Fronteiras e limites

 

 

Item 2.2 da tese de doutorado - A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro segundo uma perspectiva de análise geográfica. Foi defendida em 10/03/1998 no programa de Pós-Graduação em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro sob a orientação do Prof. Claudio Antonio Egler. O item 2.2 da tese focaliza a questão dos limites territoriais em termos conceituais. O autor é professor de Geografia da Universidade Federal Fluminense ( helio@vm.uff.br )

 

Item  2.2 ) Uma perspectiva geográfica

 

Helio de Araujo Evangelista

www.feth.ggf.br

 

            O tema limite territorial é raramente tratado pelos estudos sobre fronteiras, pois estes priorizam a discussão sobre as fronteiras internacionais, o que trás um notório desafio na elaboração de uma teoria que verse sobre fronteira interna.

            Entendemos, ainda, que a transposição do conteúdo das discussões sobre fronteiras internacionais para as divisas internas de um Estado não nos parece muito apropriada pois, nas fronteiras internacionais, está em foco a relação entre Estados, enquanto as divisas internas dizem respeito às relações internas a um Estado. Então, são graus de relacionamento distintos.

            Dado o exposto, cabe realizar uma pesquisa entre os diferentes autores que trataram de fronteiras no intuito de extrairmos subsídios para estabelecermos um marco referencial para o nosso estudo.[1]

Fronteiras ou limites

 

            Verifica-se uma confusão no uso dos termos para se analisar os limites territoriais. Por exemplo, a noção mais própria para o nosso estudo vem a ser fronteira ou limites, e por que não divisas ?

            Não raro, a idéia de fronteira vem acompanhada a da noção de expansão de fronteira agrícola . Sobre este aspecto, a coletânea de artigos organizada por Catherine Aubertin para a obra intitulada Fronteiras ( 1988 ) exemplifica, a partir de alguns artigos, a relação entre fronteira com expansão agrícola, porém, há outros estudos que relacionam fronteiras com outras variáveis. Nesta mesma obra , por exemplo, o artigo de Bertha Koiffman Becker - “Significação contemporânea da fronteira: uma interpretação geopolítica a partir da Amazônia Brasileira” relaciona fronteira com a questão tecnológica.

            Sendo assim, passamos a definir o tema a partir de dois autores: J. R. V. Prescott e André Martin. A razão da escolha destes dois geógrafos decorre da intenção de destacarmos quem procurou realizar um extenso levantamento sobre a questão das fronteiras internas de um país, neste sentido podemos afirmar que Prescott realizou, na década de sessenta, um primoroso trabalho sobre o trabalho; já André Martin, representa, a nível nacional, quem mais aprofundou o tema ultimamente. A partir destes autores, temos uma visão mais ampla sobre o modo como devemos responder à pergunta acima.

            O primeiro, na sua obra - The geography of frontiers and boundaries [2], diferencia o uso dos termos boundary e frontier , sendo que boundary “...refers to a line, while frontier refers to a zone” ( p. 30 ). Nas págs. 34-40, ele trata de settlement frontier que “...refer to frontiers within a state, separating settled and unsettled areas.” ( p. 34 ) No decorrer da exposição, ele trata da expansão em áreas juridicamente reconhecidas  como pertencentes ao país onde ocorre a ocupação ( e ele cita como exemplo a expansão para o oeste, nos Estados Unidos, após os acordos que confirmaram seus limites ). Assim, ele não trata propriamente de limites mas sim de áreas fronteiriças.

            No entanto, no capt. VI - “Geographical studies of intra-national boundaries” Prescott não trata de internal frontier ( fronteira interna ) mas sim, de intra-national boundary ( limites internos ),  ao ter este procedimento o autor frisa a importância de passar a discutir a questão dos limites, e não propriamente das zonas fronteiriças intra-nacionais como poderíamos tratar através das chamadas settlement frontier. O settlement frontier, que diz respeito às fronteiras no interior de um Estado, se diferencia do que ele chama intra-national boundary que vem a ser limites territoriais dentro dos Estados Nacionais. O settlement frontier , por sua vez, só existe quando os limites ( boundaries ) são definidos juridicamente, pois afinal, não tem sentido tratar de fronteira se préviamente não fica defenido um limite além do qual opera-se a expansão.

            Prescott em seu trabalho adota três noções tendo em vista esta definição jurídica, a saber: allocation, delimitation, demarcation ; sendo que o primeiro significa a etapa inicial da divisão do território, o segundo compreende a seleção de um limite e sua definição, e a demarcação, por sua vez, diz respeito à construção do limite no terreno.

            André Martin in Fronteiras e nações  ( 1992 ) retoma algumas observações de Prescott, entre outros autores, e as adota em sua tese de doutorado As fronteiras internas e a “questão regional” do Brasil ( 1993 ). Após analisar a formação de fronteiras em diferentes partes do globo terrestre, ele abre distinções entre fronteira e limite, sendo que fronteira corresponde a uma faixa própria de uma área de tensão, enquanto limite vem a ser uma linha pela qual fica definido a atuação de um determinado Estado. No entanto, o limite sendo uma linha há de ser visível e, assim, surge a divisa que nada mais é que o aspecto visível do limite.

            André, tendo por base diferentes autores, ainda abre uma distinção entre delimitação e demarcação. A delimitação vem a ser o procedimento de se identificar o limite da fronteira, a demarcação, por sua vez, compreende a escolha dos marcos que irão significar a divisa no terreno.

            Mas haveria uma coexistência entre fronteira, limite e divisa no caso da fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro ? Parece-nos que não, pois, à época da fusão, não foram registradas discussões sobre os limites territoriais, de tal forma que não havia tensão entre os estados a ponto de se configurar uma fronteira . Deste modo, é apropriado, em nosso estudo, abordarmos limites interestaduais e não fronteiras interestaduais .

