Revista geo-paisagem ( on
line ) Ano 2, nº 3, 2003 Janeiro/Junho de 2003 ISSN Nº 1677-650 X |
Os anos dourados da Geografia Brasileira : antecedentes, realizações e conseqüências dos anos 50 e 60
Miguel Alves de Lima[1]
( Palestra proferida em 29/5/03 no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio de Janeiro em comemoração ao dia do geógrafo. O autor gentilmente consentiu que a publicássemos nesta revista eletrônica. O valor de sua fala encontra-se no registro de um das memórias da geografia brasileira, particularmente daquela gerada no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. )
A Geografia Brasileira tem antecedentes que evoluíram muito significativamente. Sua história se confunde com a própria história do Brasil, pois os registros dos primeiros momentos da Nação, contado por seus primeiros narradores e de onde se podem obter muitas significativas informações.
Visitantes ilustres que aqui estiveram nos deram os elementos necessários para ter as primeiras idéias da natureza de nosso território em seus principais aspectos.
As viagens de Agassiz e Saint Hilaire, por exemplo, deixaram uma documentação extraordinária, a ser estudada, ainda hoje, com a maior atenção pelo que representam.
Os anos foram passando e novas fontes de informações se foram somando aquelas que já se havia firmado como de grande interesse para a geografia.
Até então, geralmente, de origem de atividades outras, mas que deixaram grandes subsídios ao conhecimento do território brasileiro e à informação de modo mais amplo. Até que a geografia começou, aqui, a se impor como uma especialidade e seu ensino passou a ocupar espaço significativo no domínio do conhecimento.
A esses estágios correspondem o aparecimento de seu melhor ensino e a pesquisa. É de dias mais recentes, então que nomes destacadamente ligados a esse conhecimento começaram a ser conhecidos nas cidades e no país por seu trabalho.
Com a criação das antigas faculdades de filosofia, ciências e letras e a criação dos cursos de Geografia e de História foi que a individualidade do conhecimento e de sua especialidade se consolidou entre nós.
Quase que simultaneamente a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, presidido pelo ilustre embaixador José Carlos de Macedo Soares, foi outra iniciativa que veio a consagrar essas atividades.
Estávamos nos anos 1937-1938.
Fundado o Conselho Nacional de Geografia, que com o Conselho Nacional de Estatística e o Serviço Nacional de Recenseamento, constituíam então o IBGE foi seu primeiro dirigente e o engenheiro Christóvam Leite de Castro que havia recebido em seu curso muitos prêmios na antiga Escola Polytécnica do Rio de Janeiro, homem de extraordinário visão que começou o recrutamento de seus quadros iniciais com inteligência e perspicácia.
Chamou para orientar o trabalho da especialidade o também brilhante engenheiro Fábio de Macedo Soares Guimarães e o professor Orlando Valverde, este já diplomado na especialidade.
Vale aqui apontar o papel dos engenheiros no desenvolvimento da Geografia no Brasil. Talvez por suas vinculações com o conhecimento geológico eles se interessam inicialmente pela Geografia Física, notadamente, a Geomorfologia, mas logo, também às geografias Humana e Econômica. Destacaram-se nelas o grande Alberto Ribeiro Lamego ( “Ciclo Evolutivo das Lagunas Fluminenses”, “O Homem e a Restinga”), e o notável Fernando Marques d’Almeida, ( “A Morfogênese da Serra do Cubatão” ).
Assim, logo se constituiu a Seção de Estudos Geográficos, núcleo de formação das primeiras gerações de geógrafos formandos dentro do IBGE.
As faculdades formavam os professores de Geografia. O IBGE treinava e formava os geógrafos especializados.
Ele mesmo, Fábio de Macedo Soares Guimarães, juntamente com Christóvam Leite de Castro, começaram a estudar Geografia na antiga Faculdade Nacional de Filosofia. Leite de Castro, por suas intensas outras atividades, não pode continuar esses estudos, concentrando-se no planejamento e execução dos trabalhos que iriam consagrar aquele Conselho.
A essas ações, seguiu-se a de procurar o aperfeiçoamento desses quadros, mandando para diferentes universidades dos Estados Unidos e da Europa, inicialmente, os geógrafos que iniciaram suas atividades no IBGE.
Foram logo selecionadas as universidade de Wisconsin, Chicao e Syracuse, nos Estados Unidos da América do Norte, para onde se seguiram o próprio Fábio Guimarães, Orlando Valverde, José Veríssimo da Costa Pereira, Speridião Faissol, Ney Strauch, Lúcio de Castro, Lindalvo Bezerra dos Santos e outros orientados pelos professores Vernon Finch e Glenn Trewrtho da Unidade de Wisconsin; Clarence Jones da North Western; Preston James de Syracuse.
