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Revista geo-paisagem (on line) Ano 12, nº 24, 2013 Julho/Dezembro de 2013 ISSN Nº 1677-650 X Revista indexada ao Latindex Revista classificada pelo Dursi Revista classificada pela CAPES |
Uma
leitura da obra - Géographie physique.- de Immanuel Kant.
Helio
de Araujo Evangelista
(helioevangelista@hotmail.com)
Resumo:
O presente trabalho analisa a obra - Géographie physique - do filósofo Immanuel Kant
Palavras-chave : Immanuel Kant,
Geografia, Natureza do espaço
Abstract:
This article aims to analyze the book - Géographie
physique - Immanuel Kant.
Keywords: Immanuel Kant, Geography, nature of space
Apresentação
Trata-se
de um comentário tendo por base a
tradução francesa da obra Physische
Geographie do filósofo Immanuel Kant realizada por Michele Cohen – Halimi e editada pela editora Aubier
em 1999.
Relevância
A obra tem mais valor pelo que nela
não está escrito do que nela possamos ler.
Às vezes , é enfadonha, descritiva, massante, mas, o fundamental é
entender esta obra no contexto maior da
produção filosófica do autor.
Não tivesse o trabalho escrito por
Immanuel Kant , mas por um outro qualquer, e certamente o texto se perderia
como tantos outros.
A questão é – por que uma obra
inacabada, incompleta portanto; produzida há quase duzentos anos , mais
exatamente em 1802, ainda é reeditada ?
A resposta está no seu autor, e não
no conteúdo do texto, ou seja, a obra ajuda a compreender o percurso filosófico
de Immanuel Kant, mas não a geografia dos dias atuais. Naturalmente que a obra
per si é um valioso instrumento histórico do registro de informações sobre o
planeta. Mas , não é isto que lhe
configura status.
Características
Como já observado, trata-se de uma
obra que Kant não deixou escrita, ou seja, ela é fruto de anotações de alunos
compaginadas com anotações em cadernos do autor. Em momento algum Kant transformou
suas anotações para as aulas de geografia (que o acompanharam por quase quarenta anos) em
livros devidamente editados e catalogados.
Kant resistia a fazer isto, ele
entendia que tanto a Geografia que ensinava, quanto a Antropologia , lhes eram meios
valiosos de se aferir o mundo. Porém, seu foco era a filosofia.
O inventário
O livro é um grande inventário !
Uma descrição pormenorizada ,
abrangente, certamente, o material mais atualizado que se podia obter na época,
dentro das condições existentes em relação ao que ocorria na superfície
terrestre.
O livro conta com três partes, na
primeira há uma caracterização genérica do nosso planeta abordando a água , a
terra, a atmosfera e as mudanças do planeta em termos físicos.
Na segunda parte, temos um momento
de especificação. Nele há um exame
particular do que o continente contém .
O item referente a espécie humana é muito breve, destaca a questão da raça.
Ainda, destaca a fauna, espécie de
animais. Há a botânica e espécies relacionadas. O mar e seus habitantes,
insetos, roedores, e termina tratando dos minerais. A segunda parte está
dividida em oito itens.
Por fim, a terceira parte envolve
uma espécie de resumo, sendo destacado um enfoque regional. Ele trata da Ásia, África, Europa e América.
O desafio
Como já observado, o desafio da obra
não está no seu conteúdo, mas sim na situação de alguém que tenha tido tanta
importância para a filosofia moderna, tenha apresentado particular atenção à
geografia.
Cabe observar que Kant para dar aula
de geografia precisou de autorização, ou seja, ele buscou a geografia. Quis compreender geografia, ele a ensinou ; por que ?
Na introdução do trabalho , ora em
análise, o tema é abordado.
Geografia para Kant era o mundo.
Agora, o que leva Kant a estudar e
ensinar geografia ?
Gérard Lebrun em sua obra – Kant e o
fim da metafísica (1993) – observa que o filósofo tratava o tempo enquanto uma
linha e isto trouxe um desdobramento na sua consideração de espaço; sendo que
no tempo há uma seqüência uma após outra, no espaço as partes são simultâneas
(1993, p. 105)
Na perspectiva kantiana o espaço é
um , há um único espaço ; assim como, há uma única seqüência no tempo.
Outro aspecto destacado por
Lebrun é a noção de que as coisas
são o que são à medida que eu penso que
as sejam como são . O espaço vai na mesma direção, ou seja, não há espaço
, suas características, se não vem a ser algo pensado. (1993, p. 108)
A realidade em Kant é, antes de ser algo externo (tal como
preconiza Aristóteles, por exemplo), é acima de tudo algo pensado.
O pensar kantiano é marcado pelas
antinomias. (Lebrun, 1993, p. 111)
Sua
reflexão se nutre a partir deste aspecto. A realidade posta em dúvida! A
realidade posta em dúvida , mas o seu pensamento não ! ..."Toda multidão atual é designável
por um número” (Lebrun, 1993, p. 111).
A
capacidade intelectiva , o seu pensar, isto sim credencia a noção de real. O
ser número significa algo passível de conclusão; o real concluído, concluso,
definido, porque não dizer existente , é acima de tudo um dado pensado, feito
um número.
A
discussão de espaço para Kant, é uma
discussão que o leva a indagar Deus, sua existência. O espaço é infinito ? Se o
é, como Deus pode processar este espaço ? A rigor, espaço infinito significa
algo além, necessariamente não criado ! Mesmo quando temos um espaço limitado,
uma cidade, por exemplo, a reflexão sobre ele se dá sobre o pano de fundo de uma instância
cognitiva infinita, o espaço. (Lebrun,
1993, p. 113-131)
Não são poucas as citações de Kant
ao trabalho de Isaac Newton, sua visão de espaço está empapada de uma noção
maior de racionalidade, mas uma racionalidade que adviria de algo que não
poderíamos necessariamente entender como
Deus. Para Newton , o espaço é absoluto, algo que aí está ; um absoluto, um
verdadeiro desafio à razão humana, desafio este que o próprio Newton e sua
máxima sobre a lei da gravidade nos induz a percepção de que nós podemos, o ser
humano pode, a razão humana é capaz de compreender.