 

 

 

 

 

Os limites internos

Ratzel

            A primeira obra a ser aqui destacada para tratar de limites vem a ser aquela que funda a Geografia Política [3] por Friedrich Ratzel, a saber:  Politische geographie . Neste trabalho, Ratzel, que não tem a preocupação de diferenciar fronteira interna e limite, ao tratar de limites, destina um pequeno espaço para os limites internos. A rigor, pudemos encontrar apenas dois itens que tratam especificamente do assunto [4] ; a ênfase na análise das fronteiras internacionais, por sua vez, decorre de sua própria forma de conceber o Estado, ou seja, para ele, a fronteira é tida como um órgão periférico do Estado, sendo, por isso, mais importante a configuração externa do Estado ( RATZEL, 1988, p. 168 ) [5]

            Sem a intenção de aqui resumir o pensamento de Friedrich Ratzel sobre fronteiras, mas tão somente destacar observações que nos auxilie a conhecer a forma como o próprio pensava os limites internos, destacaríamos alguns aspectos de seu pensamento.

            No item 268 - “Frontières intérieures et extérieures” ele observa que :

De la notion d’extériorité-intériorité des Etats découle la distinction entre frontiéres extérieures et intérieures. Un système fédéré d’ États, assurant à chaque membre paix et sécurité, transforme des frontiéres qui, auparavant, étaient la scène de combats sanglants, en des limites à signification presque exclusivement historique, de faible importance administrative, laissant à celles qui le séparent de l’adversaire véritable, le caractère entier de frontières politiques. ( RATZEL, 1988, p. 369 ) [6]

            Por esta passagem fica a percepção de que o limite, de fraca importância administrativa, estaria relacionado, num sistema federativo de Estados, a antigas disputas envolvendo Estados diferentes; por este aspecto, a fronteira interna não passa de uma lembrança de um passado, com um menor conteúdo político se comparado às fronteiras internacionais.

            Já no item 252 - “Modifications de frontières intérieures” , temos:

“Les modifications de frontières à l’intérieur des Etats, entre provinces, arrondissements et autres subdivisions, sont d’une fréquence tout-a-fait extraordinaire. La plupart des Etats y ont été contraints au cours des dernières décennies, en raison déjá de l’évolution des conditions de circulation. De petits Etats, tels Baden, Altenburg, ont transformé complètement leur maillage interne au cours de la dernière génération. Pour l’ histoire, en régle générale, ces changements n’ont aucune importance. Mais il s’agit là, en termes de droit des gens, de frontières administratives. Un tout autre impact peut résulter d’une subdivision d’entités aussi consacrées par l’histoire, que l’a opérée la France de 1789 en fractionnant ses provinces en départements, ou la monarchie habsbourgeoise en 1867 en introduisant le système du dualisme. Il est des limites intérieures dans lesquelles des césures historiques prennent la forme de frontières. Ces cicatrices ont beau être devenues pratiquement invisibles, elles finissent par se rouvrir, comme d’anciennes blessures; la cohésion de l’Etat tient alors à leur profondeur. Quand des rochers s’effondrent, c’est toujours sur le fil des vieilles fissures et failles, invisibles aussi longtemps que le rocher forme un tout ... Les vieux membres de l’Etat sont disloqués par des frontières moins sensibles que les membres récents. La frontière Saxe-Bohème n’a pas la même importance que celle qui sépare Alsace et Bavière, et en Bavière elle-même, les provinces franques sont moins coupées des vieilles provinces bavaroises que ne le sont entre elles ces dernières.” ( RATZEL, 1988, p. 347 ) [7]

            Pelo indicado, Friedrich Ratzel identifica uma grande dinâmica nas transformações dos limites internos, estando, por sua vez, relacionada com a evolução das condições de circulação. Em seguida, ele observa que esta dinâmica não tem um significado para a história de um país , mas sim, uma caraterística administrativa; havendo, no entanto, divisões internas decorrentes de processos históricos marcantes, como o realizado, por exemplo, pela Revolução Francesa em 1789 que alterou profundamente sua malha interna; nestes episódios, os cortes históricos tomam formas de fronteiras internas que passam desapercebidas até o momento, porém, dadas as novas circunstâncias históricas, estas cicatrizes são reabertas.

            No item 97 - “La taille des diverses parties de l’Etat. Changements territoriaux internes. Impact du commerce” Ratzel nota que :

“Le cadre politique dans lequel s’inscrit un territoire ne doit pas faire perdre de vue les transformations territoriales internes qui s’y opérent. Le cadre peut demeurer en place, tandis que son contenu s’altère ou, inversement, un contenu primitivement hétérogène peut se niveler et s’homogénéiser. Ce sont alors deux logiques spatiales différentes qui s’affrontent, ou qui convergent vers un même but.” ( RATZEL, 1988, p. 171) [8]

            Pelo arrazoado, Ratzel indica que o território delimitado assim o é em função de um aparelho político que tanto pode permanecer inalterado ou mudar de conteúdo, dada a dinâmica interna do território. Assim Ratzel chama a nossa atenção para o papel do Estado enquanto aparelho, assim como para a dinâmica interna do território . Logo, há uma organização espacial forjada pelo aparelho de Estado, que tem nos limites uma expressão de sua atuação, e há uma outra organização que decorre de uma dinâmica interna aquele território que pode comungar com os interesses do Estado ou não.

            Parece, assim, que há dois níveis de dinâmica que nos ajudam a conceber uma distinção que será muito útil no nosso trabalho, a saber: a distinção entre limite adotado pelo aparelho de Estado e limite projetado por outras forças sociais no intuito de se alterar o primeiro .

Jacques Ancel

            Na intenção de melhor qualificar a tensão entre o limite adotado e o limite projetado caberia recorrermos à leitura de um outro clássico sobre fronteiras - Géographie des Frontières de Jacques Ancel que se situa numa escola oposta à de F. Ratzel, a escola francesa . [9]

            Verificamos que o autor dá uma ênfase na análise das fronteiras externas e discorda do geógrafo alemão por entender que ele concebe a fronteira como um organismo periférico. Cabe ainda observar que a obra de Jacques Ancel foi publicada na década de 30, portanto, escrita numa época de intensos debates sobre questões fronteiriças externas no contexto europeu. Neste período, Jacques Ancel tinha como principal interlocutor o General alemão Karl Haushofer e sua escola germânica de Geopolítica; neste sentido, a oposição à Ratzel é, em última análise, uma luta contra pressupostos ratzelianos que Haushofer teria trabalhado ( como o direito natural de um Estado em crescer, etc. ).