Na França, no “Institut de Géographie de Faculte de Lettres” da Sorbonne, e Strasbourg, Lyon, Grenoble e Montpelier, tiveram orientação dos professores De Martonne, André Cholley, Jean Tricart, Jean Dresh, Raoul Blanchard, respectivamente, eu mesmo, Héldio X. L. César, Pedro P. Geiger, Elza Keller, Eloísa de Carvalho, Alfred Domingues, Marília Galvão. Em seguida, Antônio Guerra, Carlos Augusto F. Monteiro, e muitos outros técnicos do IBGE foram beneficiados com essa importante formação.
Ainda dentro dos quadros do IBGE destacaram os professores Dora do Amarante Romariz, Lysia Maria Bernardes, Nilo Bernardes entre outros.
Bastam os nomes dos cientistas e professores citados para que se tenha uma idéia do que foram esses contatos e treinamento de nossos geógrafos com o que houve de melhor na Geografia Mundial.
No Brasil, de outras formações, importantes geógrafos se destacaram. No Rio Grande do Sul, Lourenço Mario Prunhes, um dos únicos geógrafos deterministas do Brasil; em Santa Catarina, Victor Peluso; no Paraná, o grande Reinhard Maack; em São Paulo, Aroldo de Azevedo, cujos livros didáticos foram adotados em todo país; João Dias da Silveira; no Rio de Janeiro, além dos precursores Delgado de Carvalho e Fernando Raja Gabaglia, Fábio Macedo Soares Guimarães, Veríssimo, Lamego; na Bahia, Milton Santos, em Pernambuco, Mário Lacerda de Mello e Gilberto Osório de Andrade. Enfim, uma plêiade de professores e pesquisadores marcou essa fase brilhante da Geografia no país.
O objetivo dessas iniciativas era, além de obter-se excelente observação especializada, preparação conceitual, dada as já existentes variadas “escolas” que caracterizavam então nossa ciência.
A Geografia já estava considerada como tal, pois havia estabelecido seus objetivos e métodos próprios.
O objeto era para todo sempre o fato geográfico, identificado por seus caracteres próprios, ligados ao conhecimento de outras ciências, como a Geologia, a Botânica, a Meteorologia e a Sociologia. Mas essa ligação científica exigia certos cuidados, dominantemente o de não se confundir com a natureza intrínseca desses conhecimentos. Cabia distinguir nitidamente a participação delas na Geografia, mas, sem invadir seus próprios domínios. Esse aspecto se tornou essencial na ciência geográfica e sua observância criteriosa e passou a indicar a qualidade da informação, dependendo cada vez mais da cultura científica do geógrafo.
A Geografia Brasileira, coerente com esses princípios, passou a ocupar lugar destacado no âmbito mundial.
A realização no Rio de Janeiro do XVIII Congresso da União Geográfica Internacional, a UGI, veio coroar uma situação que se afirmava definitivamente.
Centenas de geógrafos e professores de Geografia do mundo inteiro aqui vieram examinar e discutir uma enorme quantidade de trabalhos então apresentados.
Mais do que isso, as viagens de estudos organizadas, as tradicionais excursões, cinco grandes às denominadas regiões geográficas e várias outras menores realizadas. As grandes, apoiadas por excelentes “livros Guias”, preparados por geógrafos brasileiros. Esses documentos passaram a constituir informações indispensáveis ao conhecimento do território nacional.
O “Método Geográfico” outra característica da Geografia como ciência, se fundamenta na “Descrição Racionada” do fato que se tem a apresentar. Essa “descrição” fundamentada em traços característicos de ciências associadas apresenta o maior perigo de invasão de outros campos. É aí que a metodologia própria oferece a melhor oportunidade de um geógrafo mostrar a sua qualidade. Na explicação científica das inter relações da Geografia com os conhecimentos ela deve permanecer estritamente em seu domínio, usando adequadamente os elementos fornecidos por outros campos na inter relação dos traços. Geologia, Botânica, Meteorologia, Ciência Social contribuem decisivamente para a argumentação fundamental de uma explicação de um fato, sem que essas outras ciências percam sua individualidade.
A fina percepção desses limites dá ao geógrafo a oportunidade de revelar a sua acuidade.
Com esses fatos e essas normas, a Geografia se afirmou definitivamente como ciência e passou a ocupar lugar destacado nos meios especializados mundiais, inclusive como fonte de informação para seus administradores.
Por essas razões, no Brasil, ela passou a ocupar especial ao ser vinculada ao Ministério do Planejamento.
A Geografia Brasileira ficou devendo muito a professores como Francis Ruellan, Leo Waibel, Pierre Deffontaines que aqui estiveram, deixando sua inestimável contribuição no aperfeiçoamento dos geógrafos brasileiros.
Essas são, em breves considerações, o que lhes queria fazer.
Muito Obrigado.
[1] Prof. Miguel Alves de Lima ( 88 anos ), geógrafo, entrou no IBGE em 1939; teve a oportunidade de participar do processo de promoção da geografia brasileira capitaneada pelo IBGE que estava intimamente articulado a um projeto de estado. Estudou na França com Francis Ruellan e Jean Tricart. Ficou no IBGE até 1982; esteve em vários países e ocupou vários cargos naquela instituição.