o assunto aqui é
ontologia do espaço ...
Nesta parte do trabalho, o da relação espaço x técnica ,
caberia uma consideração de que forma Milton Santos a realiza; porém,
consideração crítica sobre tal relação não a farei porque tenho muito o que
aprender com ele sobre o tema. Cabendo a outros fazer. Quando , por exemplo,
realizava meu curso de doutorado na UFRJ (1995-1998), um colega chamou-me a
atenção da diferença/conflito entre ele e outros autores como David Harvey e
Edward Soja . Aí é briga de gende grande. Enfim, o que pontuo aqui são observações
a partir do que o próprio texto sugere à pessoa refletir. A abertura do livro,
sua introdução, coloca a envergadura da obra num patamar, mas ao curso dos
capítulos seguintes temos itens muito mais bem amarrados, como é o caso deste
capítulo referente à técnica e território. Tenho a impressão que a obra – A
natureza do espaço – é uma obra inacabada, incompleta! Sigamos !
Na página 39 há uma reflexão interessante , a saber :
“De um modo geral, é por falta de uma
epistemologia, claramente expressa, que a própria geografia tem dificuldade
para participar em um debate filosófico e interdisciplinar. Ao nosso ver, essa
é a razão pela qual especialistas de outras disciplinas, não sabendo claramente
o que fazem os geógrafos, renunciam a incluí-la nos seus próprios debates. O
que faz falta, aliás , seria uma metadisciplina da geografia , que se inspire
na técnica, isto é, no fenômeno técnico e não nas técnicas, na tecnologia”.
Bom, esta crítica da geografia padecer de uma lacuna
epistemológica a escuto desde a graduação. Parece-me que está na hora de
colocarmos isto em dúvida.
Reparem que, até onde sei, um biólogo tem pouca
preocupação epistemológica com seu objeto de estudo, nem por isto o biólogo
deixa de ser convocado naquilo que é próprio de sua área. Enfim, ao contrário
da biologia, o que se nota na geografia não é tanto uma carência epistemológica
... mas sim que nosso campo de estudo e trabalho vem sucessivamente invadido
por outras áreas. A geografia de Humboldt, concebida à época, ia desde o sistema solar até as
característica do solo. E este espectro veio a ser paulatinamente tomado por
várias especialidades. Mais ou menos isto se deu com a filosofia; à época do
pensamento clássico grego, o filósofo também era cientista, o discurso sobre o
ser não o eximia do senso de estrutura da realidade tal qual se apresentava, um
exemplo deste perfil é Aristóteles. Porém, com
o tempo. a ciência se distancia da filosofia (refiro-me ao século XIX) !
O cientificismo ficou em voga !
Enfim, não responsabilizaria, no caso da geografia, a carência da epistemologia ... como se a pouca expressão da geografia
decorresse de um processo interno da
disciplina, que não fez um dado dever de casa num dado momento.
Entendo
que há elementos históricos que tornaram a geografia afeita a algo cada vez
mais semífluo, superficial , como a própria descrição da superfície da terra.
Se lemos, por exemplo, Geographia
dell’uomo de Friedrich Ratzel (versão italiano ) (1898) fica claro o quanto
de teoria o mesmo dominava! O mesmo podemos falar de Vidal de La Blache.
De
qualquer forma, a consideração de Milton Santos de que a ausência da geografia
no debate sobre técnica fez com que uma visão espacial da mesma ficasse faltando
é extremamente pertinente. Agora, achar que esta ausência da geografia na
discussão decorra de uma carência epistemológica .... sinceramente, vejo isto
muito mais como sintoma do que causa, ou
seja, à medida que a geografia veio a ser “encostada” por outros campos de
saber, sua elaboração teórica
empobreceu. Enfim, ao contrário do que Milton Santos observa , entre
outros, assinalo a necessidade de
acompanharmos a evolução histórica de nossa disciplina e como esta veio a ser
traduzida, tragada, diminuída ao longo da proliferação científica ao longo do
século XIX. Nos falta uma arqueologia do saber geográfico!
Capítulo
2 –
O Espaço : sistemas de objetos, sistemas de ação (p. 50-71)
Já
no capítulo dois do livro, há um começo pelo qual se tem definição de sistema
.... (repare que ele começa definição do espaço enquanto sistema, tal
como o fez na introdução do livro, porém, em vez do tema, espaço-sistema,
compor logo o primeiro capítulo, ele fica no segundo, por que ?
