Revista geo-paisagem (on line)

 

Ano  4, nº 7, 2005

 

Janeiro/Junho de 2005

 

ISSN Nº 1677-650 X

 

Revista indexada ao Latindex

 

 

 

 

 A TRANSNACIONALIZAÇÃO DO GRUPO ANDRÉ MAGGI A PARTIR DO CERRADO MATO-GROSSENSE

 

 

Carlos Alberto Franco da Silva[1]

Resumo

Este artigo objetiva desvelar as práticas socioespaciais de Blairo Maggi, ao longo do processo de inserção do Grupo André Maggi nos circuitos produtivos, mercantis e financeiros, nacionais e globais, a partir de sua participação no avanço da fronteira da soja sobre áreas previamente do cerrado mato-grossense.

 

Palavras-chaves: corporação, cerrado, Mato Grosso.

 

Abstract

This article aims to show Blairo Maggi’s social and spatial practices during the integration of the André Maggi Group in financial, production and trading networks, both nationally and internationally, during its participation in the advance of the soybean frontier over which was once the mato-grossense savanna.

 

Keywords: corporation, savanna, Mato Grosso

 

 

Introdução

 

        Em áreas de fronteira, os pioneiros capitalistas são animados de um espírito de conquista de novas oportunidades de reprodução ampliada do capital. André Maggi foi um desses homens. Após participar da colonização e abertura da fronteira do oeste paranaense, ele se lançou a um grande desafio: a exploração do cerrado. Os líderes dessa marcha pioneira foram os precursores sulistas, nordestinos, mineiros e paulistas submergidos pelo programa do Estado Militar, que visava a incorporação das regiões periféricas do país à dinâmica do capital localizado nas regiões Sul e Sudeste. Por outro lado, havia interesse do capital multinacional em transferir o pacote tecnológico da Revolução Verde para o país, subordinando, cada vez mais, a dinâmica do espaço agrário ao processo de acumulação urbano-industrial.

        A rápida conquista do cerrado, a partir da década de 70, foi obra de uma política territorial do Estado, em face da crise energética mundial, da busca de superávit comercial através da criação de corredores de exportação e das rápidas transformações verificadas nos espaços agrários das Regiões Sul, Sudeste e Nordeste. A modernização da agricultura e as históricas questões fundiárias serviram de base para a expulsão de camponeses e deslocamento de agricultores capitalizados que se dirigiram do Sul e Nordeste para a Amazônia e Centro-Oeste brasileiro.

        Quando se pôs em movimento o avanço sulista em direção ao norte, dois grupos sociais se apresentavam. De um lado, uma classe de grandes fazendeiros, que dirigia empresas importantes e acumulava significativo papel político. De outro lado, a marcha pioneira formada por pequenos proprietários e sem-terra.

        Emergiram desse movimento personalidades representantes do grande capital que contribuíram para consolidar a fronteira capitalista no cerrado brasileiro. Mas esse processo não foi destituído da resistência de grupos sociais que se sentiam marginalizados, excluídos ou expulsos de suas terras. A luta pela manutenção de outros modos de vida, realizada pelos pequenos produtores, posseiros e nações indígenas, é motivo de relevância para a historicidade geográfica do cerrado. Apesar da atuação dominante dos grandes latifundiários na marcha da fronteira capitalista, a resistência ao domínio do grande capital ainda está em curso através de várias ações políticas promovidas por movimentos de trabalhadores rurais, como o Movimento dos Sem-Terra (MST), Organizações Não-Governamentais (ONG’s), igreja, etc.

        A marcha pioneira para o Centro-Oeste foi marcada pela chegada de produtores com grandes problemas em suas regiões de origem, tais como desemprego estrutural, expropriação, valorização das terras e busca de novas áreas para expansão de seus negócios, dentre outros. As dificuldades atingiam tanto os fazendeiros descapitalizados quanto os já capitalizados. E é nesse ponto que se insere a importância de André Maggi.

        Como é sabido, as fortunas são instáveis. A fraca disponibilidade de terras no oeste paranaense impedia maior dinamismo dos negócios da Empresa Sementes Maggi Ltda. Isso porque a dinâmica da fronteira agrícola estava associada à geografia, visto que em virtude dos novos desbravamentos, incorporar terras e mão-de-obra ainda era um requisito básico para o avanço da frente pioneira capitalista.

        Desse modo, para André Maggi o cerrado se projetava como espaço para o futuro da sua empresa, mesmo em face da crise financeira que ele enfrentava em São Miguel do Iguaçu. A busca de terras novas e o interesse em aumentar suas plantações excitavam seu espírito empresarial. Não pensava senão em ir adiante, para produzir ainda mais, independentemente dos comentários pessimistas de seus amigos, funcionários e familiares. Nesse sentido, André Maggi era um jogador inveterado; o entusiasmo com que se lançava em novas culturas e novas áreas revelava a necessidade de reprodução ampliada do capital.

        A fim de analisarmos sua marcha rumo ao cerrado, faz-se necessário verificar o contexto espaço-temporal das transformações por que passava o sudeste mato-grossense, no final dos anos 70, à medida que a fronteira agrícola capitalista avançava rumo à periferia nacional, inserindo áreas do cerrado na dinâmica dos complexos agroindustriais brasileiros e internacionais.

 

As transformações no espaço agrário do sudeste mato-grossense sob a égide do processo de integração econômica do território brasileiro

 

        No final da década de 70 do século XX, o sudeste mato-grossense era parte integrante das transformações da agricultura brasileira, num cenário de crise mundial e do projeto geopolítico de integração econômica do território nacional.

        A construção das rodovias federais Transamazônica, Perimetral e, sobretudo a Cuiabá-Santarém e Cuiabá-Porto Velho, serviu de base para o programa de colonização da fronteira. Se a dinâmica da fronteira agrícola capitalista era expressão da expansão da fronteira urbana, o processo de urbanização e de integração das cidades do Mato Grosso à rede urbana nacional abriu caminho para a inserção do sudeste do Estado no complexo agroindustrial brasileiro. Para tanto, o I e II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) serviram para organizar as linhas básicas para a operacionalização e funcionalidade do cerrado, de modo que esse domínio natural (sem o cerrado, evidentemente) fizesse parte da política de exportação de grãos[2].