Prescindimos
de que algo que possa ser procedência de uma revelação de Deus.
O
homem com suas próprias pernas. Ainda, Kant entende que ser o espaço um
infinito que segue uma processamento
racional, tendo Isaac Newton o mérito de revelar algumas de suas
características; Kant pressupõe um posicionamento no qual o conhecer tem uma
certa autossuficiência, ou seja, ele
acredita que o espaço infinito é passível de ser conhecido , não abrindo lugar
para o mistério da existência a exigir
uma explicação metafísica, muito menos Deus.
O pensamento de Kant é alimentado
pelas antinomias , estas , no entanto, ensejam suas certezas. O ponto de
partida kantiano é o ceticismo , porém,
a conclusão de suas obras caminham para uma outra via, o da certeza absoluta em
bases racionais estritamente humanas. Isaac Newton sinaliza ser um exemplo de
que este roteiro é factível.
Kant sente um grande incomodo com
Deus !
A rigor, ele entende ser sinal de
fraqueza da inteligência humana, ter como solução Deus na compreensão daquilo
que o cerca.
A rigor, novamente, incluir Deus
significa para Kant abrir mão de sua
obra. Para o filósofo , a referencia da razão, da moral, está no próprio homem e não fora dele.
O
drama desta situação é que o não reconhecimento de Deus significa entender que
o ser humano é a referência última; porém, ser humano propriamente não existe, ou seja, o que há são pessoas concretas , únicas, cada qual
com o seu pensar, assim, como aferir, decidir, escolher ?
O
drama está justamente nisto, porque a rigor o que decide é a força, o poder. Não é
esta a conclusão de Kant, mas a sua
consequência, ou seja, na abolição de uma instancia do que seja bem, mal ...
verdade , mentira, e a localização da referencia última das coisas no ser
humano, o desdobramento é justamente entender que cada tem um
parecer, .... como decidir ? O resultado prático, não kantiano, é dado pela
força (de que espécie for).
Agora, Kant não era ateu ! Só entendia que não valia a
pena perder tempo com um tema que estaria além do que se imagina poder conhecer.
Ele entendia que Deus era tudo, estava em tudo. Mas destaca que não valia a
pena pensar no tema. Em todo o seu percurso acadêmico, ele se dedicou uma única
vez sobre teologia na forma de curso, uma situação bem diferente quando
consideramos a geografia.
Kant valorizava mais a geografia que
Deus !
Se queres entender o pensamento de
Kant, inicie sua reflexão sobre como
este considera Deus. Deus, a janela para conhecer Kant.
As três grandes obras de Kant –
Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica do juízo
A crítica da razão pura
A Crítica da razão pura apresenta três
partes, a saber, estética transcendental, a analítica transcendental e a
dialética transcendental. [1]
Na estética transcendental consta uma reflexão sobre a sensação e como é
possível a sua ausência, por exemplo, na Matemática. Há a ideação da existência de formas puras que
antecedem o conhecimento sensível. O que antecede a tudo é a Matemática ! Esta
é universal e necessária , vindo a estudar relações temporais (aritmética) e
espaciais (geometria). O espaço é a forma dos fenômenos externos, já o tempo a
forma dos fenômenos internos. A intuição coordenada no tempo e espaço se
apresenta unificada pelo intelecto. Daí então temos a formulação de juízo. A
analítica transcendental, por sua vez,
considera a Física, como é possível a Física pura ? “Se pensar é julgar, no juízo as afirmações tornam-se possíveis
pelas categorias ou conceitos, que não podem ser tirados da experiência . Esses conceitos são
puros ou transcendentais e subjetivos, mas universalmente humanos (isto é ,
cada um de nós, enquanto pensa, não pode pensar se não conforme essas formas,
constitutivas da mente humana ou da razão). Entre as categorias fundamentais
(doze ao todo, divididas em quatro grupos conforme a quantidade, qualidade,
relação e modalidade que tornam possíveis os juízos, há as de substâncias de
causa : teremos, assim, um mundo de objetos, conexos entre si por causalidade ,
e que constituem o mundo da experiência, da natureza e, portanto, da ciência.”
Por último, a dialética transcendental parte da pergunta como é possível a
Metafísica ? O conhecimento é refém da experiência, porém, a relação entre o
intelecto e a sensibilidade apresenta várias antinomias Assim, na perspectiva
estrita da razão não se concebe a metafísica, ela não tem condição de existir!
Em introdução de Alexandre Fradique
Morujão (1989) para esta obra, a visão é de que a mesma produziu uma verdadeira
revolução no pensamento humano. Ele tem por norte a indagação – “... em que
bases se funda a relação com o objeto
daquilo que designamos por representação ?” (Kant, 1989, p. VI) .
Há
o representar, uma palavra casa representa algo (a casa), todo o nosso entorno
se transforma em apresentáveis na nossa mente, agora, estas representações tem
qual relação com seus respectivos objetos. Ou seja, a representação CASA
tem com relação com o objeto em nome do qual se justifica a representação de
casa ?
Kant
almeja um grau de certeza sobre o tema, certeza semelhante ao alcançado pela
matemática e a lógica em seus respectivos campos.
O
caminho para tal objetivo encontra-se na crítica da própria razão.