            Jacques Ancel evita uma noção cartográfica de fronteira que não possibilite a percepção de que ela é uma noção construída intelectual e socialmente. Na verdade, segundo Ancel, a fronteira resulta de um equilíbrio de forças entre sociedades diferentes, tendo, portanto, um caráter transitório, pois pode ser modificada quando ocorre uma alteração deste equilíbrio. ( 1938, pp. 51-52 )

            Além disto, observa-se em Jacques Ancel uma intenção de se opor a Ratzel a partir de uma posição “anti-naturalista”, chegando a tratar do caráter ilusionista das fronteiras naturais, pois os elementos naturais não bastariam por si só para configurarem fronteiras ( a não ser aspectos naturais de magnitude como são os oceanos, as cordilheiras que, de fato, perfazem fronteiras ). O que de fato rege as divisões territoriais é a dinâmica social e a respectiva correlação de forças entre as partes envolvidas que podem ter nos elementos naturais referências para a formação de suas fronteiras.  ( 1938, capt. V, pp. 66-79 ).

            A partir da visão de se ter a fronteira como fruto de um equilíbrio de forças, Jacques Ancel trabalha com a concepção de isóbara política que apresenta um caráter variável em função da dinâmica das forças políticas atuantes:

“L’effort humain ne fixe pas à l’avance sur une carte une limite à son activité : selon ses nécessités temporaires, il clôt ou il ouvre les barrières et, de chaque côté, la double pression qui s’exerce crée une frontière provisoire.”  ( ANCEL, 1938, p. 99) [10]

            A princípio, acreditamos que esta concepção de isóbara política poderia vir a ser utilizada em estudos sobre limites territoriais. No entanto, surgem duas dificuldades, a saber: primeira - a isóbara política para Jacques Ancel está permeada pela relação entre povos autônomos, com capacidade militar de enfrentamento, portanto a isóbara política é permeada por uma grande complexidade e gravidade entre os fatores considerados; segunda - no caso dos limites, as partes envolvidas estão submetidas a uma mesma estrutura de poder estatal, e portanto, as divisas territoriais não estão calcadas, marcadamente, por um enfrentamento entre partes opostas; há, sim, uma regência nas divisões territoriais realizadas por níveis mais altos da hierarquia do Estado que podem ou não levar em conta a dinâmica local .

            No entanto, a concepção de isóbara política pode vir a ter uma outra tradução, se resgatamos a distinção acima descrita entre limite adotado e limite projetado, a saber: pelo conceito de isóbara política fica expressa a idéia de que a delimitação decorre de uma relação de forças entre atores sociais adversários que abre uma tensão entre os dois limites, pois cada um envolve perspectivas diferentes tanto para a atuação do Estado quanto dos atores sociais.

Claude Raffestin

            Cabe a seguir melhor aquilatarmos a caraterística desta tensão, a partir da contribuição de Claude Raffestin e sua obra - Por uma geografia do poder ( 1993 ) .

            Segundo Claude Raffestin, as delimitações territoriais têm uma íntima relação com o poder; não podendo o objeto das tessituras territoriais ser subordinado a uma perspectiva que enfatize o quadro físico para explicar os limites, assim como, o Estado não age autonomamente em relação ao processo social. Logo, o aspecto político dos limites territoriais não deve ser entendido no seu sentido exclusivo, sendo este ou aquele o responsável “absoluto” por um determinado limite.

            Claude Raffestin advoga uma abordagem que compreenda a tessitura territorial fundada por relações econômicas, culturais e sociais, embora demarcada pela ação do Estado pois este detém o poder de legitimar o corte no território.

            As divisões territoriais decorrem de um “entendimento” quanto à melhor forma de se delimitar o território dada à ação de estratégias realizadas por atores sociais que compartilham de um determinado projeto .

            Estes atores sociais na perspectiva de Raffestin vêm a ser forças sociais que operam no território de modo a viabilizarem seus projetos. Neste sentido, a relação destes com limites territoriais vem a ser caraterizado ora pela tensão, caso os mesmos interfiram em seus objetivos, ou, pelo contrário, pela ênfase na importância dos limites, caso eles sejam apropriados .

            No entanto, numa perspectiva mais sociológica, ou da ciência política, a nossa visão adotada de ator social não deixa de causar espécie, pois podemos incorrer no erro de considerá-lo como algo autônomo da sociedade. Porém, caberia registrar nosso argumento a favor da adoção da noção de ator social, a saber:   nós não gostaríamos de nos afastar da contribuição de Claude Raffestin, pois num estudo como o nosso, que se propõe a destacar aspectos locais de um problemática que envolve limite territorial, pareceu-nos que esta “trilha” indicada por Raffestin vem a ser útil aos nossos propósitos. Além do mais, os estudos dos limites territoriais, infelizmente, não podem ser ainda encontrados num trabalho de sociologia ou de ciência política, para que tenhamos melhores referências para tratar de nosso tema.

            Em seguida, Claude Raffestin compara a ação das organizações sociais e econômicas e destaca que “... os objetivos das organizações econômicas e os das organizações políticas são em parte contraditórios...Uma tessitura não pode ser modificada sem cessar; por outro lado, o poder que a utiliza pode ser amaciado e ajustado por intermédio de seus quadros e de seus princípios. Se relações necessárias devem se instituir entre os elementos pertencentes a duas malhas diferentes, não são os limites que impedem essas relações, mas as estruturas de poder que garantem as malhas”.( grifo nosso ) ( Ibidem, p. 177 ). [11]

            Assim, a questão dos limites vem a ser o sinal ( que no nosso entender viria a ter característica institucional ) pelo qual se expressa um acórdão entre estruturas de poder em termos territoriais. E a compreensão da significação dos limites nos remete a uma leitura destas estruturas de poder ; porém, à medida que as caraterísticas e dinâmica destas estruturas de poder se expressam, percebe-se a forma como os limites, sendo sinais, passam a ser elementos condicionantes, conformando a ação dos atores sociais.

            Cabe ressaltar, no entanto, que, na contribuição de Raffestin, os limites não se restringem a uma dimensão institucional, que é priorizada em nosso trabalho. Eles, também, assumem outras dimensões, envolvendo, por exemplo, a dimensão simbólica.