        Desse modo, a primeira crise do petróleo e as estratégias  de incorporar o pacote tecnológico da revolução verde à dinâmica do espaço agrário brasileiro, a fim de articular cada vez mais a agricultura com a indústria, encontrou no cerrado as condições naturais e os incentivos fiscais necessários.

        No contexto do II PND, o PRODOESTE e o POLOCENTRO (Programa de Desenvolvimento dos Cerrados), criado em 1975, serviram de ponto de partida para a incorporação do cerrado ao processo de modernização conservadora da agricultura brasileira. Tais instrumentos de política territorial garantiram financiamentos para a criação de suporte físico e tecnológico adequado às transformações do cerrado. Com efeito, recursos financeiros foram canalizados para abertura de estradas vicinais, armazéns e silos, infra-estrutura de pesquisa, usinas de beneficiamento, frigoríficos, distritos industriais, e linhas de crédito rural. Na verdade, a estratégia era  viabilizar a rápida inserção de áreas cerrado, previamente desmatadas, no complexo agroindustrial brasileiro, já concentrado no eixo Sul-Sudeste.

        No início da década de 1970, a produção de soja brasileira estava concentrada na Região Sul e São Paulo. No Mato Grosso, apenas o extremo sul, em áreas da região de Dourados, a produção se destacava.

        No sudeste mato-grossense, o espaço agrário ainda tinha como suporte a pequena produção agrícola de subsistência e a pecuária extensiva. Nessa época, a renda fundiária era o principal fator de acumulação capitalista[3].

        Os incentivos do Estado através da SUDECO (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste) e PROMAT[4] (Programa de Desenvolvimento de Mato Grosso- criado em 1977) promoveram um intenso processo de ocupação do cerrado através da pecuária extensiva, para fins especulativos, em face da importância da renda da terra. No entanto, a produção do arroz já alcançava números expressivos devido à facilidade de obtenção de crédito e do potencial de fixação de nutrientes no solo. Assim sendo, a abertura do cerrado para grandes empreendimentos agrícolas teve a lavoura de arroz como carro-chefe, principalmente a partir da chegada da soja, na segunda metade da década de 70.

        Esse processo de reestruturação do espaço agrário do Mato Grosso, sobretudo no eixo Cuiabá-Rondonópolis, se expressava na forma de latifúndios, destruição da biodiversidade, uso pouco intenso das terras com a pecuária extensiva, expulsão e marginalização dos pequenos produtores proprietários e sem-terra, o que, de certa forma, agravou a questão fundiária na região, estimulando uma rápida urbanização da fronteira agrícola[5].

        Desse modo, as transformações socioespaciais em curso levaram a inserção da microrregião de Rondonópolis na cadeia produtiva e comercial do complexo agroindustrial nacional e internacional através da implantação das redes técnicas (transporte, energia e comunicações). Para tanto, o PRODOESTE liberou recursos para o asfaltamento da rodovia BR-364, no trecho Alto Araguaia-Cuiabá, passando por Rondonópolis. Além disso, o Estado, nas instâncias federal e estadual, atuou na ampliação da capacidade de armazenamento através da CIBRAZEM e CASEMAT e abriu linhas de crédito rural via Banco do Brasil S/A e BEMAT, seguidos por bancos comerciais privados. Entretanto, faltavam ainda pesquisas para determinar a melhor variedade de semente de soja para as condições do cerrado.

        Desse modo, em 1976/77, a EMBRAPA, EMATER-MT, CODEAGRI (Companhia de Desenvolvimento Agrícola de Mato Grosso), Centro de Pesquisa do Cerrado (CPAC)  e SAGRI-MT iniciaram pesquisas em campo experimentais de soja com o apoio do POLOCENTRO, no sudeste mato-grossense. No município de Rondonópolis, realizaram-se os primeiros trabalhos com a montagem de unidades experimentais, como a da Fazenda Ouro Verde.

         A CODEAGRI implantou um projeto de beneficiamento de sementes de arroz, algodão, soja, milho e feijão, de modo a atender a demanda de sementes no período de 1978/83 (Silva: 1999, p.64). Com efeito, em 1979, Mato Grosso produzia sua primeira grande safra de 3.979 toneladas de sementes e 117.173 toneladas de grãos de soja, numa área de 70.431 hectares. A partir desse momento, não só o Mato Grosso, mas também toda a Região Centro-Oeste passa a ter percentuais de participação na produção de soja brasileira cada vez maior, em comparação com as macrorregiões Sul e Sudeste.

         É exatamente nessa época que André Maggi começa a escrever um novo capítulo de sua história no cerrado de Mato Grosso.

 

André Maggi no sudeste mato-grossense: os primeiros anos em Rondonópolis

 

        Não se contentando com as fracas oportunidades de ampliação de seus negócios no oeste paranaense, André Maggi partiu, em 1979, para o cerrado. O alto preço da terra, a baixa disponibilidade de terras e a imensa capacidade de antever o futuro no presente lançaram-no ao norte do país. De início, sobrevoou de avião áreas no Amazonas, mas dada a experiência fracassada optou pela região de Rondonópolis, no sudeste de Mato Grosso. No entanto, acabou comprando uma fazenda no município de Itiquira com 2,4 mil hectares de terra (hoje chamada de SM1). Intuição, espírito empreendedor e coragem para arriscar eram fatores determinantes na sua marcha rumo ao cerrado.

        De início, André Maggi não optou por Itiquira para sede dos seus novos empreendimentos em Mato Grosso em função de o nome ser um pouco estranho (sic). Na verdade, a razão era outra: a distância de aproximadamente 100km da fazenda que comprara até a sede do município e da rodovia BR-163. Rondonópolis já apresentava uma boa-infra-estrutura para ser a sede administrativa dos negócios da Sementes Maggi na região[6]. Apesar disso, Seu André nunca morou na cidade. Quem primeiro morou em Rondonópolis foram os genros Itamar Locks e Hugo de C. Ribeiro, depois vieram Pedro Jacyr Bongiolo, Altair Fabris e outros. Blairo Maggi, seu filho, morava numa casinha na segunda fazenda adquirida em 1980, chamada SM2. Seu André tinha seu “QG”-quartel general- numa pequena casa nesta fazenda. Com o tempo, Blairo passou a morar na cidade. Mas o pai nunca fixou residência em Rondonópolis. Não tinha casa própria, visto que morava alternadamente nas fazendas SM1 e SM2, sempre dividindo as casas com os funcionários.