Não
deixa de ser curioso, a razão com a qual conto para raciocinar é utlizada para
criticar ela mesma.... que bela maneira de tentar alcançar a certeza de tudo ao
colocar sob crítica justamente a faculdade pela qual a natureza humana conta
para entender o seu entorno.
Neste
seu caminho crítico, a razão é razão per si, ou seja, uma característica humana
como a experiência não faculta qualquer
avanço sobre a crítica da razão.
Por
exemplo, a morte, a experiência da morte, é algo visceral na nossa
existência, e perfeitamente adequada na
consideração sobre uma reflexão sobre a razão, tipo, a razão reconhece a morte
? Ora, tudo nos leva a crer que sim, porém, para Kant não, ou seja, para ele o
fundamental é a subtração de nossa vivência
e tratarmos a razão em estado puro.
O
que torna possível o saber ? Um objeto, por exemplo, a natureza ? Não,
a ciência não é algo de revelação
de seu entorno , a natureza (por exemplo), a ciência é um processo, um
fluir da reflexão humana, a ciência é
antes de ser um encontro com a realidade ela é a construção mental da mesma.
Este processo intelectivo, humano, forja um aparelho indagativo
(conceitual) que leva a constantes inquirições ao que nos cerca, por exemplo, a
natureza. Assim, o que se diz conhecer, a rigor, é um processo mental
humanamente produzido. Há dois mundo, o
da mente e o que está fora dele; para o cientista, o que existe é o que está na
mente dele.
Algo semelhante há de ocorrer com a filosofia, esta deve se afastar da
ideia de verdade (Ibidem, p. X)
Para
Kant, como é possível metafísica ? A
rigor, se ela prescinde da experiencia ,
sendo algo apriorístico, de onde vem ? Kant aprofunda estas questões, estas
antinomias para justamente chegar ao seu
objeto maior que é a razão por ela
mesma.
Nesta
arguição de Kant encontra-se a visão de que o que dá base é o
sujeito e não a realidade que o cerca. É uma posição parente de Descartes
(penso, logo existo ... o primado do pensante). O pensante e não mais os
sentidos, ou a intuição, é o elemento primordial em sua consideração do que vem
a ser razão.
Kant
não descarta a experiência, os sentidos ou a intuição, mas a razão última de
sua reflexão não se encontra nestes elementos. (ibidem, p. XI e XII) ...”se
preocupa menos dos objetos do que do modo de os conhecer ...” (p. XII)
Em
resumo, a coisa é o que é não por aquilo que ela é mas por aquilo que ela
parece ser quem a conhece.
Deste primado do sujeito se reconstitui o que há em
seu entorno, por exemplo, o espaço, este não vem a ser um conceito mas uma
intuição, uma representação do singular;
ainda, não há espaços, há um único espaço pois é intuição, agora , é uma
intuição , assim, por esta se intui partes diferentes de um mesmo algo.
(ibidem, p. XIII)
Por
este olhar, o espaço é um, único, absoluto; enfim, há um só espaço.
Agora,
quando se prioriza o sujeito e o torna um torno do qual tudo o
mais gira , aí Kant desenvolve uma noção de transcendentalidade .
Kant
subtrai Deus em sua matriz intelectiva e
o reencarna no sujeito pensante. Não
deixa de ter um parentesco com o
panteísmo.
Por
este mesmo viés, o espaço também segue
uma noção transcendental, ou seja, ele assim o é (espaço) não por ser algo experenciado ( de
fato ele é mas não é isto que o torna especial no pensamento de Kant),
mas por ser junto com o tempo duas intuições necessárias , constitutiva em seu
sistema de pensamento. Novamente, vale a antinomia, ou seja, o espaço é
transcendental mas se não é experenciado
não existe . Não há coisa em si , espaço, este pertence ao sujeito (ibidem, p.
XIII).
Crítica da razão prática
A
crítica da razão prática viabiliza a
metafísica e a religião. A referida obra é a obra da ação, considera a ação,
enquanto que a analisada acima versa sobre teoria do conhecimento, o
posicionamento da pessoa frente o real, a presente obra versa sobre moral,
sobre o proceder humano e o que orienta e anima. O imperativo do agir, do
escolher, do se decidir. O homem é
livre, afirma Kant, assim deve atuar como tal, ele é matéria e ser inteligível,
assim, sua passagem na terra há de ter consideração em relação a estas
características. A religião, Deus, não são pertinentes no campo do conhecer, mas no campo do agir. O acreditar em Deus faz bem no agir do
homem. [2]
À página XIV do mesmo prefácio que
ora acompanhamos (em Kant, 1989), fica registrado o poder da crítica em Kant.
Em Kant a busca é pela razão alcançar algo irremovível, neste sentido, surge o
valor dado por Kant à matemática e à
geometria. Para ele , a experiência se aplica enquanto uma expressão
matemática, neste sentido, Isaac Newton é a prova cabal da visão kantiana de
uma realidade cuja apreensão passa pela intelecção, ou seja, o inteligir é uma
produção humana, a lei da gravidade trazida por Newton não pode ser vista, à
moda aristotélica, como uma apreensão do real mas sim um artifício humano que
ajuda a inquirir a realidade. Para Kant, não há Verdade ! Se há, esta está longe de nosso espectro humano, neste espectro
só se é possível construções mentais humanas que vão sendo elaboradas, como a
matemática (a geometria), que nos facultam um discurso que se mostra útil.
Neste sentido, o espaço (e o tempo) são dimensões externas aos sentidos
humanos) mas em torno do qual tudo o mais se constrói em nome do conhecimento.
Para Kant, por exemplo, a lógica não é a
tradução da coisa (do que aí está) mas função de um nível de
entendimento humano. As categorias são pontos de vistas segundo os quais o
entendimento apreende a multiplicidade das coisas e disto tira um dado
entendimento, uma síntese.