            Mas o que viria a ser esta dimensão institucional em nosso trabalho ?

Instituição

            A rigor, instituição tem diversas acepções a ponto de comprometer a validade de sua utilização enquanto um meio para se compreender a sociedade.

            No campo da economia, por exemplo, há uma vasta literatura tratando do tema, e mais especificamente do Estado [12] . A ênfase na valoração do significado das instituições, como contraponto às concepções neoliberais então vigentes que encontram no mercado a referência decisiva para se compreender a evolução da economia, vem ensejando a formação de uma nova corrente de pensamento econômico, a chamada corrente institucionalista. [13]

            Por esta corrente, a instituição é vista pelo prisma de que pertenceria a uma de suas atribuições propiciar uma ambiência que promovesse o desenvolvimento econômico. Neste sentido, as regras do mercado estariam permeadas por normas, atuação estratégica de instituições, que facilitariam ou obstaculizariam os empreendimentos econômicos de modo a manterem uma estabilidade tanto nas relações econômicas no intuito de vê-las preservadas quanto nas relações sociais de modo a refrearem sucessivos processos de marginalização social.

            No campo da sociologia, por sua vez, também não faltam referências, e um dos autores ao qual dedicamos maior atenção veio a ser Antony Giddens que, a partir de uma vasta obra, destaca um especial relevo na análise desta à sua dimensão espaço-temporal.[14]

            Um aspecto que realçaríamos da contribuição de Antony Giddens ao tratar das instituições ( principalmente na obra A constituição da sociedade ( 1989 ) ) é a sua preocupação com a questão da representatividade dela.

            As contínuas mudanças, que implicam numa operacional manipulação da dimensão espaço-tempo de modo a tornar as relações sociais mais padronizadas e menos afeitas a particularidades fazem com que a instituição tenha um sucessivo risco de vir a perder a sua legitimidade, ao se distanciar dos interesses aos quais deveria representar.

            Ao ampliarmos as leituras tanto no sociologia quanto na ciência política, verifica-se um notório discenso de como a instituição é considerada, como destaca Powell e DiMaggio ( 1991 ). Há os que frisam o seu aspecto cultural, como o faz Thomas et allii ( 1987 ), ou procuram alinhavar as principais caraterísticas internas de uma instituição como o fazem March e Olsen ( 1989 ), ou ainda, como Putnam ( 1996 ), que procura estabelecer uma relação entre a eficiência de uma instituição com o grau de civilidade da população ( civilidade esta forjada pela educação, passado histórico, mobilização política, etc. ) .

            Sobre a literatura brasileira, temos diferentes contribuições, como as de Boschi e Salinas ( 1975 ) que, a partir de um estudo sobre organizações, assinalam aspectos para a análise de instituições; Albuquerque ( 1986 ) a partir de uma perspectiva marxista analisa o tema segundo os níveis econômico, político e ideológico ; e ainda a recente tese defendida por José Maurício Domingues, professor da UFRJ.

            Optamos em trabalhar a instituição como estruturas de poder que agregam grupos sociais que comungam determinadas diretrizes que, de um lado, identificam a própria instituição, assim como orientam as formas de lutas para fazerem valer seus interesses. Assim, a instituição é componente concreto da sociedade, apresentando um conjunto de ações, decorrentes de uma comunhão de valores previamente estabelecidos e acordados entre os integrantes, que garante uma atuação constante e sistemática. O comportamento da instituição decorre e condiciona a atuação de seus integrantes pois a sua existência depende do estabelecimento de uma determinada coerência em suas caraterísticas de modo a não perder a sua identidade. No entanto, isto não indica que ela não possa ter uma forte dinâmica, pois o que pode ser alterado, e naturalmente se alteram, vem a ser as táticas e estratégias adotadas em função de seus objetivos, porém, isto não altera a sua identidade. [15]

            Em resumo, o que caracteriza a instituição vem a ser diretrizes previamente identificadas que justificam a aglomeração de grupos sociais que agem de forma constante e sistemática, trazendo para estes integrantes efeitos sobre sua própria conduta. 

            No entanto, na leitura desta bibliografia, sentimos a clara dificuldade de se avançar teoricamente na relação entre instituição e limite territorial, o que não deixa de causar espécie, pois é próprio de uma instituição, até mesmo para viabilizar o exercício de seu papel, a delimitação de uma área de atuação, sendo, aliás, este aspecto muito mais acentuado que numa empresa, por exemplo, que tende continuamente a transpor a sua área de influência. [16]

            Parece-nos que uma forma apropriada de pensarmos a relação entre limite e instituição vem a ser através da consideração de que o limite territorial é também um limite institucional.

O limite territorial enquanto limite institucional

            O limite territorial enquanto limite institucional foi inicialmente pensado por Paul de Lapradelle, quando em sua obra La frontière - étude de droit international ( 1928, p. 55 ) observa que segundo um ponto de vista jurídico é o Estado que institui um limite que por sua vez corresponde a uma utilidade objetiva - “ Du point de vue juridique, la délimitation est une institution d’Etat, correspondant à une utilité objective” . Deste modo, sendo a instituição vinculada à uma noção jurídica ( instituir = estabelecer ), pensamos que podemos entender limite como sendo um limite institucional, ou seja, um limite no território que tem a faculdade de delimitar a ação de determinados atores sociais.

            Porém, não nos restringimos à visão de que o caráter institucional decorra exclusivamente de sua feição jurídica.

            É necessário termos em conta, como o faz Martin in As fronteiras regionais e a “questão regional” do Brasil  ( 1993 ), a existência de um Estado territorial, ou seja, a noção é de que o Estado iniciou a promoção de relações com a sua base territorial que se distinguiam do que até então realizava o poder feudal e o poder temporal da Igreja. São relações, as do Estado, marcadas por um poder estatal monista, com suficiente autoridade homogênea sobre um determinado território e que permearia este território com vínculos institucionais em substituição a vínculos pessoais ou por uma situação eivada por regras diversas que não raro entravam em contradição. Portanto, os vínculos institucionais não dizem respeito exclusivamente ao aparato técnico da estrutura jurídica do Estado, mas sim, dizem respeito à formação do próprio Estado, o que nos remete a uma complexidade muito mais acentuada.