        Vale ressaltar que um dos segredos do sucesso empresarial de André Maggi estava exatamente em reunir um grupo de funcionários com  a mesma disposição que ele demonstrava para o trabalho. Apesar de serem obrigados a acordar, muitas vezes, às 4 horas da manhã, alguns funcionários sabiam que se a empresa crescesse eles seriam recompensados. Hoje em dia, todos os funcionários de confiança que participaram de sua saga em São Miguel do Iguaçu e Mato Grosso estão em cargos de grande importância no Grupo.

        Enquanto André Maggi vivia a maior parte do tempo nas suas fazendas, sua família trocava o campo pela cidade; as filhas foram estudar em outras cidades como Curitiba e seu filho, Blairo Maggi, graduou-se em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná, mas logo depois passou a acompanhar todos os passos do pai, como já fizera em São Miguel do Iguaçu. Ao se fixar em Mato Grosso, André Maggi raramente ia à cidade. Mas como homem de negócio, devia habitar tanto a cidade como a fazenda.

         Nessa época, a matriz da empresa Sementes Maggi permanecia em São Miguel do Iguaçu, mas o centro de decisão era André Maggi. Onde quer que ele estivesse ali era o centro de gestão territorial dos negócios. Ou seja, apesar da localização da matriz e de uma filial da empresa Sementes Maggi, a sede era o próprio André Maggi. A parte administrativa e comercial estava sendo deslocada para Rondonópolis, mas ele personificava e centralizava as decisões mais importantes.

        A decisão de investir no cerrado mato-grossense foi um dos momentos mais críticos da vida desse empresário. À época de se lançar à incorporação de terras no Mato Grosso, a situação financeira da Empresa Sementes Maggi, em São Miguel do Iguaçu, não era das melhores. Mas mesmo assim, não pensou duas vezes em expandir a escala de atuação de sua empresa. Assim sendo, André Maggi conseguiu um financiamento do ex-BRDE para a construção de um armazém. O empréstimo era subsidiado, com taxas de juros bem abaixo da inflação.

        Apesar das transformações por que passava o espaço agrário do sudeste mato-grossense, André Maggi não se beneficiou do POLOCENTRO. A compra da Fazenda SM1 se deu em função de o antigo proprietário estar com problemas financeiros junto ao Banco do Brasil S/A. André Maggi assumiu a dívida e o banco deu um prazo maior para a quitação dos encargos. Era um bom negócio, já que a área já estava aberta, i.e., desmatada, demandando menor custo de mão-de-obra.

        Enfim, o crédito rural subsidiado, que beneficiou os grandes produtores, e o prestígio político de André Maggi eram parte de um processo de valorização e concentração das terras e a sua revenda a preços vantajosos. Muitos pequenos e médios proprietários ficaram à margem dos mecanismos de incentivos fiscais e acabaram se endividando, vendendo suas fazendas e migrando para outras áreas do país.

        Na chegada de André Maggi, já havia no sudeste mato-grossense um processo de concentração fundiária em curso. Em 1975, a região  de Rondonópolis possuía 5.110 propriedades agrícolas para uma área média das fazendas em torno de 119,59 hectares. Em 1985 esses números mudaram radicalmente. O número total de propriedades caiu para 2.089 e o tamanho médio de hectares por unidade agrícola aumentou para 214,48, conforme dados do IBGE (Censo Agropecuário, 1975,1985).

        Entretanto, apesar do bom negócio na apropriação da Fazenda SM1, André Maggi teve muita dificuldade para fazer o primeiro custeio da lavoura, visto que os gerentes de bancos da região não acreditavam que a soja fosse viável economicamente. De certa forma, a produção regional da soja era muito pequena. A produção agrícola básica era a de arroz. A logística de armazenamento era toda voltada para a lavoura de arroz. Nesse momento, a abertura da fronteira agrícola em bases modernas se fazia primeiro com o arroz e, depois com a soja.

        Na fazenda SM1, que Seu André comprara em Itiquira, já havia sido plantado arroz. Numa parte da fazenda ainda havia cerrado e uma pequena plantação de café nas partes mais elevadas. Mas o café foi erradicado logo no primeiro ano em face dos custos da irrigação.

A tentativa de plantar soja nessas terras sem crédito agrícola não foi fácil. Além disso, a transposição da semente de soja de São Miguel do Iguaçu para Itiquira não podia ser automática, devido às condições  edafo-climáticas específicas do cerrado. Ao trazer sementes do Paraná para plantar em Itiquira, a primeira lavoura foi um fracasso.

        Depois da compra da fazenda, da tentativa fracassada e das dificuldades de financiamento junto aos bancos, André Maggi passou a utilizar sua infra-estrutura de produção de forma sazonal, aproveitando-se das condições climáticas para o plantio da soja no sul e no Centro-Oeste. Assim que acabava a semeadura da soja em São Miguel do Iguaçu, ele transferia o maquinário de suas terras para a nova fazenda em Itiquira. Reunindo enormes tratores com bastante tempo de uso, colocava as máquinas em cima de um caminhão e se dirigia para Mato Grosso. Chegando lá, abria a mata, preparando a terra para o cultivo. Entretanto, ninguém sabia quanto de calcário era necessário para a correção da acidez do solo[7]. Sem muita experiência, fazia-se o plantio tardio com sementes não climatizadas para a região. Logo, os resultados eram pouco satisfatórios.

         A fim de resolver o problema da qualidade da semente de soja, André Maggi recorreu à compra de sementes melhoradas e adaptadas ao cerrado em Alto Araguaia (MT), município a aproximadamente 200 Km de Rondonópolis. Apesar da certeza de sucesso na nova fronteira agrícola de Mato Grosso, André Maggi continuava concentrando seu trabalho em São Miguel do Iguaçu e produzindo sementes.

        A produção de soja que se iniciava em Itiquira era apoiada pela base logística de Rondonópolis onde havia o suporte comercial do escritório de representação da Empresa Adubos Trevo S/A, que pertencia a Antônio Sossego, amigo de André Maggi. Esse escritório foi o primeiro ponto de apoio em Rondonópolis e de onde se realizavam as aquisições de adubo. Depois de alguns anos, André Maggi alugou uma casa e montou seu próprio escritório, que viria a ser a sede atual da Empresa Sementes Maggi na cidade.