Agora, há um nó neste processo que cabe aqui destacar utilizando as próprias palavras do prefácio
utilizado –
“...
As categorias são assim para Kant os diferentes pontos de vista, segundo os
quais o entendimento executa a síntese dos dados múltiplos da intuição,
formando o objeto. E num dos capítulos mais difíceis e centrais da Crítica da
Razão Pura (a dedução transcendental das categorias ) vai explicar o modo como
estes conceitos a priori se aplicam à experiência. Porque é que o entendimento
humano possui estas categorias em vez de outras ? Kant apenas sabe responder
que se trata de um fato primeiro : impossibilidade de dedução de um princípio
superior. A crítica não pode ir mais além. Um problema se põe : se as
categorias e os fenômenos são heterogêneos, de natureza diferente, as primeiras
de ordem intelectual e os segundos de
ordem sensível, como podem aplicar-se as categorias aos fenômenos ? Aqui
recorre Kant à noção de esquema, produto da imaginação, intermediário entre os
planos do sensível e do entendimento. O esquema, ao contrário do que se poderia supor , não é uma imagem , mas
um método de construir uma imagem em conformidade com um conceito. Teremos
assim que o esquema será uma
determinação do tempo segundo as exigências de cada categoria. Obter-se-ão
assim tantos esquemas quanto o número de categoriais. O esquema da causalidade
consistirá na sucessão irreversível dos
fenômenos no tempo; o da substância , pelo contrário, a permanência de um fenômeno num certo intervalo de tempo, etc. ” (Kant, Edições Ediouro, s/d , Ibidem, p.
XIV-XV)
Pelo registrado acima, está consignado o valor do método! O
método é o que vale ! Este há não se aufere, não se mede, não se considera a
partir da coisa estudada , nada disto ! O fundamental é o conceito, a
categoria, esta sim induzirá o formato do método.
É um pensamento totalmente oposto ao
de Aristóteles.
Para Kant, a coisa em si não é
conhecida, pode ser pensada. Agora, como uma
coisa em sí não é conhecida pode vir a ser pensada ?
Ainda, a coisa em si não sendo
conhecida, mas pensada, este pensar toma a forma de número! O entendimento está
no limite do possível. A inteligibilidade das coisas é dada pelas categorias
analíticas. [3]
É curioso no pensamento de Kant a
morte de Deus enquanto parâmetro último da verdade, do conhecer. Se Deus
existe, é porque há verdade. Kant não tem este prisma, sua percepção é – a
elaboração intelectiva é a referencia
última da nossa capacidade de conhecer.[4]
Mas, o que ocorre ? Para ele, Kant, o homem é deus, é um ser transcendental. A
sua intelecção acusa um substrato de um processo que vai além das coisas. Esta
ideia de categoria a priori, esta ideia de que o conhecer não o é o conhecer de
algo em si, mas o exercício da utilização de categoria que nos a um conhecimento possível, ora, o que temos aí – um homem que
cria, que cria o seu próprio conhecer!.
Agora, ao mesmo tempo que ele
envereda por esta maneira de proceder no campo do entendimento, convém
lembrar que seu ponto de partida são as
antinomias. Ele parte de um olhar, cético, descrente, e configura um pensamento
no qual o homem tem um papel criador. Em Kant, o homem é deus ! Ao menos, um
sujeito agora transcendental (Ibidem, p. XVI)
Se a metafísica é algo inacessível,
se Deus também o é, ambos são necessários nas circunstancias da vida ordinária,
da prática, enfim, da moral! Vide –
A
crítica da Razão Pura mostrou que o espírito humano nada pode saber das
realidades transcendentes aos fenômenos, pois não há uma intuição intelectual.
Agora, no domínio prático, a Critica mostra que essas realidades devem ser
firmadas. Assim se impõe de novo a metafísica, segundo uma forma, a única,
segundo Kant, a ser possível numa idade dominada pelo ideal da ciência positiva, capaz de salvar os
temas que a metafísica dogmática wolffiana e com ela toda a metafísica
considerava seu autêntico patrimônio. É certo pretender Kant salvar as
matemáticas e a ciência da natureza, mas não deixa também de ser verdadeiro que
pretendeu também salvar o teísmo e assim integrar-se na linha tradicional. (Kant, Edições Ediouro, s/d , Ibidem, p.
XXI)
Critica do Juízo
Já a Crítica do juízo envolve uma fase de síntese em relação às duas
obras anteriores.
Nas palavras de Marilena Chauí (1999)–
“A Crítica da razão pura e a Crítica
da razão prática opõem a razão teórica à atividade moral, o mundo sensível
ao reino do inteligível, o real ao ideal (p. 17) . Poder-se-ia afirmar que
constituem dois momentos antitético de um processo dialético. A crítica da
faculdade de julgar constituiria o momento síntese, no qual Kant investiga o
sentimento do prazer e desprazer como uma terceira faculdade fundamental,
indagando se ela, como as demais, possui princípios a priori. Na crítica da faculdade de julgar, Kant quer ainda saber
se existem formas universais e necessárias de subordinação do mundo natural,
dominado pela necessidade , ao mundo da liberdade, no qual domina a idéia de
fim, tal como almeja a razão prática.
Kant
distingue na faculdade de julgar dois tipos de juízos: o juízo “determinante” e
ao juízo “reflexionante”. Este último, à diferença do primeiro, refere-se à
representação de um objeto, não a um conceito; refere-se às exigências e
estados subjetivos do homem. O sentimento de prazer e desprazer constitui a
fonte do juízo reflexionante, que concilia a faculdade de conhecer e a de
desejar, na medida em que subordina um conteúdo representativo a um fim.