A
rigor, a noção precede a noção de tecnologia, porém esta, no curso da
redação do livro vem em primeiro. Acaso, sistema
é uma tecnologia ? O espaço não passa de uma tecnologia ? Sendo afirmativas as
respostas, não se subtrai do espaço uma noção cultural do mesmo ?
Ainda,
o capítulo 1, sobre tecnologia, assim como o capítulo 2, do sistema, estão
inseridos na Parte 1 do trabalho intitulado Uma ontologia do espaço : noções
fundadoras. Ora, ontologia de algo cuja noção fundamental é técnica, procede ?
Afinal, o que é ontologia para ele ? Ele não se deu o trabalho de explicitar
isto num momento crucial de seu livro. Este proceder abre espaço para o
arbitrário, a não definição nos leva a sucessivos alargamentos do sentido que
suas palavras podem ter.
Capítulo
3 –
O espaço geográfico , um híbrido (p. 72-88)
No
capítulo três, Milton Santos analisa o espaço geográfico com algo híbrido. Recorrendo novamente ao
Dicionário Houaiss (2009), temos por definição algo que decorre de uma mistura
por força das diferenças entre os elementos que o geraram. Bom, falar do espaço
geográfico como um híbrido, é algo que procede. !
Mas,
o que chama a atenção neste capítulo é a discussão sobre intencionalidade. De
certo modo tal discussão contrasta e enriquece o que foi discutido no capítulo
anterior sobre sistema de objetos e ações. Enfim, Milton Santos destaca no
terceiro capítulo um componente que nos remete a uma dimensão mais cultural do
espaço, algo que se nos aferrarmos a sistema não fica tão claro.
Reparem
que novamente sobressai a impressão de que o livro veio a lume antes da hora.
Não sei se isto tem relação com a descoberta do autor estar com câncer ; no
receio de que não pudesse contar com muito tempo, ele precipitou a edição do trabalho.
Na
leitura da sequência dos capítulos, nós temos um pensamento em ebulição, algo
muito natural, porém, a redação desta mesma ebulição há de ter um aspecto mais
didático do processo da pesquisa, caso contrário , a pessoa se vê volta e meia
diante de afirmações que de certo modo destoam de uma sequencia lógica de
apresentação do tema.
Segunda
parte – a produção das formas-conteúdo (p. 89-133)
Capítulo
4 –
O Espaço e a noção de totalidade (p. 91-103)
De
que maneira a totalidade se relaciona com o que até aqui foi exposto ?
Totalidade, per si, não totaliza a discussão ? Não a finaliza ?
O
que é curioso que ele começa o capítulo abordando a questão da totalidade, mas
já no segundo parágrafo (da mesma página (p.91)) ele observa que ela vem sendo
tratada de duas formas, na primeira, o fato geográfico como fato social .... A
rigor, quem trata do fator geográfico não trata da totalidade, trata do fator
geográfico.
Na
minhas antigas lições sobre o marxismo, a ideia de totalidade tinha a ver com
uma noção do todo social (envolvendo economia,
política ...) enfim, o fato geográfico havia de vir destituído do
qualificativo geográfico, ficando apenas fato, talvez por aí ensejaríamos uma
discussão sobre totalidade.
A
questão é – uma visão disciplinar é suficiente para açambarcarmos a totalidade
?
Novamente,
na leitura do capítulo nas páginas seguintes nos vemos inseridos na torrentes
das palavras ... totalidade estruturada ...
totalidade em movimento ...
Ora, totalidade é totalidade , não permite
adjetivo. Uma totalidade em movimento
significa dizer que ela o é, mas por força do movimento deixa de ser para ser
outra coisa. Se não fosse assim, ou
seja, sempre fosse, estável, não se permitiria a noção de totalidade em
movimento. Agora, sendo a totalidade em movimento, esta, a rigor, não é
totalidade, é algo, mas não totalidade.
Não
raro a profusão das palavras compromete
a clareza do que Milton Santos de fato aborda!