        Apesar das tentativas e do suporte logístico, demorou 3 ou 4 anos para que André Maggi tivesse um sucesso econômico na produção de soja. A composição química da terra e as pesquisas de novas variedades de sementes de soja foram fatores fundamentais[8]. Para a produção, importava adubos do Paraná e Rio Grande do Sul e calcário de Alto Garças (MT), Poxoréo (MT), Paranatinga (MT), Ponta Grossa (PR) e Castro (PR).

        Verificando o potencial de produção e de comercialização de grãos de soja da região, em 1983, Seu André construiu o primeiro armazém na Fazenda SM3, em Itiquira, para receber soja de produtores locais. Era o maior armazém graneleiro de Mato Grosso, próximo à rodovia BR-163. Além disso, foi construída uma pequena usina hidrelétrica, devido ao alto custo da energia a diesel naquela época. A usina de 1000 KWA e uma outra de 300 KWA atendiam a demanda local e as demandas domésticas da fazenda.  Como a água para a geração de energia vinha de terras de outros proprietários, as usinas acabaram servindo aos produtores locais.

        A expansão da soja fez com que grandes empresas com capacidade comercial se instalassem na região, a fim de atuar no mercado de commodities e beneficiamento da produção de grãos e carne. Nesse momento, André Maggi, prevendo a chegada de grandes grupos como a CARGIL, SANBRA e CEVAL, decidiu transferir a matriz da Empresa Sementes Maggi de São Miguel de Iguaçu para Rondonópolis, em 1983.

        Esse momento pode ser considerado como um divisor de água na história de André Maggi e de sua empresa Sementes Maggi Ltda. A fim de diversificar e  descentralizar os níveis de ação da empresa, foi criada a Agropecuária Maggi S/A, em 1983. Ao se deslocar para o cerrado de mato-grossense, André Maggi investiu, no primeiro momento, como pessoa física. Entretanto, a consolidação de seus negócios implicava um processo de conglomeração. Para tanto, surgiram as empresas Maggi Armazéns Gerais Ltda, em 1986, e a filial da Sementes Maggi Ltda, em Itiquira (1983). Essa conglomeração vai se consolidar, a partir do final dos anos 80 e terá a participação decisiva de Blairo Maggi que passará a assumir um papel de maior destaque na empresa. Na verdade, a formação e expansão do Grupo André Maggi não pode ser analisada apenas pela atuação do patriarca, mas principalmente pela visão político-empresarial de Blairo Maggi.

        Com a conglomeração, a organização espacial do grupo passava a ser, cada vez mais, multilocalizada e multifuncional. Na rede urbana da corporação, cada empresa e sua localização tinha funções específicas dentro das estratégias de reprodução ampliada do capital, mas o centro de gestão territorial se confirmava em Rondonópolis, a nova matriz da empresa Sementes Maggi Ltda.

        Isso porque no início dos anos 80, Rondonópolis já reunia as condições básicas de sustentação de um novo padrão agrícola moderno instalado em áreas do cerrado mato-grossense, previamente desmatadas. André Maggi foi um dos primeiros produtores a conseguir ganhos financeiros com a soja.

        O sucesso da lavoura da soja em bases latifundiárias no sudeste mato-grossense se consolidou no início dos anos 80. De um modo geral, em escala nacional, entre 1980 e 1985, já se observava um nítido deslocamento da fronteira agrícola da soja em direção ao Centro-Oeste e cerrado mineiro. Em Mato Grosso, o sudeste era a área de maior produção de soja. De uma área colhida de 87.228 hectares e de uma produção de 169.581 toneladas de soja em 1980, em 1985 os números foram mais expressivos: 395.236 hectares de área colhida e 860.622 toneladas de soja, com um rendimento de 2.177 kg/ha (IBGE, Censo Agropecuário). Esses números representavam mais de 70% da área colhida e mais de 75% da produção de soja do Estado de Mato Grosso[9].

        Do ponto de vista social, o sucesso dos grandes produtores no avanço da soja em Rondonópolis significava uma redução da participação da mão-de-obra familiar. De um total de 13.079 trabalhadores em 1975, houve uma significativa diminuição para 3.931, em 1985. O número de empregados temporários também diminuiu de 1.218 para 539, conforme dados do Censo Agropecuário do IBGE (1975 e 1985). Esses dados refletiam a expulsão do pequeno produtor e a intensa mecanização que a lavoura da soja requeria.

        A fim de definir posição de destaque na fronteira, André Maggi se uniu aos grandes produtores da região e estruturou uma considerável base organizacional e logística em Rondonópolis, tanto no que diz respeito à gestão territorial do espaço geográfico produzido, como no suporte das infra-estruturas básicas à produção de grãos, tais como a aquisição de insumos, máquinas e implementos agrícolas. De modo a ampliar sua produção de soja, André Maggi arrendou uma fazenda em Rondonópolis que pertencia a um proprietário de São Paulo. Nessa propriedade, Seu André plantou soja durante quase 10 anos.

        Nessa época, uma lógica agroempresarial se estabeleceu na cidade de Rondonópolis. Nesse sentido, a cidade passou a ser palco de fóruns, seminários e reuniões periódicas visando eliminar entraves à produção. Já na metade dos anos 80, os agricultores passaram a realizar os chamados “dias de campo”, a Festa da Soja (FESOJA) e a EXPOSUL. André Maggi era um dos participantes desses eventos, pois lhe possibilitava uma forma de intercâmbio entre empresas e produtores do complexo agroindustrial tanto no setor de industrialização da agricultura como no processo de agroindustrialização.

        Esses eventos não tinham apenas o objetivo de realizar uma feira de exposição e de intercâmbio entre produtores e empresas, mas também era uma forma de aproximar, cada vez mais, a classe de produtores ao aparelho político da região. Estratégias locacionais e econômicas implicavam não só um maior poder econômico, como também um poder político sobre as prefeituras e o Estado. Capturar essas instâncias políticas era parte integrante das ações de grandes produtores, de modo a criar uma rede política que articulasse agricultores com interesses comuns.

        Apesar de não ter um papel político semelhante ao desempenhado em São Miguel de Iguaçu, André Maggi foi um dos líderes da comunidade política que se estabelecia com a chegada de produtores sulistas na região.