Para
Kant, existem duas espécies de juízo reflexionantes: os teológicos e os
estéticos. Nos teleológicos , o objeto é considerado, segundo as exigências da
razão, como correspondendo a uma finalidade objetiva ; adaptando-se àquelas
exigências , suscita um sentimento de prazer. Nos juízos estéticos, o objeto é
relacionado com um fim subjetivo, ou seja, com o sentimento de eficácia sentido
pelo homem diante desse objeto.
Depois
de estabelecidas essas distinções, Kant passa , na primeira parte da crítica da
faculdade de julgar, a analisar os juízos estéticos...
A
segunda parte da crítica da faculdade de julgar trata do juízo teleológico,
segunda forma de ligação do sensível ao inteligível , do real ao ideal, da necessidade à liberdade , do
teórico ao prático. Aqui real ao ideal, da necessidade à liberdade, do teórico ao
prático . Aqui também Kant indaga quais as condições de possibilidade a priori
de tais juízos , examinando a exigência racional que leva o homem a
considerar a natureza do ponto de vista da finalidade. Para Kant, entre o
conhecimento a priori da natureza,
dado pela matemática e pela física, e o conhecimento dos fenômenos
particulares, dado pela experiência, e o conhecimento dos fenômenos
particulares, dado pela experiência, existe uma correspondência finalista
(destaque meu) Contudo, conhecer de modo universal e necessário o processo pelo
qual se realiza tal correspondência somente seria possível por uma inteligência
criadora das formas e, ao mesmo tempo, do conteúdo de suas representações , em
vez de receber o conteúdo como um dado. A existência de tal espírito não pode
ser demonstrada; trata-se de postulado da razão prática que formula um juízo
teleológico geral, solucionando a antítese entre mundo sensível e lei moral na
totalidade da natureza e subordinando o primeiro à segunda. (Chaui, 1999, p.
16-18)
Os
juízos teleológicos particulares (nos quais se afirma a adequação de um
fenômeno particular a determinado fim) somente são possíveis com relação a
objetos nos quais o próprio fim seja imanente a eles. Isso significa que se
trata de objetos de criação humana. Contudo, embora na natureza domine em geral
o mecanismo, existem os fenômenos biológicos que se apresentam “como se” a
ideia de todo, enquanto fim, determinasse a estrutura de cada parte do ser
vivo. O conhecimento científico deveria investigar até onde é possível o nexo
causal entre os fenômenos biológicos , mas o fato inexplicável da vida em geral
imporia, segundo Kant, a passagem ao
juízo teleológico.
O conceito de espaço em Crítica da
Razão Pura
Na primeira seção, item 2,
Kant afirma – “Por meio do sentido externo (uma propriedade de nossa mente) nós
nos representamos os objetos como fora de nós, e todos eles no espaço.
...(Kant, 2013, p. 73)
Comentário – sentido externo que nos
ajuda a nos representar , ou seja, o sentido externo nos ajuda a apreender o
que nos cerca, o sentido externo nos ajuda a nos representar . O que há fora, está fora, mas o que nos
advem disto não é algo que vem de fora; o sentido externo
tem a faculdade de nos fazer representar ... a rigor, o externo é um
olhar sobre nós mesmos, o externo só assim nos chega enquanto uma representação
de nós mesmos. Enfim, não existe aquela operação aristotélica pela qual o
sentido nos trás o externo e o ser humano
intelectualiza esta impressão vinda de fora, de qualquer forma, a intelictualização
está refém da matéria trazida pelos sentidos. No caso de Kant, o primado é a
mente, esta tem a faculdade de se apresentar, o sentido traduz um externo que
assim o é dado o conceito encontrado na mente.
Continuando a leitura, para Kant ,
há uma distinção entre espaço e tempo. O espaço tem relação com um sentido
externo. Já o tempo – “...O sentido interno, por meio do qual a mente intui a
si mesma ou a seu estado interno, não
fornece, da fato, nenhuma intuição da alma mesma como um objeto; ele é, no entanto, a única forma
determinada sob a qual é possível a intuição do seu estado interno, no sentido
de que tudo o que pertence às determinações é representado em relações de
tempo.” (Kant, 2013, p. 73)
Ainda, “... O que são então o espaço
e o tempo ? São entes reais ? São apenas, de fato, determinações , ou mesmo
relações das coisas, mas tais que pertenceriam às próprias coisas mesmo que não
fossem intuídas ? Ou são tais que só se ligam à forma da intuição e, portanto,
à constituição subjetiva de nossa mente, sem a qual esses predicados não
poderiam ser atribuídos a coisa alguma ?” (ibidem, p. 73)
Na página 74 da obra em análise
temos – “1) O espaço não é um conceito empírico que tenha sido derivado de experiências
externas. Pois para que certas sensações sejam referidas a algo fora de mim (i.
e. , algo em um outro lugar do espaço que não aquele em que me encontro), e
para que , do mesmo modo, eu as possa representar como externas umas ao lado
das outras, portanto não só diferentes, mas como em diferentes lugares, para
isso a representação do espaço já tem de servi-lhes de fundamento. A
representação do espaço não pode , assim, ser extraída da experiência a partir
das relações do fenômeno externo, mas é antes da experiência externa que só é
possível por meio de tal representação.”
Comentário – o parágrafo acima é uma
verdadeira proeza, proeza kantiana. Começa afirmando que o espaço não é um
conceito empírico. Poderíamos assim considerar que para Kant o espaço não é
este o geográfico que o geógrafo tem como objeto de seu estudo. Agora, Kant tem
uma atenção com a representação, ou
seja, o foco de Kant é o mundo mental. O
mundo intelectivo ! Daí porque o livro ser sobre a crítica da razão pura
... Agora, como é possível algo que não sendo empírico é passível de ser
representado ? Ainda, como é possível
falarmos em sensações que não passem pelos sentidos, o que nos remete a uma
interlocução da pessoa com o seu entorno ?
