Revista geo-paisagem (on
line) Ano 4, nº
7, 2005 Janeiro/Junho de 2005 ISSN Nº 1677-650 X Revista indexada ao Latindex |
Onde está a geografia na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ?
Helio
de Araujo Evangelista
(
www.feth.ggf.br )
Onde está a
geografia na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ? Tal
indagação decorre de uma investigação iniciada com a questão familiar no IBGE e
um questionamento sobre a presença da geografia na instituição.
Palavras-chave:
geografia, família, IBGE
Where’s the
geography in the Brazilian Institute Foundation of Geography and Statistics ?
This question was stimulated by our searching about the action of famlilies in
the institute; afterwards we looked for how was the geography in the institute.
Key-words:
geography, family, IBGE
O presente trabalho sobre a FIBGE
finaliza a investigação que teve por característica resgatar aspectos da
geografia brasileira a partir da evolução das instituições.[1]
Sobre a FIBGE cabe uma observação
quanto ao fio condutor utilizado para analisá-la. O estímulo inicial decorreu
de um e-mail perguntando sobre Fábio Macedo Soares Guimarães, naturalmente não
respondi pois meu conhecimento era nulo! Porém, a pergunta ficou ! . Ao passar a pesquisá-lo, tempos depois,
deparei com a importância que a família tinha no então IBGE num dado momento de
sua história, e passei a investigar a família Macedo Soares ! Porém, no curso
da investigação percebi que paralelo ao processo de institucionalização da
geografia, pelo qual o ingresso no IBGE cada vez menos dependia de relações
familiares e de amizade, havia uma perda de geograficidade no órgão, ou seja, a
idéia que surgiu foi: correlato à burocratização do instituto cada vez mais
este ficou afeito a estudos economicistas, censoricista, estatísticos e cada
vez menos propenso a pesquisa de campo, por exemplo. Daí veio a pergunta: onde
está a geografia na FIBGE ?
O texto abaixo perfaz o caminho
percorrido ao analisar a instituição.
A origem do
IBGE
A dificuldade de se obter informações
estatísticas constantes e padronizadas e a necessidade de se conhecer melhor o
território nacional do ponto de vista geográfico e cartográfico estão na origem
do IBGE .
O geógrafo Orlando Valverde em
entrevista a nós fornecida em maio de 1994 acrescentava um outro aspecto, a
saber, a criação do IBGE em 1938 se dava numa época em que era prevista uma
nova guerra na Europa, o que acabaria afetando a rede de trocas entre os
países, e o Brasil não dispunha de um acervo sistematizado de informações
quanto às suas reais potencialidades no campo comercial, produtivo, menerífero,
agrícola, etc.
Em termos formais, a criação do IBGE
foi antecedida pela formação do Instituto Nacional de Estatística em 1934, e
respectiva instalação definitiva em maio de 1936 com o nome Conselho Nacional
de Estatística no intuito de organizar os dados disponíveis em bases
censitárias, assim como coordenar as futuras atividades voltadas para a
captação de dados no Brasil.[2]
Outro órgão importante na formação do IBGE foi a criação, em 1937, do Conselho
Nacional de Geografia que junto ao conselho anterior geraram aquele instituto.
Nesta época, o IBGE encontrava-se diretamente subordinado à presidência da
República.
Após o término dos trabalhos da Convenção ( Nacional de Estatística ), foram encaminhadas ao então Ministro das Relações Exteriores e Presidente do IBGE, Macedo Soares, as resoluções da Convenção Nacional de Estatística, onde constava a necessidade de melhor articulação entre os trabalhos de natureza estatística e geográfica. Juntamente com as resoluções, foi entregue ao Ministro carta do Prof. Pierre Deffontaines na qual apelava para a efetivação da adesão do Brasil à UGI .
Nos entendimentos que surgiram, o Ministro convocou, com a aprovação do Presidente Vargas, uma comissão das figuras mais representativas da cultura geográfica brasileira, no Palácio do Itamaraty, com o estímulo de apresentarem sugestões para a constituição de um organismo nacional de Geografia, destinado a promover a coordenação das atividades geográficas brasileiras.
Nestas reuniões, realizadas em fins de outubro e início de novembro de 1936, surgiu a proposta de criação do Conselho Brasileiro de Geografia. Esta proposta foi encaminhada ao Presidnete da República que, aceitando-a, baixou o Decreto nº 1.527, de 24/03/1937, criando o referido Conselho como parte estrutural do então Instituto Nacional de Estatística.
A exposição de motivos constantes do decreto considerava a necessidade da adesão do Brasil à UGI, em função de sua projeção mundial, reunindo a colaboração da maioria dos países. Mas considerava, sobretudo, as vantagens de caráter nacional da atividade de um Conselho Brasileiro de Geografia articulado com a administração federal, imbuído da missão de coordenação da Geografia do Brasil.
Em 1º de julho de 1937, instalou-se formalmente o
Conselho Brasileiro de Geografia no Salão de Conferência do Palácio do
Itamaraty, inaugurando no mesmo dia os trabalhos da sua Assembléia-Geral, constituída
de delegados dos Governos da União, dos estados, do Distrito Federal e do
Território do Acre. ( Penha, 1993, p. 78 )
Na interpretação de Eli Alves Penha (
1993 ) o IBGE é fruto de um processo político em favor da centralização,
burocratização e racionalização do estado em prol da urbanização e
industrialização verificadas, sobretudo, a partir de 1930. Porém, curiosamente,
como Penha observa, o IBGE decorreu de um convênio que envolvia municípios,
estados e o governo federal, havendo para tanto assembléias com os
representantes de cada um destes componentes, ou seja, há simultaneamente na
origem da instituição um processo centralizado e outro capilarizado procurando
adentrar na rede municipal.