        Além disso, sem demora, André Maggi tratou de equipar suas propriedades com o que havia de mais desenvolvido em termos de tecnologia. Assim, num curto espaço de tempo ele estava  situado nas posições-chave do movimento da fronteira agrícola, já que possuía grandes quantidades de terras, participação no comércio de grãos, poder político e controle da mão-de-obra.

        Vale ressaltar que em Rondonópolis, a atuação de André Maggi foi mais em nível empresarial do que político. Para tanto, a logística de transporte também será a chave do sucesso da corporação. Assim, pouco a pouco, André Maggi se destacava no movimento pioneiro, tornando-se businessman, visto que a terra já não era o fator determinante da acumulação capitalista que se realizava.

        A expansão da escala de produção de soja assegurou as condições básicas para que André Maggi procurasse maximizar seus lucros na comercialização de grãos através do sistema de commodities. Entretanto, com a chegada de empresas internacionais como a CARGIL e SANBRA, CEVAL e SADIA, iniciou-se uma competição pela apropriação da produção de grãos de soja, visto que sua comercialização significava a captura de valor agregado no mercado mundial (Castro e Fonseca, 1995 e Silva, 1998).

        Para tanto, foram necessários investimentos no setor de armazenagem, pesquisa de novas variedades de sementes, transporte, etc. A  produção e comercialização da soja implicava, portanto, uma reorganização espacial em novas bases políticas e tecnológicas, de modo a introduzir a lógica de acumulação de capital a curto prazo.

 

O processo de comercialização da soja: a arrancada para a inserção da corporação no mercado mundial

 

        As dificuldades à produção de sementes oferecidas pelas condições naturais de Itiquira promoveram uma alteração no  padrão de comercialização dos grãos de soja em Mato Grosso. Ao contrário do oeste paranaense, os esquemas de financiamento da produção passaram a ser feitos com dinheiro e adubos.

        Desse modo, André Maggi procurava manter um vínculo comercial forte com o produtor através de financiamento à lavoura e da compra de adubos. O pagamento era feito em grãos. Para tanto, buscava dinheiro junto às industrias no país e do exterior voltadas para exportação de soja. Os bancos nacionais entravam com pouca importância no financiamento à lavoura.

        Nesse processo intenso de capitalização do espaço agrário, a terra já não era mais um fator primordial para a reprodução do capital da corporação. Na dinâmica de expansão da fronteira agrícola sobre áreas do cerrado, a relação do empresário André Maggi com produtores, muitas vezes, se dava, em São Miguel do Iguaçu, através da chamada moeda verde. Ainda hoje esse esquema funciona. Normalmente, há a troca de parte da futura colheita por adubos, fertilizantes e arrendamento de máquinas e equipamentos. Isso ocorre porque, nesse circuito, os produtores de menor porte se vêem impedidos de contrair financiamentos junto aos bancos públicos e privados, visto que os recursos disponíveis se concentram nos grandes projetos das empresas mais capitalizadas. É a exclusão financeira imposta pelo crédito agrícola o principal fator para a instituição da moeda verde. Além disso, o financiamento do Banco do Brasil S/A é quase insignificante diante da demanda de recursos para a produção e comercialização. A partir de 1986, o volume de recursos do Estado voltados para o crédito rural diminuiu significativamente.

        Assim sendo, a empresa Sementes Maggi fazia o papel de banco junto aos produtores descapitalizados. A contrapartida desse mecanismo é que algumas terras compradas por André Maggi foram originadas de dívidas de agricultores junto ao Banco do Brasil, que, nesse caso, funcionava como intermediário na compra da terra.

        Se a microrregião de Rondonópolis não era boa para produção de sementes, devido à altitude, Seu André passou a lidar não mais com sementes, mas essencialmente com o comércio de grãos. Entretanto, continuava produzindo semente no Paraná e reproduzindo o padrão de comercialização ali instalado. No início, também trazia semente de São Miguel do Iguaçu para o sudeste de Mato Grosso. A produção de sementes do Paraná foi enviada para Rondonópolis até,  aproximadamente, 1996.

        Em síntese, o padrão de financiamento era bem simples: dinheiro, sementes e adubos em troca de grãos. André Maggi não emprestava dinheiro para ser pago com dinheiro. Diante dessa estratégia, coloca-se uma questão: como  ele conseguia captar dinheiro junto às empresas transnacionais para o financiamento da produção de grãos?

        No início, no Paraná, André Maggi realizara parcerias com indústrias do setor da soja como CARGIL, SANBRA, REFINADORA DE ÓLEOS BRASIL e fazia captação de dinheiro junto a essas empresas. Com o dinheiro, comprometia a soja, transformando-a em adubo e sementes e repassava ao produtor. Com o pagamento na forma de grãos, fazia repasse do volume da produção para as empresas, completando a cadeia de financiamento.

        Com o tempo, quando a matriz da Sementes Maggi Ltda já havia se transferido para Rondonópolis, a empresa cresceu tanto na área agrícola quanto comercial. A parceria com aquelas empresas continuou e se consolidaram as estratégias de comercialização. A partir desse momento, André Maggi se voltava, cada vez mais, para a área comercial e para a produção de grão. Ao atuar na área mercantil e financeira, ele ficava com a soja livre para ir ao mercado e vender para quem estivesse praticando melhor preço, seja no mercado interno, seja no externo. Esse esquema funcionou até, aproximadamente, 1985.

        Outras empresas tentaram fazer o mesmo, mas não conseguiram. O conhecimento do mercado e da região foi fator básico para o sucesso. Além disso, toda uma logística espacial foi acionada.

        A fim de atender a demanda de sementes de soja de Mato Grosso, André Maggi abriu uma filial em Goiás, na cidade de Cristalina, arrendando uma fazenda. Havia ainda outras duas filiais da Sementes Maggi nos municípios de Luziânia e Silvânia. Somente no final dos anos 80, a empresa Sementes Maggi começou a produzir sementes em Mato Grosso, no município de Sapezal, noroeste do estado. Isso porque a produção de sementes da Serra da Petrovina (MT) feita por outros grupos, tais como SEMENTES GIRASSOL e SEMENTES ADRIANA, tornou inviável a unidade de Goiás devido ao preço do frete e do diferencial de impostos cobrados pelo governo goiano. Desse modo, André Maggi fechou a unidade de Cristalina, em 1996, e transferiu a produção de sementes para Sapezal. As outras filiais de Luziânia e Silvânia foram fechadas em 1989 e 1990, respectivamente.