Na
p. 97 da edição adotada, ele fala em atualidade, e a considera como
“...realização do interesse objetivo do todo”. Ora, o todo tem objetivo ? O
todo assim o é ! A noção de totalidade exclui uma noção de particularização
quando pensamos em objetivo deste todo. O todo não objetiva, o todo assim o é !
A
questão , caros leitores, é factível pensarmos em totalidade em algo tão
transitória quanto a realidade humana ? Não seria o caso de abandonarmos a
noção de totalidade ? Milton Santos valoriza esta noção, a totalidade, mas no
curso da sua análise , constantemente
vai particularizando, tematizando. Não é ruim, particularizar ou tematizar, mas
o inadequado é este processo ocorrer impulsionado por uma noção de totalidade
que a rigor não existe ! Não há na realidade humana uma perpetuação a qual
possamos chamar de totalidade sem negarmos o que por ela apreendemos nos
momentos seguintes. O todo é instante que se pereniza ! No todo não se admite
sequência . No todo não se admite algo em movimento porque na sequência do vir
a ser encontra-se a negação de que há todo ! No
todo não se admite coisa nova, há um eterno presente, se há coisa nova,
então o que havia não era todo.
Capítulo
5 –
Da diversificação da Natureza à Divisão Territorial do Trabalho (p.
104-113)
Capítulo
5 – parece ser um dos capítulos mais fecundos , passível de trazer
desdobramentos muito úteis no assim velho paradigma da geografia que relacionava
o mundo físico com o humano.
Capítulo
6 –
O Tempo (os eventos) e o Espaço (p. 114-133)
O
capítulo 6 é interessante , em que pese algumas colocações soltas, por exemplo,
na página ele observa .... “A ordem espacial é a ordem geral, que coordena e
regula as ordens exclusivas de cada tempo particular. Segundo Leibniz (1695) ,
o espaço é a ordem das coexistências possíveis.” ... É uma citação solta, ao
menos na bibliografia ele indica ser a obra reeditada com a data de 1994 , mas
, qual a página de Leibniz que ele cita? Ele cita e já parte para outro autor e assunto, como se
Leibniz viesse a merecer só isto . Enfim, ou citasse e aprofundasse o tema, e
Leibniz é uma leitura muito rica (ele trás um
contraponto a Descartes, por exemplo), ou simplesmente, não o registrasse porque fica
algo muito superficial.
Outro
momento, também, é a sua citação de Einstein em
nota na página 130? Por que
Einstein ? Este é um físico, quando ele fala em
evento, em que pese o termo ser o mesmo , isto significa o que Milton
Santos vem trabalhando ? Nas últimas sete linhas da página 130
Milton Santos cita três pessoas bem dispares, haveria congruência entre eles ?
Terceira
parte – por uma geografia do
presente (p. 135-247)
Adentrando a terceira parte do livro que tem por título –
Por uma geografia do presente.
Ora, resgatando, na primeira parte tivemos – Uma
ontologia do espaço : noções fundadoras ; na qual foram incluídos capítulos
referentes à técnica, tempo, espaço e espaço geográfico; na segunda parte
tivemos – A produção das formas-conteúdo , na
qual foram incluídos capítulos referentes ao espaço e a totalidade,
diversificação da natureza à divisão
territorial do trabalho, o tempo e o
espaço.
Agora, na terceira parte, temos os seguintes capítulos –
o sistema técnico atual, as unicidades
(inteligência planetária), objetos e ações , meio natural ao meio
técnico-científico-informacional, por uma geografia das redes, horizontalidade e verticalidades, e
por fim, o capítulos sobre os espaços da
racionalidades.
Por esta breve retomadas
das partes componentes fica nítido
que a obra não foi escrita com um
início, meio e fim. Esta se contorce, volta a
temas anteriores, recupera perspectivas, introduz novas análises, enfim,
é um obra em processamento. Muito me leva
a crer que foi uma obra que, por
algum motivo, ele precipitou sua redação!
Capítulo
7 – O sistema técnico atual (p. 137-50)
Sobre o capítulo 7 que pertence à terceira parte, temos
uma reflexão sobre técnica, o que lembra o próprio inicio do trabalho
(capt. 1) . No capítulo 7 se tem uma sistematização histórica sobre o tema,
enquanto que anteriormente o aspecto vinha
mais na forma de perspectiva, ou seja, como olhar e por que olhar para a
técnica tendo em conta a reflexão sobre a geografia.