            A formação do Estado está sujeita à própria formação do sistema econômico capitalista que enseja junto a ele relações que o submetem a ditames facultadores de melhores formas de regularização tanto da produção quanto da reprodução. Neste sentido, o limite territorial tem subjacente uma dimensão tanto política quanto econômica. [17]

            Ao entendermos que o limite territorial vem a ser limite institucional, assim o é em função de ser um elemento regulador da ação dos atores sociais, sendo que este efeito regulador apresenta conteúdo que abrange o caráter político, pois regula a correlação de força entre atores sociais, como também econômicos, pois passa a afetar as atividades econômicas que não só dizem respeito a tributos, pela passagem sobre o limite, como também pela inviabilização de realização de iniciativas do poder público, ou privado, em função de aspectos institucionais destes mesmos poderes que os impedem de atuar em áreas externas às suas prerrogativas.

            Dado o exposto, cabe considerar que, sendo analisado o limite territorial como limite institucional, importa que os atores sociais encerrem em suas características aspectos institucionais, pois são estes que valorizam os limites e tornam estes merecedores de consideração por parte dos atores sociais. E estes aspectos institucionais devem ser encarados como normas que regulam parte da vida dos agentes sociais. Estas normas, por sua vez, podem vir a justificar a formação de estruturas de poder, assumidos por estes agentes, de modo a analisar,  justificar ou combater o efeito regulador que o limite territorial traz para a vida do ator social que o sustenta .

            Assim, abrimos uma distinção entre instituição e atores sociais, sendo que estes, por estar regulamentada segundo normas, estatutos, etc. têm uma área de atuação nas quais os limites territoriais estão inerentes às suas atividades, porém os atores sociais, em si, não são instituições puras, eles apresentam características não encontradas numa instituição, das quais destacaríamos, sobretudo, a sua função desregulamentadora, ou seja, o ator social assim o é, enquanto age e luta por seus interesses, mesmo que, para isto, tenha que romper com ditames institucionais ou, até mesmo, certas diretrizes básicas de sua conduta que se mostram inapropriadas em função das circunstâncias.

            Numa instituição, por sua vez, importa o seu caráter regulador, e isto podemos encontrar num partido político ou numa entidade de classe, porém, estes atores são mais que instituições. Eles procuram e fazem fatos novos !

            A mudança de caráter institucional de um limite territorial abre a chance de se analisar o comportamento de um ator social, podendo-se perceber o modo como ele codifica a mudança , interpreta-a , traça para ela um projeto de acordo ou de resistência. Assim, a mudança institucional de um limite territorial , via fusão, corresponde a uma revisão e reorganização dos papéis dos atores sociais diretamente vinculados aquele limite territorial.

            Além disto, em nossa pesquisa, cabe considerarmos não só o caráter regulador/limitador do limite territorial, mas também, o seu aspecto potencializador, ou seja, cabe entendermos que os posicionamentos favoráveis à redefinição institucional de um limite territorial decorrem de um cálculo estratégico que entende que a fusão venha a ser favorável aos objetivos de um determinado ator social.

            Para aprofundarmos este caráter institucional do limite territorial cabe aqui a retomada da leitura de Prescott ( 1965, op. cit. ), que nos parece útil para esclarecer alguns pontos.

            Utilizando-se de alguns autores, entre eles, Deutsch, Ullman e Whittlesey, Prescott verifica que a alteração dos limites provém da mudança de compromisso entre forças políticas locais que se baseiam em interesses econômicos próprios.

            Em seguida, apresenta observações advindas de estudos efetuados na Nigéria, onde constatou a existência de dois estágios, o de multiplicação e o de integração ; pelo primeiro, temos uma espécie de processo de pacificação das lutas entre tribos então existentes no qual os limites são traçados considerando jurisdições militares. Tendo o governo efetivado o completo controle sobre o território, é então iniciado o segundo estágio, que compreende uma tentativa de otimizar a administração e oferecer melhores condições ao desenvolvimento econômico a partir da junção de províncias.

            Após analisar estas duas etapas ocorridas na Nigéria a partir do início do século XX, ele assinala a importância de se ter uma perspectiva histórica do processo e que esta perspectiva deve considerar as características do próprio objeto para definir as etapas. Por exemplo, se estudasse a Inglaterra e não Nigéria, Prescott consideraria que o período histórico enfocado deveria ser muito maior em seu estudo.

            Numa outra parte do texto, quando trata da ação dos geógrafos na área de planejamento, ele diagnostica as dificuldades encontradas pelos geógrafos para administrarem as alterações dos limites territoriais pois verifica que os limites servem para diferentes funções que não são coincidentes, por exemplo: os limites podem tornar áreas que, a princípio, tem características semelhantes mas se vêem na contingência de não serem integradas por força deste mesmo limite; outro exemplo, diz respeito à questão urbana, às freqüentes conurbações que ensejam um plano uniforme de tratamento sobre o fenômeno que não raro se esbarra com a ação de duas ou mais administrações e, por último, ele assinala que, não raro, os limites ignoram as características culturais locais.

            Assim, pela contribuição de Prescott, fica enfatizado que o limite territorial singulariza a existência de administrações diferentes, que podem afetar na interação entre a área urbana e a rural, além de incidirem em aspectos culturais da comunidade, o que propicia o argumento de que o limite territorial envolve precipuamente a distribuição dos recursos públicos, ou o acesso a estes recursos por diferentes atores sociais.

            O que importa agora é visualizar as considerações teóricas até aqui destacadas à luz de uma perspectiva de alteração institucional do limite.

            Em trabalho de Claude Raffestin e Guichonet - Géographie des frontiéres (1974), assim como no trabalho de Raffestin ( 1993 ), é mencionada a chamada desfuncionalização da fronteiras[18], que analisada num contexto europeu, expressaria a tendência de se não mais poder conter os fluxos das pessoas e de bens e serviços tendo em vista a formação de zonas de integração e articulação.