        Ainda investindo no suporte operacional da comercialização de grãos, construiu um armazém na Fazenda SM3, próximo à rodovia BR-163, para receber grãos de soja dos produtores da região. A insuficiente capacidade de armazenagem diante da demanda dos produtores forçou-o a utilizar os serviços de uma cooperativa em Pedro Gomes, Mato Grosso do Sul (40Km de Itiquira).

        De qualquer forma, permanece a pergunta: como André Maggi se lançou à captação de recursos externos, a partir de 1985? De início, cabe esclarecer que, a partir desse momento, Blairo Maggi vai se tornar o responsável pela inserção do Grupo no sistema mercantil e financeiro internacional.

        Com o crescimento da empresa, o volume de negócios proporcionados pela comercialização de grãos se tornava interessante para o comércio de soja tanto em escala nacional (venda para as indústrias) quanto internacional (exportação). Com uma excelente produção e uma importante participação no agronegócio da soja, Blairo Maggi começou a exportar soja em 1985, mas em pequena quantidade.

        Na década de 90, as empresas nacionais e internacionais ratificavam, cada vez mais, o interesse pelo volume de produção que Blairo Maggi podia oferecer. O principal parceiro no comércio de exportação foi o Grupo André & Cia Ltda., de origem suíça, que no Brasil era chamado Refinadora de Óleos Brasil, com sede em São Paulo. Em 1995, esse grupo apresentou Blairo Maggi ao mercado internacional, ou seja, aos bancos externos voltados para o agribusiness.

        O interesse era a capacidade de comercialização de grãos de soja que Blairo Maggi já vinha realizando. Esses bancos são especialistas, nos seus países, em fazer operações estruturadas nesse setor. Dentre os mais importantes bancos destacam-se o BNP (Banco Nacional de Paris), União de Bancos Suíços, (UBS) ING Barings (inglës), Societé Generalli, Habour Bank (holandês), Sumitomo (Japão) e o HSBC (inglês). Não havia bancos americanos, somente europeus. A Europa já era um dos principais mercados. Entretanto, Japão e China são os mercados por excelência para a soja comercializada. Enfim, ao se integrar numa estrutura de comercialização internacional, Blairo Maggi passou a captar recursos externos e repassar aos produtores de grãos. Em troca, ampliava, cada vez mais, sua participação no volume de exportação de soja.

        Na escala nacional, ocorreram parcerias com os bancos Bamerindus, Bradesco e Banco do Brasil. Em nível agroempresarial destacavam-se a CARGIL, CEVAL E SANBRA. A busca de captação de recursos, a fim de viabilizar a reprodução de relações complexas entre a empresa Sementes Maggi e os produtores, incluía ainda várias empresas produtoras de adubos, tais como a ROTEM (Israel), NORKS HYDRO (Noruega), SERRANA (Ponta Grossa- PR), SOLO RICO (Cubatão-SP, Curitiba-PR), FERTISA (Cubatão e Paranaguá-PR), HERINGER FERTILIZANTES (Paulínia-SP) e MANN (Uberaba-MG e Cubatão-SP). A ROTEM é a mais importante parceira no fornecimento de fertilizantes importados.

        Em linhas gerais, a comercialização da produção de grãos é feita através das tradings na Europa que, por sua vez, revendem a soja para várias partes do mundo: América Latina, Ásia e Europa.  Desde de 1985 essas operações vêm sendo realizadas com bancos brasileiros ou estrangeiros localizados no Brasil e indústrias locais (SANBRA, CEVAL, CARGIL E GESSY LEVER). Até 1996, os maiores negócios da Empresa Sementes Maggi eram voltados 75% para o mercado interno e 25% para o mercado externo. Depois da construção do Porto da Hermasa no Amazonas, houve uma mudança de perfil de comercialização. A empresa se voltou mais para a exportação e menos para o mercado interno. A partir da inauguração do porto de Itacoatiara, em 1997, os mecanismos de comercialização de soja se voltam para o mercado externo em associação com as maiores tradings do mundo.

        Nesse momento, André Maggi já havia criado um conglomerado, que veio a ser chamado de Grupo André Maggi. Mas a gestão dos negócios já se transferira para a responsabilidade de seu filho, Blairo Maggi. A saída de seu André se anunciara desde do primeiro acidente de carro que ele sofrera em 1986 junto com Itamar. Após o acidente, seu André ficou muito tempo fora dos negócios e Blairo deixou as fazendas e passou a se envolver com a administração da empresa. Não foi, entretanto, uma mudança radical, visto que Blairo já participara de algumas decisões sobre investimentos do Grupo. O potencial empresarial de Blairo veio a se confirmar quando ele buscou interações espaciais  que ultrapassavam a escala regional e nacional de comercialização de grãos.

        Ao se inserir num espaço global de reprodução do capital financeiro e mercantil, Blairo Maggi buscava se articular com grandes empresas voltadas para a exportação de soja (CARGIL, SAROC, CEVAL, SUMITOMO, CEREOL, ANDRÉ & Cia Ltda, GREENCOOP) através de seu escritório de representação em São Paulo.

        A fim de aumentar o volume de soja exportada, era necessário capturar para sua órbita um grande número de produtores. Até hoje, a busca de produtores é feita através de visitas às fazendas e da assistência técnico-financeira que a empresa Sementes Maggi oferece.

        Para compensar o custo do frete realizado pelo transporte da produção da fazenda até o porto, levando adubo e fertilizantes para o produtor e trazendo a soja, a Empresa Sementes Maggi busca obter lucro na quantidade de grãos comercializada. Isso faz com que a soja de Mato Grosso seja competitiva, mesmo situando-se bem distante dos principais portos do país. O custo de produção e o frete são menores para os produtores da Região Sul, mas a baixa disponibilidade de terras não permite qualquer expansão da lavoura. Na verdade, os altos investimentos em maior produtividade da lavoura e toda uma logística de comercialização é que tornam a soja de Mato Grosso competitiva no mercado externo, apesar da localização geográfica desfavorável, em termos do custo do frete.