Cada técnica uma
nova sociedade, uma nova noção de tempo,
e, segue seu esforço, cada técnico reconfigura o espaço! E no bojo da abordagem, ele já antecipa alguns temas
que virão a ser melhor aprofundados adiante, quando trata da questão da
racionalidade.
A originalidade de se tratar da técnica porque nela ele visa encontrar espaço e o modo como se reconfigura por força destas
mesmas mudanças técnicas. É um notável esforço !
Capítulo
8 – As unicidades : a produção da inteligência planetária (p. 151-69)
No capítulo 8, o
tema é política, versando sobre gestão em escala planetária. Mas o
capítulo inicia o assunto segundo um olhar relacionado à inteligência, ou seja,
a inteligência que ganha mundo, que
reflete o mundo, a ciência que há de cumprir o papel de ter instâncias próprias
que capacitem às pessoas entenderem o
governarem o mundo. Assim, o capítulo é sobre política mas sob um dado olhar.
Esta reflexão planetária, este arcabouço científico, há
de considerar um unidade global. A
unicidade tem relação direta com a técnica, esta une a todos; transforma todos
em um. Há um único mundo, único sob a ordem do tempo, sob a ordem social e econômica.
O mundo está coeso, coeso não de forma pacífica, mas
gerida sob um dado ditame, modelo, ritmo enfim.
Para destacar este ponto,
de forma brilhante, ele recorre ao contraste dado pelo passado, ele resgata um passado
pelo qual realça as tendências atuais.
Capítulo
9 – Objetos e ações Hoje. As Normas e o Território (p. 170-85)
No capítulo 9, voltamos ao início do livro. Algo já aqui
destacado, a obra vai ... e volta ! Não
dá para lê-la como um romance ,
início, meio e fim !
No capítulo 9, Milton Santos recupera algo que lhe é
muito caro que é a discussão metodológica em geografia. É a discussão já
realizada, mais do mesmo, porém, com um pouco algo mais ! A reflexão do Milton
cresce, mas ao leitor novato é uma forma de apresentação particularmente dura.
Não precisando ser assim, há obras clássicas como Contrato Social de Jean Jacques Rousseau
que é nitidamente clara! Mas enfim ...
No capítulo 9 do Milton temos uma digressão sobre objetos e ações, que seriam, a acreditar
no início do trabalho, a porta de entrada de seu métodos. Ocorre, no
entanto, este capítulo se encarrega de esclarecer que objetos e ações não são
aquilo que costumeiramente poderíamos entender como objetos e ações. Estes, no olhar de Milton Santos,
assumem um formato peculiar porque ambos têm implícitos a dimensão do tempo. Do
tempo e da norma!
Ele qualifica esta
transformação do sentido dos objetos e ações tendo em conta a
própria evolução técnica , tal como
abordada no capítulo 8.
O que é objeto ? O que é ação ?
Não é algo pacífico, correspondem a processos !
Mas o curioso, e Milton Santos assinala de forma
brilhante, este processo é normatizador! As
ações, os objetos, este fluir compreende o gerir !
Este trabalho do Milton Santos lembra um outro, do
cientista Renee Dreifuss sobre a contemporaneidade; em ambos, nota-se
claramente a necessidade em
reconceituar, em ter novos vocabulários,
tendo em conta o desenho de um novo que
implica em nuances que até então não se vislumbrava.
Renee tem aspecto mais
cartesiano, ou seja, o vocabulário se
diversifica almejando dominar a racionalidade, já no texto do Milton há uma
certa poesia, ou seja, uma maneira
de tentar a totalidade, o mundo atual de
uma forma que de antemão se sabe que as
palavras não são suficientes; assim, ele brinca, joga com
os termos, os lança e os desdiz , como a
mostrar que não cabe se fiar nas palavras
porque estas se mostram insuficientes !
Capítulo
10 – Do meio natural ao meio técnico-científico-informacional (p. 186-207)
O capítulo 10 tem um caráter informativo, diria didático,
constituindo uma diferença do tempo dominado pela natureza, ainda, do tempo já
dominado pela técnica, e , por fim, no nosso tempo, quando a informação é
recurso.