            A noção de desfuncionalização adotado por Raffestin & Guichonet, no entanto, pode ter para nós uma outra forma de leitura tendo em vista ao que analisamos sobre a questão do limite institucional, sendo mais apropriado não pensarmos propriamente em desfuncionalização e sim refuncionalização, ou seja, os limites continuariam existindo porém institucionalmente refuncionalizados, com novos conteúdos que expressariam outras formas reguladoras, talvez não tão marcantes ao verificado antes da refuncionalização, porém, ainda capazes de regular a ação dos atores sociais embora estes possam não ser mais os mesmos da situação anterior ao da refuncionalização .

            Assim, a refuncionalização pode vir a suscitar junto à organização interna de um ator social uma reorganização conforme a forma como a mudança vem a ser codificada, pelo Estado.

            Sobre o Estado, Lacoste ( 1986 ) analisa-o e frisa a existência de uma géopolitique externe e uma geopolitique interne , a primeira corresponderia às relações internacionais dos estados nacionais, enquanto a segunda seria formada pela política interior num Estado. No âmbito da geopolitique interne, Lacoste enfatiza tanto o aspecto eleitoral, quanto a imediata relação entre os conflitos políticos com a questão territorial, ou seja, a via eleitoral privilegiada por Lacoste está demarcada por uma codificação da importância de um determinado território para uma dada força política em função da questão eleitoral.

            Por esta perspectiva, o Estado deve ser analisado tanto à luz de uma geopolítica interna, mais especificamente, ao modo como ele atuou nas divisas internas de seu território, quanto de uma geopolítica externa que traz um desdobramento para estas mesmas divisas.

 

            Em resumo, a contribuição de Ratzel enfatiza a importância dos estudos históricos dos limites territoriais como sendo uma forma de se compreender a sua origem; mas, sobretudo, extraímos a idéia de que o traçado no território não decorre apenas de uma herança histórica, esta herança sofre uma reatualização conforme os processos contemporâneos existentes dos quais Ratzel chama a atenção para as duas dinâmicas territoriais. Uma delas corresponde à ação do Estado que empreende uma malha político-administrativa sobre o território, e a segunda decorre de uma dinâmica proveniente da ação de elementos locais. De tal modo que podemos intuir a existência de um limite adotado, aquele estabelecido pelo Estado, que detém de fato a chancela de traçar os limites, e o limite projetado , aquele decorrente da ação de outras forças sociais que pode vir a influenciar no limite adotado.

            Pela leitura de Jacques Ancel, que enfatiza de sobremodo o caráter originariamente político dos limites e provisório, pois decorre de correlação de forças, nós passamos a perceber a tensão entre limite projetado e limite adotado .

            No intuito de aprofundarmos este aspecto, o da tensão entre os dois limites, utilizamos Claude Raffestin. Por ele, passamos a entender a tensão entre limite adotado e limite projetado à luz da dinâmica de atores sociais que procuram atuar em estruturas de poder conforme seus projetos e interesses de modo a interferir na delimitação do território. Além disto, nos foi possível observar que nesta dinâmica dos atores há uma distinção entre os que participam de organizações econômicas e aqueles que estão inseridos em organizações políticas. Logo, trata-se de visualizar uma tensão nos limites e entender que esta tensão tem componentes diferenciados, dos quais destacaríamos os aspectos econômicos e políticos. [19]

            Apresentados estes três geógrafos, e com a intenção de aprofundar o nosso objeto de estudo, partimos para uma discussão sobre a instituição, dado o pressuposto que a instituição é que tem uma grande atenção para com os limites territoriais pois vale-se dele para defender suas prerrogativas.

            Porém, após um alentado levantamento bibliográfico, notou-se uma lacuna na discussão entre instituição e limite territorial. Diante disto, pautado em Lapradalle, passamos a visualizar limite territorial enquanto limite institucional e, portanto, de um lado, tendo uma capacidade regulatória junto aos atores sociais pois regulam a ação dos mesmos no território, mas, por outro lado, a mudança institucional de um dado limite pode significar um caráter potencializador da ação de certos atores sociais.

            Visualizamos ainda, a partir de estudos de Prescott, que o limite territorial, sendo institucional, afeta sobejamente a administração do território podendo, inclusive, de modo a dificultar a otimização dos recursos, principalmente públicos, o que acirra os movimentos a favor de uma mudança de limites.

            Ao nos utilizarmos de Raffestin e Guichonet, por sua vez, percebemos que a perspectiva de uma alteração institucional de um limite territorial, como é o caso da fusão ora em estudo, implica numa refuncionalização do limite, o que contribui numa redefinição de área de ação dos próprios atores sociais, refuncionalização esta, tendo por base Lacoste, que deve levar em conta tanto a geopolítica interna quanto a externa do Estado.

            Em função do observado, importa definir, agora, o que o nosso estudo pode representar de avanço em relação às contribuições teóricas até aqui apresentadas .

            Não obstante a vasta bibliografia analisada, somente Prescott chegou a estudar evidências que dizem respeito à fusão, tendo em vista os seus estudos na Nigéria, embora eles estivessem marcados pela visão de um Estado que contava com total gerência sobre o seu território. O nosso estudo segue um sentido inverso ao de Prescott, ou seja, nós não privilegiamos inicialmente o papel do Estado, mas sim, partimos de atores locais para chegarmos até à ação do Estado. Neste sentido, este trabalho significa uma contribuição, pois, usualmente, quando se pensa num estudo sobre as divisas internas de um país se tem como referência imediata o Estado, a sua evolução, e como este processo repercutiu sobre os limites territoriais, porém, propomo-nos destacar os atores sociais pelos quais, pelos seus comportamentos, tornem possível a visualização de aspectos que não seriam perceptíveis se limitássemos nossa análise ao Estado.

            Em suma, a nossa contribuição não está em discordar do papel proeminente do Estado no tema, mas sim, em ter um procedimento metodológico de analisar o limite territorial a partir de um enfoque localizado, através dos atores sociais, que acabam levando na seqüência da análise a uma compreensão do papel do próprio Estado.