Reparem que o pensamento de Kant
sobre o espaço envolve uma dimensão importante no papel de localizar dados do mundo da
representação sendo que esta representação não coincide com a identificação de
algo que exista fora da mente.
O espaço de Kant é um espaço mental !
Continuando - “2)
O espaço é uma representação necessária a priori que serve de fundamento a todas as intuições externas.
Ninguém pode jamais representar-se que não há espaço, mesmo podendo
perfeitamente pensar que nenhum objeto se encontra no espaço. Ele é considerado, assim, como a
condição de possibilidade dos fenômenos, e não como uma determinação deles dependente; e é uma
representação a priori que,
necessariamente, serve de fundamento a todos os fenômenos externos.
O
pensamento de Kant é perverso. Ele utiliza termos que aparentemente dominamos
no nosso sentido comum, tais como
espaço, localização, fenômeno etc. mas os subverte afirmando não serem o que
são e como isto solapa a noção de que podemos conhecer. Agora, este movimento é
em si contraditório porque , como
podemos não conhecer se o próprio saber
que não conhece já é um conhecer ?
Continuando
– “3 ) O espaço não é um conceito discursivo ou, como se costuma dizer, um
conceito universal das relações das coisas em geral, mas sim uma intuição pura.
Pois, em primeiro lugar, só se pode representar um único espaço e, quando se fala em muitos espaços, entende-se
por isso apenas as partes de um mesmo e
único espaço universal. Estas partes também não podem proceder , como se fossem seus componentes (de modo que fosse possível a sua composição), ao único espaço que a
tudo abarca, mas somente nele são pensadas. Ele é essencialmente uno, e o diverso nele,
portanto também o conceito universal de
espaços em geral, baseia-se simplesmente em limitações. Disso se segue que, no que concerne a ele , uma intuição a priori (que não é empírica)
(p. 75) serve de fundamento a todos os conceitos do mesmo. Assim, também nenhum
princípio geométrico – por exemplo, o de que no triângulo dois lados somados
são maiores que o terceiro – é jamais deduzido dos conceitos universais de linha e triângulo, mas sim da intuição ; e isto a priori, com certeza apodítica.
Comentário
– quando estou diante de um cachorro, acaso posso dizer que ele me é uma
intuição ou uma verificação ? O mesmo podemos considerar o parágrafo acima, ou seja, como posso
considerar espaço como uma intuição pura ? Acaso ele não se apresenta na minha
frente ? Acaso não estou nele ? Acaso
posso viver sem ele ?
Ora,
o que é intuição ?
Recorrendo
ao dicionário Houaiss (2009) temos – faculdade ou ato de perceber, discernir ou
pressentir coisas ...
Em
resumo, intuição não se pauta em evidência. O cão que se encontra na minha
frente não é objeto de minha intuição. Pode ser objeto de minha intuição se acaso
percebo nele alguma moção que me leva a
crer que ele irá me morder. Porém, se ele de fato morde, não posso dizer que a
mordida que de fato ocorreu seja fruto da minha intuição, não, absolutamente
não, a mordida é algo real que não intuo mas que observo. Intuição se diz de
algo que ainda está para ocorrer !
O
espaço não está para ocorrer ! Ele já ocorre ! Ele de forma alguma pode
ser tido produto de uma intuição pura !
Novamente incorremos na noção de que Kant trabalho com vocabulário destituído
de seu senso comum , ou seja, quando ele aqui fala em espaço assim o faz para
tratar de algo que não é aquilo que entendemos como espaço.
Muito
provavelmente, o espaço de Kant é o
espaço matemático.
O
espaço para Kant é uma realidade matemática.
O
término do parágrafo envolve uma consideração sobre geometria, isto reforça a
observação acima. Agora, ele fala em espaço como uno e diverso que tem por
substrato uma única intuição. O conceito espaço decorre de uma única intuição.
Repare
que o parágrafo comentado é rico em desenganos, ele afirma (o espaço como algo
não passível de uma consideração
discursiva), mas no decorrer da redação desafirma isto (quando ele considera os muitos espaços) e por fim
volta a afirmar (o espaço não é algo
empírico). Ou seja, ora parece estar tratando do espaço propriamente dito, ora
não.
4 ) “O espaço é representado como uma grandeza
infinita dada. Agora, é preciso pensar cada conceito como uma representação que
está contida em uma infinita variedade de diferentes representações possíveis
(como sua característica comum) e que, portanto, contém-nas sob si; mas nenhum
conceito enquanto tal pode ser pensado como se contivesse em si uma variedade
infinita de representações. O espaço, todavia, é assim pensado (pois todas as partes
do espaço são simultâneos ao infinito). A representação originária do espaço,
portanto, é uma influência a priori, e não um conceito.” (Ibidem, p. 75)
Por
este parágrafo, fica nítida a noção de que o espaço detém uma particularidade
no pensamento de Kant que é o de
constituir um lastro em seu ato de cognição segundo o qual o espaço é algo pensado como algo a priori, algo a
qual as antinomias não são suficientes para desacreditá-lo, o espaço, assim
como o tempo, são lastros no pensamento de Kant. Mas lastros de uma forma de
algo a priori , que antecede tudo o mais. Não deixa de ser curiosa esta
constatação, Kant se serve de noções tão comuns a qualquer ser humano (como
tempo e espaço) para disseminar uma descrença no ato de conhecer, melhor, no
ato de encontrar a verdade. Para ele não
há verdade.
Primeira seção, Do
espaço, Item 3. Exposição transcendental
do conceito do espaço.
Entendo por exposição
transcendental a elucidação de um conceito como um princípio a partir do qual
se pode discernir a possibilidade de outros conhecimentos sintéticos a priori. Para esse propósito se
exige : 1) que tais conhecimentos decorram de fato do conceito dado ; 2 ) que
esses conhecimentos só sejam possíveis sob a pressuposição de um dado modo de
esclarecer esse conceito.