O comentário que se aplica, não versando o texto do
autor, mas considerando o que ele aborda
: visão da informação enquanto recurso;
claro que Milton não é o único a pensar assim, mas o tema é simplesmente
revolucionária para a geografia. Do meio natural, o recurso era tangível,
passível de comprimento e altura. Já a
informação .... , como medirmos este
recurso ? A questão é – sendo a informação recurso, que é o desenvolvimento
desta nova geografia ?
Capítulo
11 – Por uma Geografia das Redes (p. 208-22)
De certo modo, o capítulo seguinte, capítulo 11 – Por uma
geografia das redes – nos faculta uma resposta.
É um dos melhores capítulos, o que reforça a ideia sobre
este livro do Milton (assim como a
Bíblia, sic!) que não pode ser lido de forma corrente , do início ao fim. Há
uma espécie de calidoscópio que para ser melhor compreendido e utilizado convém
que a leitura se paute em necessidades de momento do próprio leitor, com o tempo , com vagar, dominando a riqueza que encerra o mencionado
livro. Tal como ocorre com a Bíblia!
O referido capítulo trás uma oportuna discussão sobre
rede. É capítulo com envergadura. São
partes concisas que trazem em seu bojo ricos pontos de reflexão, tais como, por
exemplo, a questão do tempo (p. 212-213) .
Fora a rica discussão sobre o tema propriamente dito, a
rede!
Porém, ao contrário da expectativa criada ao terminarmos
a análise do capítulo 10 , quando
indagávamos se o Milton Santos nos propiciaria uma
reflexão sobre a informação enquanto
recurso, isto não ocorre no capítulo 10! Aliás, é forçoso observar, a
obra do Milton Santos é irregular! Levanta temas, traça descobertas ... A Natureza do Espaço do Milton Santos é
uma obra inacabada!
Inacabada por força
de um lançamento prematuro da mesma pelo autor, ou inacabada por força
do próprio tema em pauta que se encontra em formação ?
Convém lembrar que o autor na introdução de seu outro
livro – Por uma geografia nova – assinala que aquele volume lançado
inicialmente em 1978 era considerado como o primeiro de um conjunto de mais
quatro outros volumes voltados para o Espaço humano. Projeto que não logrou o
devido sucesso, mas certamente a presente obra em análise é fruto de um
contínuo esforço do Milton em refletir sobre o espaço. Em resumo, estamos
diante de um esforço constante de um de nossos mais brilhantes geógrafos
brasileiros na reflexão sobre o espaço!
Ele
elaborou um trabalho inspirador que vai na direção de uma filosofia da
geografia.
Capítulo
12 – Por uma Geografia das Redes (p. 223-29)
Este capítulo é o
mais curto do livro, com exatamente 7 páginas ! Versa sobre o vertical e
o horizontal!
Um autor próximo ao pensamento de Milton é Martin Lu (p.
224-5) , este considera a integração funcional decorrente de processos
produtivos cujos fluxo percorrem o
espaço hierarquicamente e integração territorial, este é tido como resultado do
processo de consumo que também hierarquiza o espaço. O seu ponto de partida é o
espaço econômico, o espaço das firmas.
Milton Santos tem como base o espaço banal, o de todas as pessoas, empresas e
instituições, de forma a ser descrito como um sistema de objetos animado por
um sistema de ações.
Há uma complexidade em curso, não havendo propriamente
pontos contínuos, mas descontínuos, há também os interligados; daí destacar a
noção de sistema. Neste, por este, visualizemos as subdivisões, nossas categorias analíticas hão
de considerar estas situações.
Ele cita o exemplo da relação campo/cidade , sua
complexidade na qual o sentido de vertical e horizontal enseja uma percepção de
sistema. Não se visualiza simplesmente o horizontal e o vertical, se tem um
processo mais complexo, sistêmico. “Nas condições atuais do meio
técnico-ciêntifico, os fatores de coesão entre a cidade e o campo se tornaram
mais numerosos e fortes.”
Tal situação leva à sociedade um desafio, o de não mais
operar suas reivindicações alheia ao caráter sistêmico no qual está inserida.
Por fim, como reparo ao capítulo em tela, ao contrário do
que induz Milton Santos ao creditar a noção de racionalidade de Weber como
racionalidade capitalista, o tema da racionalidade em Weber vai muito além do
capitalismo, inclusive Max Weber visualizava na própria expansão do socialismo
não a superação da racionalidade, mas
seu aprofundamento! Seu biógrafo – John Patrick Diggins ( em Max Weber – a
política e o espírito da tragédia. São Paulo: Ed. Record , 1999) enfatiza bem
este ponto.