            Outro aspecto a assinalar vem a ser a tentativa de dar concretude a noções até aqui esboçadas. Por exemplo, quando nos referimos, em duas dinâmicas territoriais, ... ao conflito entre limite adotado e limite projetado , na ação dos atores sociais e respectivos projetos, ... nos aspectos institucionais dos atores sociais, segundo os quais estes traçam projetos em função de uma perspectiva de refuncionalização do limite territorial, pois entendem que esta refuncionalização implica numa reorganização interna em seus objetivos, ações, etc. e ainda que esta refuncionalização deve estar compreendida segundo uma geopolítica interna e externa, surge o seguinte desafio: como nós poderemos detectá-los em nossa base empírica?

 

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[1] A realização deste capítulo foi precedida de uma série de leituras que não foram aqui destacadas por não trazerem especificamente ao tema de fronteiras internas maiores contribuições, embora tenham analisado a questão das fronteiras internacionais, são elas: Michel Foucher em seus dois trabalhos - L’Invention des frontiéres  e  Fronts et frontiéres , Pierre M. Gallois in Geopolitique - les voies de la puissance e Dennis Rumley e Julien V. Minghi - The geography of border landscapes  . Além destas citações, assinalaríamos a contribuição dos técnicos do IBGE que em certo momento da história deste órgão a questão dos limites foi bem enfatizada, havendo inclusive discussões que vieram a ser apresentadas na Revista Brasileira de Geografia, dos quais destacaríamos os trabalho de Guimarães (1943 ), Pereira ( 1941 ), Guerra & Guerra ( 1960 ), e se não os incorporamos no texto foi porque os mesmos não traziam para a questão propriamente teórica do tema maiores esclarecimentos. O mesmo procedimento ocorreu com artigos em revistas que encontramos em Herodote e Revue de Quebec onde a ênfase estava voltada para a questão regional.

[2] Esta obra, mais tarde, veio a ser revista pelo autor, o que originou Boundaries and frontiers ( 1978 ) que, por sua vez, ensejou uma nova obra Political frontiers and boundaries ( 1987 ) . Estas obras, no entanto, não superam a parte sobre limites internos da obra publicada em 1965.

[3] A Geografia Política no meio acadêmico tem na obra de Friedrich Ratzel a sua principal referência para fundar o seu campo de estudo; porém, é com Rudolf Kjellen que toma força a Geopolítica. A rigor, a relação entre Geografia e o Poder sempre ocorreu como destaca Manuel Correia de Andrade ( 1992 ), porém, é com Kjellen e outros autores como Halford MacKinder , T. Mahan, entre outros, é que se destaca uma leitura desta relação onde o objetivo principal dos estudos vem a ser o de auxiliar as forças armadas para a guerra. Para Nelson Werneck Sodré ( 1976 ), a Geopolítica  viria a ser a arma do fascismo, dado a sua utilização no teatro da guerra promovida pelos nazistas . Esta situação chega ao paroxismo em que alguns autores como Wanderley Messias da Costa ( 1992 ) vão defender a distinção entre Geografia Política ( o lado científico da relação entre Geografia e Poder ) e a Geopolítica ( vista como instrumento de propaganda ), muito embora há quem defenda que não deveria ocorrer esta separação já que durante o domínio nazista outros campos do conhecimento foram também apropriados pela máquina de guerra, como a biologia e a história e nem por isto pensou-se mudar de rótulo destas disciplinas ( LACOSTE, 1988 ).

[4] Itens 252 ( capítulo 17 ) e 268 ( capítulo 19 ) in Géographie Politique, traduction Pierre Rusch, 1988. Cabe observar, como é destacado no avant-propos desta obra, que a tradução está baseada na 2ª edição da obra original Politische Geographie, do ano de 1903, e não abrange as três últimas seções do livro que versam sobre a transição da terra para o mar, o mundo marinho e montanhas e planícies . Não nos utilizamos da tradução realizada por François Ewald - La Géographie Politique: les concepts fondamentaux ( 1988 ) que se baseia na 3ª edição da obra original, pois é mais incompleta, não tendo, por exemplo, os dois itens acima mencionados. Tivemos, ainda, o cuidado, embora com dificuldades na tradução, de comparar os itens por nós utilizados ( 97, 252 e 268 ), com a versão original da 3ª edição; deste trabalho verificamos que Ratzel manteve a mesma redação do item 97 e introduziu um maior número de exemplos históricos nos itens 252 e 268 .

[5] Como pode ser atestado na 4ª lei de seu texto “ As Leis do Crescimento Espacial do Estado ” que dita : “ As fronteiras são o órgão periférico do Estado, o suporte e a fortificação de seu crescimento e participam de todas as transformações do organismo do Estado.” ( RATZEL apud  MORAES, 1990, p. 184 )

    Sobre a visão naturalizante de Ratzel em perceber algumas linhas divisórias como cicatrizes, cabe a observação de Luciana de Lima Martins in Friedrich Ratzel através de um prisma , a saber: “ Hoje, organismo é associado, de um modo geral, à vida biótica. Mas no passado, organismo referia-se a qualquer forma de estrutura organizada. ...O conceito ratzeliano de “organismo” subentende o tema da unidade, ou Ganzheit, de matriz romântica. Expressa a unidade orgânica do homem e da Terra, incluindo todos os objetos perceptíveis, materiais e imateriais. Ratzel adota, destarte, a estrutura orgânica da realidade segundo a escola filosófica do panpsiquismo. O todo interrelaciona-se e interconecta-se, através de extensões multiformes de suas partes orgânicas, com um ilimitado número de totalidades orgânicas iguais, maiores ou menores que ele. Fundamentalmente, todas as totalidades orgânicas na filosofia panpsíquica e no pensamento ratzeliano ocupam o mesmo espaço básico: o espaço do mundo.” ( 1993, pp. 55-56 )

[6] “Da noção de exterioridade e interioridade dos Estado sobressai a distinção entre fronteiras externas e internas. Um sistema federativo de Estados, que assegure a cada membro paz e segurança, transforma as fronteiras que, no passado, eram cena de violentos combates em limites com significação quase que exclusivamente histórica, de pequena importância administrativa, deixando as que separam dos adversários verdadeiros o caráter de fronteira política.” ( RATZEL, 1988, p. 369 )