        A expansão da demanda do complexo territorial da soja e as políticas do Estado, assegurando parcerias e lucratividade, fizeram com que o capital financeiro, comercial e industrial ai instalados se tornassem parte de uma estratégia de manter uma posição de destaque para a soja brasileira nos mercados mundiais. O grande potencial de mercado que a soja representa alimenta as especulações na Bolsa de Chicago e pressiona os países produtores a aumentar sua produção (Silva, 1999, p.132). André Maggi e seu filho Blairo Maggi tornaram-se um dos líderes no complexo sistema de comercialização de grãos, a partir do momento em que se conectaram nesse mercado de commodities, sob a égide do capital financeiro.

         A área de atuação do Grupo André Maggi na captação de grãos para comercialização vai do Paraná (com 25.000 toneladas) e se desloca para o Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia. O principal fornecedor é o Mato Grosso. Apesar de o Paraná possuir o maior número de produtores associados ao grupo, os maiores volumes de produção estão concentrados entre os produtores mato-grossenses.

        A fim de viabilizar o processo de comercialização da soja da Chapada dos Parecis, utiliza-se o Porto da Hermasa, que articula o rio Madeira (Porto Velho-RO) ao rio Amazonas, na cidade de Itacoatiara (AM). Da comercialização de 1.359.282 toneladas de grãos de soja, em 2000, 80% se dirigiu para o exterior via porto da Hermasa, 15% através do porto de Paranaguá (PR) e 5% se destinou ao mercado interno.

        Hoje em dia, a comercialização de grãos de soja para exportação é o carro-chefe do Grupo André Maggi. A previsão de comercialização de soja, para o ano de 2002, está em torno de 2.500.000 toneladas. A moeda verde nem sempre é acionada. Antes o grupo comprava soja verde dos agricultores, ou seja, era uma forma de compra antecipada da soja antes da produção. Na hora que o agricultor buscava financiamento para plantar, ele já comprometia parte da produção com o grupo. Atualmente, o mercado inviabiliza o produtor a vender soja antecipada. Hoje se antecipa dinheiro ao produtor e ele compromete uma parte do produto sem fixar o seu preço. O grupo só libera dinheiro para o produtor se tiver penhor de 1º grau. Uma parte da produção é comprometida através de uma matriz de registro na forma de uma Célula de Penhor Rural (CPR)[10] da quantidade de saca. Sobre essa quantidade ninguém tem preferência, visto que a CPR é registrada em cartório. Dessa forma, qualquer que seja o volume produzido, o agricultor deverá pagar ao grupo. Na verdade, o grupo só negocia com agricultores que possam saldar suas dívidas. Nesse circuito, a cadeia de comercialização envolve produtores diversos, ou seja, tanto aqueles com 20.000 hectares e quanto outros com 600 hectares de terra. Se a estratégia de captação de grãos se dá no varejo, não importa o grau de capitalização do agricultor.

        De um modo geral, o financiamento a produtores de soja tem sido um dos grandes negócios da Sementes Maggi. Através da CPR fica acordado que, além da dívida registrada em cartório, os produtores devem comprometer de 30% a 40% da produção para venda junto ao Grupo. Esse compromisso é uma forma de subordinação da renda dos produtores aos esquemas de comercialização do Grupo em face das dificuldades encontradas para o financiamento de produção.

        O diferencial do Grupo André Maggi frente a outros conglomerados transnacionais se dá através da captação de recursos financeiros a baixo custo no exterior e do repasse de crédito a juros mais baixos do que o mercado cobra.

        Com o controle da produção de vários produtores, o grupo vende a soja para o mercado interno, através da Bolsa de Mercadorias & Futuro de São Paulo, e para o exterior via cotações da Bolsa de Mercadorias de Chicago. Ao negociar nessas bolsas, o grupo preestabelece um determinado preço da soja para uma respectiva data de sua venda. Nessa especulação de preços, a empresa aumenta ainda mais seus lucros sobre a soja produzida por terceiros.

 

Para não concluir

 

        Em suma,  o Grupo André Maggi participa das etapas de produção e da geração de renda dos agricultores, uma vez que detém o poder financeiro e estratégias logísticas de apoio à ampliação de seu domínio, tais como o número significativo de armazéns.

        A infra-estrutura básica de comercialização de grãos revela uma organização espacial desenvolvida pelo conglomerado com as seguintes formas-conteúdo e ações políticas, a saber:

Ø      Rede de armazéns. Alguns são do grupo ou arrendados, mas com equipamento de beneficiamento;

Ø      Sistema de transporte. Até 1995, o grupo possuía a Empresa Transportadora Roma, com uma frota de 27 caminhões. Hoje, esse serviço é terceirizado.

Ø      PORTO DA HERMASA. Hoje é o grande diferencial de competitividade, em face do controle da qualidade do produto e quantidade exportada pelas barcaças.

Ø      Rede de 1000 a 1200 produtores associados distribuídos por vários localidades. O maior volume de soja comercializada está no noroeste de Mato Grosso, onde as propriedades são maiores. No sudeste mato-grossense as fazendas associadas podem ter até 300 hectares.

Ø      Articulações on-line com a Bolsa de Chicago, de modo a ter um controle do preço da soja diariamente.

Ø      Compra de adubos e fertilizantes importados (Israel e Noruega, por exemplo) e repasse aos produtores associados, como moeda de troca.

Ø      Captação de recursos financeiros junto a bancos e empresas nacionais e internacionais, como por exemplo, a trading SUMITOMO que compra a soja do Grupo André Maggi e repassa ao mercado japonês.

Ø      Investimento na melhoria das rodovias BR-163 e BR-364. De Comodoro (MT) até Sapezal é o Grupo André Maggi quem faz a manutenção da rodovia. Pressão política junto ao governo federal para a implantação de hidrovias estratégicas para a expansão da produção e exportação de grãos.

Ø      Contato face a face com o produtor associado, dando a ele um tratamento personalizado,

Ø      Investimento em tecnologia de telemática e em novas variedades de sementes nos campos experimentais.

Ø      Articulações políticas com os poderes públicos federal, estadual e municipal; participação em partidos políticos, e associações estratégicas com transnacionais. 

 

Em linhas gerais, a consolidação do empresário Blairo Maggi no cerrado mato-grossense implicou ações integradas em escala mundial que resultaram num espaço capitalizado, de modo a promover uma acumulação acelerada do capital. Para tanto, a comercialização, carro-chefe da reprodução do capital, produziu um espaço tecnificado representativo de relações espaço-temporais que expressa uma dimensão singular das interações espaciais e uma nova concepção da expansão das relações capitalistas numa área de fronteira agrícola recente do país.