Capítulo
13 – Os Espaços da Racionalidade (p. 230-47)
Capítulo 13 – é um arguto e instigante capítulo, parte de
uma consideração sobre racionalidade, racionalidade capitalista. Racionalidade
considerada e analisada por Max Weber e Jürgen Habermas e como a mesma pode ser
transposta para o espaço geográfico. Em
si uma questão intrinsecamente fértil e desafiadora.
Após considerações
sobre a racionalidade , e muito miudamente a consideração do papel representado pela
tecnologia; o espaço racional seria
aquele na qual “...cada peça convoca as demais a se por em movimento, a partir
de um comando centralizado”(p. 240). Uma lógica de natureza artificializada que
se contrapõe a uma ordem natural. Este estado de coisa estaria alterando o
próprio sentido de se conceituar o espaço, por exemplo, quando da análise
das regiões, se mencionava dependência
regional, hoje não mais seria assim utilizada tal visão porque , a rigor, há
uma racionalidade em curso, um processo ordenador que constitui uma mecânica
que atinge a tudo e a todos; não seria tanto a hierarquia, o pólo, mas a
constituição de uma urdidura, um espaço
controle que a todos abrigaria e submeteria. Enfim, trata-se , pela
racionalidade, de se considerar outros parâmetros na gestação do espaço. Assim, não haveria
diferença entre campo e cidade, por exemplo. Haveria um fio condutor entre
ambos, o da racionalidade, porém, no
caso da cidade, o fabrico, a injeção, a promulgação desta racionalidade seria
mais cara, envolveria mais investimento.
Quarta
parte – a força do lugar (p. 250-71)
Capítulo
14 – O Lugar e o Cotidiano (p. 251-65)
Capítulo 14 –
começa com uma frase definidora do capítulo – “Nas atuais condições de
globalização, a metáfora proposta por Pascal parece ter ganho realidade : o
universo visto como uma esfera infinita, cujo centro está em toda parte ... O
mesmo se poderia dizer daquela frase de Tolstoi, tantas vezes repetida, segundo
a qual , para ser universal, basta falar de sua aldeia...” (p. 251)
A hierarquização se transforma, há vários polos. O
sentido de matéria também, cada qual encerra
diferentes dimensões (por exemplo, um celular que carregamos, ele já é um escritório em miniatura, uma biblioteca em miniatura, uma tv em
miniatura, uma ... inclusive ele te
localiza via satélite). Somos um, mas englobamos muitos !
No bojo do
processo há um fenômeno propriamente urbano; a metrópole deixa de ser o polo, o centro, o topo; a cidade se
universaliza. A partir deste olhar da cidade, Milton Santos apresenta uma
instigante observação, a saber – “Quem, na cidade, tem mobilidade – e pode
percorrê-la e esquadrinhá-la – acaba por
ver pouco, da cidade e do mundo. Sua comunhão com as imagens, frequentemente
pré-fabricadas , é a sua perdição. Seu conforto, que não desejam perder, vem
, exatamente , do convívio com essas imagens. Os homens “lentos”, para
quem tais imagens são miragens, não podem, por muito tempo, estar em fase com
esse imaginário perverso e acabam descobrindo as fabulações.” (p. 260/261) !
No curso de sua reflexão, ele menciona o totalitarismo da
racionalidade, ainda, a rotina da cidade é permeada por uma mecânica rotineira.
Enfim, há um encurralamento da elite que fica refém de si mesma, perdendo o seu
poder de trazer algo novo ! Neste
contexto, a elite é menos elite! Tragada pela rotina, pelo mecanismo já
manietado por um software .
Assim, a esperança está nos pobres ! Menos compromisso, menos alienação,
menos engajamento, menos afeito
a seguir uma rotina, enfim, no pobre você ainda pode capturar o humano e
respectivo poder criativo, inventivo, propositivo ! [3]
Outro aspecto instigante do capítulo decorre de seu tratamento à migração ! Nosso
tempo é o da migração, todos se locomovem ! O contraste é dado pela residência,
um lugar fixo, um lugar da memória.