[7] “As modificações das fronteiras no interior dos Estados, entre províncias, regiões e menores distritos são de uma dinâmica extraordinária. A maior parte dos Estados foram alterados durante o curso dos últimos decênios, em razão da evolução das condições de circulação. Os pequenos Estados, como Baden, Altenburg transformaram completamente suas malhas internas durante a última geração. Para a história, em regra geral, estas alterações não têm nenhuma importância. Mas se tornam, no que tange ao direito dos povos, fronteiras administrativas. Um outro impacto pode resultar de uma subdivisão de entidades também consagradas pela história, que a França de 1789 realizou, fracionando suas províncias em departamentos, ou a monarquia habsburguesiana em 1867 introduzindo o sistema do dualismo. É pelos limites internos que os cortes históricos tomam forma de fronteiras. Estas cicatrizes que se tornaram praticamente invisíveis, elas terminam por reabrir, como antigas feridas, a coesão do Estado em sua profundidade. Quando as rochas se fendem, é sempre pelos fios das velhas fissuras e falhas, invisíveis por tanto tempo que o rochedo forma um todo... Os velhos membros do Estado são deslocados por fronteiras menos sensíveis que os membros recentes. A fronteira Sax-Boemia não tem a mesma importância que a que separa Alsácia e Baviera, e na própria Baviera, as províncias francesas são menos recortadas de velhas províncias bavierenses que não o são entre elas os últimos.” ( RATZEL, 1988, p. 347 )

[8] “O quadro político no qual se inclui um território não deve perder de vista as transformações territoriais internas que nele ocorrem. O aparelho pode permanecer no lugar, enquanto seu conteúdo se altera ou, inversamente, um conteúdo primitivamente heterogêneo pode se nivelar e se homogeneizar. Estas são, então, duas lógicas espaciais diferentes que se debatem ou se convergem segundo um mesmo objetivo.” .( RATZEL, 1988, p. 171)

[9] No campo da Geografia, o embate entre a escola francesa e a alemã está enraizado no conflito entre a produção gestada, principalmente, por Friedrich Ratzel e a produção francesa onde pontuou a contribuição de Vidal de La Blache, é o célebre conflito entre a escola determinista ( a alemã ) e a possibilista ( a francesa ) que veio a ser analisada por diferentes geógrafos brasileiros, inclusive, por nós ao estudarmos o tema a partir do seu relacionamento com a questão da modernidade na Geografia em Geografias modernas e pós-modernas: os debates recentes  ( 1997 ).

[10] “O esforço humano não fixa antecipadamente sobre uma carta um limite à sua atividade: segundo suas necessidades temporárias, ele fecha ou abre as barreiras e, de cada lado, a dupla pressão que se exerce cria uma fronteira provisória.” ( ANCEL, 1938, p. 99 )

[11] Claude Raffestin, ao analisar a matriz departamental que norteia as fronteiras internas de seu país, a França, observa: “A matriz departamental foi criada para permitir a realização de certas relações essencialmente político-administrativas, enquanto hoje o Estado está cada vez mais implicado nas relações sócio-econômicas, que ignorava há cerca de dois séculos. Seguiu-se uma discordância progressiva cada vez mais evidente. A divisão departamental surgiu de um modo de produção que não existe mais.” ( 1993, p. 175 )

[12] Dentre os vários autores poderíamos citar North ( l990 ), Lundvall ( 1992 ), Nelson ( 1993 ), Eggertsson ( 1990 ), Wade ( 1990 ) e Chang ( 1997 ).

[13] Recentemente, em novembro de 1997, foi promovido pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Universidade Estadual do Rio de Janeiro, um seminário intitulado Instituições e Desenvolvimento Econômico - uma perspectiva comparativa sobre a reforma do Estado dos quais participaram grandes nomes da corrente econômica institucionalista tais como Haa-Joon Chang, Geoffrey Hodgson, Giovani Dosi, Fred Block, Benjamin Coriat, Michael Storper. A importância do evento foi assinalada pela participação de dois ex-ministros de Estado, Srs. João Paulo dos Reis Velloso e Paulo Haddad e o atual ministro de Administração e Reforma do Estado, Sr. Luis Carlos Bresser Pereira.

[14] De suas obras, analisamos - A estrutura de classes das sociedades avançadas ( 1973 ) , A constituição da sociedade ( 1989 ) Social theory of modern societies - Anthony Giddens and his critics ( 1989 ) As consequências da modernidade ( 1991 ), Modernity and self-identity ( 1991 ) e New rules of sociological method ( 1993 )

[15] A definição aqui apresentada decorre de uma síntese decorrente da leitura de diferentes dicionários que são a seguir discriminados : Dicionário de Ciências Sociais, coord. de Benedicto Silva ( 1986 ), Dictionnaire de la Sociologie, sous la direction de Raymond Boudon et alli ( 1990 ), Dicionário crítico de Sociologia de Raymond Boudon ( 1993 ) edição francesa de 1982 , Dicionário de Estudios Políticos, coord. Salustiano de Campo et allii ( 1975 ), e por último - Dicionário de Política, de Norberto Bobbio et allii ( 1986 ).

[16] O sociólogo Fabiano Guilherme Mendes Santos, prof. do Instituto Universitário de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - IUPERJ, que estuda o papel das instituições no Brasil, reconheceu, em entrevista, que em seus estudos nunca chegou a observar contribuições que versassem sobre os limites territoriais das instituições.

[17] Naturalmente que não fica só nisto, seria possível enveredarmos pelos aspectos simbólicos dos limites territoriais e, inclusive, tendo em vista o nosso objeto de estudo, analisarmos de que forma o limite territorial afetou na produção de uma cultura carioca distinta de uma cultura fluminense, porém, este é um caminho que exigiria a análise de outros atores sociais, e portanto encontra-se distante de nosso objetivo.

[18] Raffestin e Guichonet, à semelhança de Ratzel, têm as suas preocupações voltadas para o conteúdo das fronteiras internacionais

[19] Quando esclarecemos, em momento anterior, que analisaríamos limites territoriais e não fronteiras porque não haveria entre as partes, Guanabara e Estado do Rio, uma disputa por terra, isto não nega a existência da tensão entre o limite adotado e o limite projetado pois o que está em jogo é o conteúdo do limite e não propriamente o seu traçado.