A geometria é uma
ciência que determina as propriedades do espaço de maneira sintética, mas
também a priori. O que tem de ser então
a representação do espaço, para que seja possível tal conhecimento ? Ele tem de
ser originariamente uma intuição ; pois
a partir de um mero conceito não podem ser extraídas proposições que vão além do conceito, tal como, no entanto,
ocorre na geometria (Introdução, V ). Mas esta intuição tem de encontrar-se em
nós a priori , i. e. , antes de qualquer percepção de um objeto, e tem portanto
de ser pura, não empírica. (p. 76) Pois as proposições geométricas são todas
apodíticas, i. e, ligadas à consciência de sua necessidade , como, por exemplo, em “o espaço tem apenas
três dimensões” ; tais proposições, contudo, não podem ser juízos empíricos ou
de experiência, nem ser a partir deles inferidas.
Como pode estar na
mente, então, uma intuição eterna que antecede os próprios objetos , e na qual
o conceito dos últimos pode ser determinado a priori ? Obviamente,
apenas na medida em que ela tem seu lugar simplesmente no sujeito, como a
constituição formal do mesmo para ser afetado por objetos e, assim, receber uma
representação imediata dos mesmos, i. e. uma intuição; apenas, portanto, como
forma do sentido externo em geral.
Somente a nossa
elucidação, assim, torna compreensível a possibilidade da geometria como um
conhecimento sintético a priori. Todo modo de esclarecer que não proporcione
isso, mesmo que pareça ter algumas semelhanças com o nosso, pode, graças a essas características
, ser dele diferenciado com segurança.
Comentário – chama a atenção a importância da intuição no
pensamento de Kant. O espaço é intuição. Sua observação sobre geometria nos apóia
no que acabamos de escrever.
Para Kant, a geometria é uma ciência
que determina as propriedades do espaço de maneira sintética e a priori. As
conclusões geométricas não podem ser juízos empíricos ou de experiência.
Não deixa de ser curiosa esta
antinomia entre intuição e experiência. As proposições geométricas são proposições
apodíticas não inferidas da experiência.
Porém, quando temos em conta a obra
de Euclides contraposta a de Riemann (geometria não euclideana) somos forçados
a considerar que o questionamento em torno da obra de Euclides surge justamente
pela sua insuficiência de compreensão do
empírico. O que gera o ponto de partida de Riemann não é a intuição, mas a
inadequação da geometria euclideana em compreensão dos processos mais avançados
na compreensão do mundo que nos cerca. [5]
Em Kant há uma certa absolutização
do sujeito, é o sujeito que decide. A
intuição é uma particularidade humana. O que é curioso em Kant que a intuição
assume um caráter absoluto, apto em conhecimento a priori. A geometria
exemplifica isto.
Porém, quando temos em conta a
história da geometria, esta surge por uma questão de Estado. Este precisa medir
os lotes para melhor arrecadar. Este precisa de melhor medir para ser mais
eficiente na guerra. Não é incomum a participação de geômetras nas guerras com
suas preciosas noções de balísticas. Em resumo, o nascedouro da geometria está
encharcada de elementos empíricos.
Esta visão de Kant, o da intuição,
lembra o mito da caverna de Platão. A noção de que o ser humano tem
remanescentes de um mundo da verdade pelo
qual a intuição é um instrumento por excelência na consideração do que se deva
entender como científico.
Por último, como um pensador tão
hostil ao empírico trouxe tanta repercussão para a geografia ?
Continuando a leitura de Kant .
Conclusões
a partir dos conceitos acima
a ) O espaço
não representa nenhuma propriedade de coisas em si ou das relações
destas entre si, i. e. , nenhuma determinação das mesmas que fosse inerente aos próprios
objetos e permanecesse mesmo depois de abstraídas todas as condições subjetivas
da intuição. Pois não se podem intuir determinações, nem absolutas nem
relativas, anteriormente à existência das coisas a que pertencem , i. e . , a
priori . (p. 76)
Comentário – o espaço não é !
b ) O espaço é tão somente a forma de todos os
fenômenos dos sentidos externos, i. e. , a única condição subjetiva da
sensibilidade sob a qual nos é possível a intuição externa. Como, no entanto, a
receptividade do sujeito para ser afetado por objetos antecede necessariamente
todas as intuições desses objetos,
compreende-se como a forma de todos os
fenômenos possa estar dada na
mente antes de todas as percepções
reais, portanto a priori, e como ela
possa, enquanto intuição pura em que todos os objetos têm de se determinados,
conter princípios das relações dos mesmos antes de toda experiência.
Nós
só podemos, portanto, falar de espaço, de entes extensos etc. , do ponto
de vista de um ser humano. Se saímos da única condição
(p. 77) subjetiva sob a qual podemos receber a intuição externa , i. e. , tal
como podemos ser afetados pelos objetos, então a representação do espaço não
significa absolutamente nada. Este predicado só é atribuído às coisas na medida
em que elas nos aparecem , i . e, na medida em que são objetos da
sensibilidade. A forma permanente desta receptividade , a que chamamos
sensibilidade, é uma condição necessária
de todas as relações em que objetos são
intuídos como fora de nós, e, caso se faça abstração desses objetos, ela é uma
intuição pura que leva o nome de espaço. Como não podemos fazer das condições
peculiares da sensibilidade condições de possibilidades das coisas, mas apenas
de seus fenômenos, então podemos perfeitamente dizer que o espaço abarca todas
as coisas que podem aparecer-nos externamente, mas não todas as coisas que podem
aparecer-nos externamente, mas não todas as coisas em si mesmas, quer elas
possam ser intuídas ou não e quem quer que seja o sujeito. Pois não podemos
julgar de modo algum, sobre as intuições de outros seres pensantes, se são ou
não vinculadas às mesmas condições que limitam a nossa intuição, e se são
vinculadas às mesmas condições que limitam a nossa intuição, e se são
universalmente válidas para nós. Se acrescentarmos a limitação de um juízo ao
conceito de sujeito, o juízo vale então incondicionalmente. A proposição “todas
as coisas estão umas ao lado das outras no espaço” vale somente sob a limitação
de que essas coisas sejam tomadas como objetos de nossa intuição sensível ...