Precisamos da fixidez! Dependemos que nosso viver contenha espaço de
nosso ser na forma urbana. Nossa história há de ter um formato urbano.
Reconstituirmos nossas vidas ao nos recordarmos a partir dos lugares. Não podemos prescindir do
fixo, de uma residência, de uma memória que um lugar nos proporciona;
esta herança urbana, esta memória na
forma de urbe , nos faculta uma maneira
de apreender a vida, de se aprender a viver !
Queres conhecer uma pessoa ... considere seu espaço !
Este tanto informa por ser fixo/memória
, assim como induz alguém a ser uma nova
pessoa por ser movimento. Espaço, simultaneamente, fixo e movimento !
Capítulo
15 – Ordem Universal, Ordem Local : resumo e conclusão (p. 266-71)
Ele termina o trabalho destacando a dimensão da
ordem !
Uma ordem cada vez mais capilarizada ! Uma ordem
cada vez
mais disseminada, reconstituindo assim uma nova espacialidade. Neste
sentido a natureza do processo é este
processo, esta dinâmica, ou seja,
sua definição se redefine. Não há
propriamente o ser espaço. Não se é possível perceber espaço numa perspectiva
metafísica. O espaço é este fluir histórico! O
seu ato de ser é sendo.
Conclusão da leitura
realizada (escolha a preferida)
Opção A -
Concluo o trabalho de forma incompleta. Assim, entenda-se
o presente texto como um ponto de
partida para uma discussão que
certamente haveria com ele, se ele estivesse vivo.
A
impressão que tive ao ler Natureza do espaço de Milton Santos foi semelhante a
que tive ao ler Palavras e as coisas
de Michel Foucault e O método de
Edgar Morin.
Entre estas obras o parentesco é o de não terem
consideração pela palavra, ou seja, as palavras não são o que poderia se
esperar que elas fossem. Há nos textos uma certa ambiguidade no teor das
palavras, elas nunca são exatamente o que o dicionário possa delas definir. Há
uma subversão da linguagem. Há uma comunicação subliminar.
Não é algo que não deixa de ter um paralelo ao campo das
artes, por exemplo.
Duchamps é um fenômeno que não se explica pelo seu valor
pictórico mas seu valor inventivo.
Esta parece ser também a característica comum das três
obras acima mencionadas, ou seja, a palavra não está ali para representar uma
ideia (tal como as cores faziam no passado em relação a um quadro), sua função
é o de ser suporte de uma elucubração que mal se sustenta nas palavras que usa,
agora, a questão é - haveria limite na palavra para traduzir o que se procura
comunicar ou porque a ideia é em si não clara e a situação também
não se faz clara com as palavras que utiliza ?
Não foram poucas as obras clássicas do pensamento humano
que se mostraram claras, por exemplo, República de Platão , Contrato Social de
Jean Jacques Rousseau ou Capital de Marx. Mas as que menciono acima não são
claras, por que ?
Opção B -
A obra - A natureza do espaço, segunda edição de
1997 editado pela editora paulista Hucitec – não constitui um livro, mas uma
coletânea.
Quem
já se deu o trabalho de ler a Bíblia de ponta a ponta conclui que é uma tarefa
de pouca serventia porque cada livro que a compõe é um mundo; em que pese
ocorrer um fio condutor claro. Ora, algo semelhante ocorre com este livro do
Milton Santos . Não é factível de buscar nele a Natureza do Espaço, mas certamente, com toda plausibilidade, a obra
serve como uma fecunda fonte de inspiração para tratarmos da natureza do
espaço.
O
término da leitura do Milton Santos
nunca nos deixa igual ao a iniciarmos. É um autor inquieto e inquietante.
A leitura do livro A
Natureza do Espaço de Milton Santos é de característica obrigatória a
todos os geógrafos brasileiros. Porém,
para que esta leitura seja profícua é necessário uma metodologia na leitura.
Quem ler o livro
tal como se lê Guerra e Paz de
Tolstoi ou Guarani de José Alencar,
adotará uma abordagem inadequada. Estes dois romances tem início, meio e fim;
porém, a obra de Milton Santos vale muito mais pelo o que não está escrito;
vale pelo que a obra instiga na pessoa, ele força uma criação pessoal, ele
desafia a pessoa!