Isso significa que a dinâmica socioespacial do processo de comercialização demanda um suporte logístico com formas-conteúdo que marcam um processo de reprodução do capital através de uma rede de fixos e fluxos da corporação.

 

Referências bibliográficas

 

CASTRO, Ana Célia & FONSECA, Maria da Graça. A dinâmica agroindustrial do Centro-Oeste. Brasília;IPEA, 1995.

CENSO AGROPECUÁRIO DE MATO GROSSO, 1970, 1975, 1980, 1985, 1996. Rio de Janeiro:IBGE.

MACHADO, Roberto Ricardo Barbosa. Mecanismo de comercialização como garantia de financiamento da produção: Cédula de produtor Rural. Anais Congresso de Tecnologia e Competitividade da Soja no Mercado Global. Cuiabá: Fundação Mato Grosso, Agosto de 2000, pg.67060

NASCIMENTO, F. S. da. Aceleração temporal na fronteira: estudo de caso de Rondonópolis (MT). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. USP:São Paulo, 1996.

SILVA, Elias da. O papel da cidade de Rondonópolis no complexo agroindustrial do sudeste de Mato Grosso. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia, UFRJ:Rio de Janeiro, 1999.

SILVA, Antônio Alves da. O complexo agroindustrial da soja no cerrado mato-grossense: um modelo de construção de um novo espaço capitalizado no sudeste do Estado de Mato Grosso. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. UFRJ:Rio de Janeiro, 1998.

TESORO, L. Rondonópolis (MT): um entrocamento de mão única. Monografia de Especialização. UFMT:Cuiabá, 1993.

 

 

 

 Volta

 

 



[1] Professor Dr. Adjunto IV do Departamento de Geografia, da Universidade Federal Fluminense. Email: francodasilva@terra.com.br

[2] Cabe ressaltar que as diretrizes básicas do II PND se voltavam principalmente para a implantação de pólos pecuários na Amazônia (norte de Mato Grosso, Goiás e áreas do cerrado). Desse modo, a pecuária de Mato Grosso passou a receber vários incentivos, principalmente depois da divisão do Estado em 1977.

 

[3] De acordo com Silva (1998, p.97) apud IV Simpósio sobre Cerrado-1976, “no município de Rondonópolis a propriedade da terra representava 51% do capital disponível pelo dono do estabelecimento, ficando as benfeitorias com 12%, os equipamentos com 4,84% , os animais de trabalho com 0,75%, o rebanho bovino com 31,03% e o suíno com 0,54%.

 

[4] O objetivo do PROMAT era produzir um espaço capaz de garantir a reprodução do capital a partir dos novos requisitos da modernização da agricultura e das políticas territoriais promovidas pela II PND. Em Mato Grosso, esse programa se concentrou no eixo Cuiabá-Rondonópolis, direcionando investimentos nos setores de transporte, energia, armazenamento, abastecimento de água, assistência técnica e extensão rural e dinamização de Distritos Industriais (Silva, 1999, p. 62).

 

[5] Cabe ressaltar, entretanto, que a pequena produção reafirmava sua importância na quantidade da produção bruta na região de Rondonópolis. Em 1993, essa produção atingia 70%, conforme informações da EMPAER-MT. Além disso, é importante considerar que as transformações no espaço agrário também eram verificadas na pequena propriedade através de um relativo grau de modernização (Nascimento, 1997, p.137).

 

 

[6] A decisão de optar por Rondonópolis não foi gratuita. A partir da segunda metade dos anos 70, a cidade de Rondonópolis já apresentava mudanças na sua forma-conteúdo imprescindíveis aos novos requisitos da expansão da fronteira agrícola moderna. Desse modo, a cidade recebeu investimentos do PRONAZEM (Programa Nacional de Armazenagem) e na velocidade de rotação do capital através da logística de transporte (Br 163, 364 e as MT 270 e 130) ressaltando sua posição estratégica no contexto regional e nacional. Tais investimentos em novas formas-conteúdo objetivavam atender a quem estivesse numa escala mínima de produção, isto é, os grandes produtores da região. Além disso, cabe ressaltar que , com a separação do Estado do Mato Grosso, em 1977, Rondonópolis passou a receber mais recursos do Estado, visto que passara a fazer parte da área de influência dos incentivos fiscais da SUDAM. Desse modo, implantaram-se na cidade as infra-estruturas de energia elétrica, através da subestação da Eletronorte, sistema de discagem direta a distância (DDD) e discagem direta internacional (DDI). A rede bancária, por sua vez, acompanhou tais mudanças no espaço urbano. Com efeito, instalaram-se agências do Banco do Brasil, Bradesco, BEMAT, Real, Itaú, Bamerindus e Banco Financial de Mato Grosso(Tesoro, 1994, p.114).

 

[7] O calcário era comprado em Poxoréo e Paranatinga, municípios mato-grossenses.

 

[8] A fim de expandir a soja no cerrado, a EMBRAPA desenvolveu variedades de sementes através da COOPACEL (Cooperativa de produção do Cerrado), que produziu a variedade “Santa Rosa” , IAC-2 e, por fim a variedade “Cristalina”. Esta última apresentou rendimentos expressivos, uma vez que a produção saltou de 1.700 para 2.700 kg/há em meados da década de 80. (Revista Rondon/1989 apud Silva, 1999, p.82).

 

[9] Em Rondonópolis, a produção de soja em 1980 era de 21.600 toneladas e a de arroz, 37.200 toneladas. Em 1985 a produção de soja ultrapassou a de arroz, com 126.636 toneladas. A produção de arroz se limitou a 10.651 toneladas. (Dados da produção agrícola municipal de Mato Grosso, IBGE 1980 e 1985).

                               

[10] A cédula de Produto Rural é uma cambial através da qual o produtor rural e/ou cooperativas vende a termo sua produção agropecuária, recebe o valor da venda no ato da formalização do negócio e se compromete a entregar o produto vendido na quantidade e qualidade estipuladas pelo título. A redução do volume de crédito rural oferecido pelo Estado aos produtores rurais e suas cooperativas levou os segmentos envolvidos com o setor rural a criar mecanismos de financiamento. Nesse sentido, a CPR foi criada em 1994 e passou a ser utilizada pelas tradings, indústrias e empresas de insumos em substituição aos contratos de soja-verde e de escambo (Machado, 2000, 67-8).