Dado
o exposto, temos o primado da subjetividade orientando a relação da pessoa com
o espaço. No entanto, há um aspecto curioso a ser destacado – em que pese Kant tratar do tema espaço de
forma não empírica; no livro em destaque
“Géographie physique” são recorrentes a menção a Isaac Newton, um físico que passou
a considerar o espaço justamente a partir de sua experiência; a noção de lei da
gravidade é fruto desta.
Conclusão
Não é fácil ler Immanuel Kant
O grande desafio está em compreender
o que precede o pensamento do mesmo.
Kant tinha um projeto, agiu conforme
um projeto.
Por aí temos uma indicação de como
ele concebeu o espaço.
Para entender Kant, é fundamental se
ater à sua relação (não relação) com
Deus.
Bibliografia
CHAUI,
Marilena – Vida e obra de Kant , prefácio . In Kant, coleção Os
pensadores. São Paulo : Ed. Nova
Cultural, 1999, p. 5-18.
HOUAISS,
Antônio et alli - Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro :
Ed. Objetiva, 2009.
KANT,
Immanuel . Géographie physique. Trad. Michèle Cohen-Halime , et alli . Paris : Ed. Aubier,
1999.
KANT,
Immanuel – Crítica da razão pura. Trad. J. Rodrigues de Mereje e Prefácio de G.
D. Leoni. Rio de Janeiro : Ediouro, s/d.
KANT,
Immanuel – Crítica da razão prática. Trad. e prefácio de Afonso Bertagnoli. Rio
de Janeiro : Ediouro, s/d.
KANT,
Immanuel – Crítica da razão pura . Trad. Trad. Manuela Pinto dos Santos et alli . Introdução e notas
de Alexandre Fradique Morujão. 2 .. edição. Lisboa : Fundação Calouste
Gulbenkian , 1989.
LEBRUN,
Gérard – Kant e o fim da metafísica. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura .
São Paulo : Ed. Martins Fontes, 1993.
KANT,
Immanuel - Crítica da razão prática . Trad. e nota de Valério Rohden baseada na
edição original de 1788. Edição bilíngüe. São Paulo : Martins Fontes, 2003.
KANT,
Immanuel - Crítica da razão pura. Trad.
e notas de Fernando Costa Mattos . 2 ed. Petrópolis (RJ): Vozes ; Bragança
Paulista (SP) : Editora Universitária São Francisco , 2013.
[1] Em que pese ser longo e pesado o presente parágrafo , este foi produzido por uma excelente e sucinta caracterização da referida obra por G. D. Leoni para edição produzida pela coleção Ediouro (s/d), p. 11-16.
[2] Afonoso Bertagnoli em prefácio
desta obra de Kant pela coleção Ediouro (s/d) , assim se expressou – “A
ressurreição de Deus que assistimos na Crítica
da razão prática é apenas vocabular, já que na sua obra capital anterior
não negou o filósofo a divindade ; apenas combateu os falsos argumentos em voga acerca da demonstração de sua
existência – ponderemos, acerca deste ponto mais uma vez - , dizendo que de
princípios puramente teóricos nada de apreciável acerca da divindade é possível
colher. As leis naturais, os princípios da pesquisa científica , não se
encontram disseminados e ocultos na realidade natural; eles existem e vivem
apenas no pensamento, originando-se do mesmo. Não constituem , de modo algum,
imposição arbitrária que nos possa fazer a realidade exterior mas, sim, uma
auto-revelação , dentro do nosso
recôndito , um poder criador da nossa inteligência. Resulta disso um campo
infinito de aplicações , no qual o pensamento se expande em todo sentido, no
domínio correlato à experiência, dado que qualquer impulso em relação à
pesquisa não deve partir de um poder estranho mas, sim, necessariamente, surgir
de si mesmo. É nesse “mundo da verdade” , no qual penetramos amparados pelo
critério da verificação , que adquirimos a consciência de que nos é facultado
conhecer tanto quanto agimos. A nenhum título de glória maior do que a
afirmação radical desse princípio era dado aspirar a filosofia kantiana”. (s/d ,
p. 18)
[3] “Já em tempo de Kant
afirmava Jacobi (1743-1819) que “sem a
coisa em si não se podia entrar no recinto da Crítica da Razão Pura, mas com a
coisa em si não se poderia nele permanecer” (Kant, Edições Ediouro, s/d , Ibidem,
p. XXI – XXII)
[4] Em Kant, a teologia aborda algo para o qual o homem não tem como aferir se isto é verdade ou não. Porém, este mesmo ceticismo não ocorre com a matemática e a física, conhecimentos aprioristicos. (Kant , Edições Ediouro, s/d , Ibidem, p. XVII e XIX ) Não deixa de ocorrer uma certa dose de arbitrariedade em seu proceder. Ele não admira Deus , mas admira Isaac Newton.
[5] Inclusive, foram as proposições
revolucionárias de Riemann que mais tarde Albert Einstein reconstituirá nossa
visão de espaço. Por exemplo, esta observação de que espaço tem três dimensões
pode ser aceitável numa proposição euclideana mas não mais com a compreensão da
teoria da relatividade.