Enfim, é uma obra instigante, desafiadora, séria,
envolvendo uma grande bagagem de leitura, mas convém um foco que se assemelha à
política do salame ! Ou seja, a política
do salame representa a atitude de quem se encontra diante de um desafio ,
um enorme desafio (um
salame) e que para enfrentá-lo
segue em fatia em fatia,
pedaço por pedaço. Se a pessoa pretender realizar uma leitura
proveitosa do livro Natureza do espaço, primeiro, gere para si uma questão e escolha dos capítulos aquele
mais próximo ao tema escolhido, e à
medida que for lendo e compreendendo vá se expandindo para os outros capítulos.
É necessário uma leitura não retilínea da obra, esta que eu realizei !
Acredito que este
método, a política do salame, enseja uma
procedimento mais profícuo desta obra. E chegando a realizar o que Milton
Santos em vida sempre insistiu com os mais próximos, a saber :leiam,
pensem, pensem por conta própria !
Caríssimos, trata-se de um belo livro ! De leitura
obrigatória a quem é da geografia, muito particularmente a quem é da geografia
brasileira. Convém destacar que A natureza do espaço – técnica e tempo,
razão e emoção foi escrita por um
brasileiro baiano que firmou sua carreira acadêmica no Estado de São Paulo. Uma bela
mistura.
Mas,
não procure encontrar respostas acabadas, mas sim meias respostas sendo a outra
parte cabendo a você completar. Pense ! Este livro nos leva a pensar !
Bibliografia
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etapas do pensamento sociológico . Trad.
Sérgio Bath . São Paulo : Martins Fontes, 1982.
EVANGELISTA , Helio de Araujo – Geografia teorética, um registro . Revista geo-paisagem (on line) ano 6, n. 12, 2007 em Revhttp://www.feth.ggf.br/Geoquant.htm
DIGGINS, John Patrick –
Max Weber, a política e o espírito da tragédia. Trad. Liszt Vieira e Marcus
Lessa . Rio de Janeiro : Ed. Record , 1999.
FOUCAULT, Michel - As palavras e
as coisas: uma arqueologia das ciências humanas , 6ª edição ( 1ª ed. em francês
em 1966 ), trad. Selma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 1992
HARTSHORNE, Richard Propósitos e natureza da Geografia , trad.
de Thomaz Newlands Neto. São Paulo: Ed. Hucitec, 2ª edição, 1978
HEIDEGGER, Martin – Ser
e tempo. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback . 4. ed. Petrópolis : Ed. Vozes, 2009.
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MORIN, Edgar - O método - a
natureza da natureza, tomo 1 ( edição em francês de 1977 ), trad. Maria
Gabriela de Bragança. Portugal: Publicações Europa-América, 2ª edição.s/d
PLATÃO – A república .
Rio de Janeiro : Edições de Ouro s/d .
RATZEL , Friedrich – Geographia dell` Uomo. Turim
s/d, 1898.
ROUSSEAU, Jean Jacques
– O contrato social . Rio de Janeiro : Edições de Ouro s/d ,
SANTOS, Milton – A
natureza do espaço, 2. edição. São Paulo : Editora Hucitec , 1996.
_____________ Por
uma geografia nova. 3. edição. São Paulo
: Editora Hucitec , 1986.
[1] Cabe aqui uma oportuna passagem da obra – As etapas do pensamento sociológico – do sociólogo Raymond Aron quando à p. 474, após a análise de Vilfredo Pareto e estando a analisar Max Weber, assim escreve – “... As proposições históricas ou sociológicas são proposições de fato, que não tendem, de modo algum, a atingir verdades essenciais. Max Weber diria , como Pareto, que os que pretendem apreender a essência de um determinado fenômeno vão além da ciência. As proposições históricas e sociológicas tratam dos fatos observáveis, e visam atingir uma realidade definida, a conduta dos homens, na significação que lhes dão os próprios atores.”
[2] O fato do autor já ter tratado do tema anteriormente não o eximi de ter de tratar do tema novamente, até por uma questão de deixar mais claro o seu pensamento.
[3] Ao escrever estas linhas, as faço no mês de junho de 2013, justamente no período que o Brasil se vê chacoalhado pelas mobilizações que contaram com mais de um milhão de pessoas com atuação em mais de 100 cidades.