Porém, em 13 de fevereiro de 1967, o
IBGE seria transformado em Fundação no intuito de obter maior autonomia para
suas atividades.
O destaque a esta família decorreu não
só da importância que esta teve para a história do IBGE, mas também da própria
projeção que esta família tinha no cenário político nacional.
A família Macedo Soares tem como marco
definidor um território. Ou seja, a famosa fazenda do Bananal, localizada na
região litorânea entre Maricá e Saquarema no Rio de Janeiro, assistiu a
sucessivas gerações . A aquisição da fazenda pela família ocorreu no final do
século XVIII [3]; porém,
retrocedendo ao passado desta família, há ligações que remontam vínculos com a
família Sá no século XVI .
Um aspecto que favorece a expansão da
mesma foi à ausência de receio em ter filhos. Por exemplo, o Alferes Antônio
Joaquim Soares, casado com D. Maria Antonio Reginalda, nascidos ao final do
século XVIII, tiveram sete filhos; um deles, o Joaquim Mariano de Azevedo
Soares casado com Maria de Macedo Freire de Azevedo Coutinho em 1835 tiveram
treze filhos; um dos filhos destes, e portanto neto de Antonio Joaquim Soares,
o José Eduardo de Macedo Soares, nascido em 26/8/1852 e casado com Candida de
Azevedo Sodré Macedo Soares teve dez filhos ... e isto num único ramo,
justamente aquele que geraria mais tarde José Carlos de Macedo Soares , futuro
presidente do IBGE ![4]
Outro aspecto a ser destacado envolve a
importância da Faculdade de Direito de São Paulo para a família; não se trata
apenas da importância do direito, pois a família veio a contar com uma série de
juízes destacados, mas particularmente o direito de São Paulo.
Quem foi José
Carlos de Macedo Soares ? [5]
Nasceu em São Paulo no ano de 1883 e lá
faleceu em 1968. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1905 .
Com a revolução de 1930 veio a ocupar o cargo de Secretário de Interior e
Justiça do Estado de São Paulo; em 1932 foi chefe da delegação brasileira à
Conferência Internacional de Desarmamento. Em 1933 foi eleito deputado federal
por São Paulo e no ano seguinte participou da Assembléia Constituinte. Em
seguida ocupou o cargo de ministro das Relações Exteriores, tendo destacado
papel na demarcação de nossas fronteiras internacionais e estabeleceu a paz
entre Paraguai e Bolívia ( guerra do Chaco ). Em 1937 deixou de ser chanceler.
Mais tarde veio a ser, por curto período, Ministro da Justiça e após a queda do
governo Getúlio Vargas, ao afinal de 1945, assumiu o cargo de interventor
federal de São Paulo até 1947 quando cedeu lugar ao novo governador eleito Ademar
de Barros. Em 1955 voltou a ser ministro das Relações Exteriores, só deixando o
posto em 1958. Além de presidente do Instituto Brasileiro e Estatística foi
presidente perpétuo do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.
Quem foi
Fábio de Macedo Soares Guimarães ? [6]
Nasceu no Rio de Janeiro em 1906,
formou-se em engenharia civil pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro ( 1928
) e licenciou-se em geografia e história pela Faculdade Nacional de Filosofia
da Universidade do Brasil ( 1940 ); fez curso de pós-graduação em geografia nos
EUA ( 1945-46 ) e curso de Escola Superior da Guerra ( 1950 )
Desenvolveu uma série de funções
relacionados à geografia. Foi secretário-geral do Conselho Nacional de
Geografia, chefe da segunda expedição geográfica ao planalto central brasileiro
para a localização da nova capital do Brasil. Professor de geografia na
Pontifícia Universidade Católica, do Instituto Rio Branco, Instituto Santa
Úrsula e Faculdade Nacional de Filosofia. Presidiu a V, VI e VII reunião
pan-americana de consulta sobre geografia do Instituto Pan-Americano de
Geografia e História, reunidas em Quito ( 1959 ), Buenos Aires ( 1961 ) e
Guatemala ( 1965 ).
Certamente, o seu contributo para a
geografia brasileira em termos pesquisa foi o seu papel nas discussões sobre as
regiões brasileiras. Foi responsável por um artigo que tornou-se um clássico
sobre o tema, a saber, Divisão Regional do Brasil, originariamente publicado na
Revista Brasileira de Geografia , nº 2, ano III, abril/junho 1941 e reeditado na
edição comemorativa desta mesma revista
quando completou cinqüenta anos de edição, em 1988. [7]
José Carlos
Macedo Soares x Fábio de Macedo Soares Guimarães[8]
O que há de comum a ambos é o
parentesco com Joaquim Mariano de Azevedo Soares ( nascido em 19/12/1809, na
fazenda Bananal e falecido em 8/8/1898 ) casado com Maria de Macedo Freire de
Azevedo Coutinho em 15/9/1836 . Enquanto Joaquim foi para José Carlos um avô,
pai de José Eduardo Macedo Soares casado com Cândida Sodré Macedo Soares ( pais
de José Carlos ); Joaquim para Fábio Macedo Soares Guimarães foi bisavô, pai de
Antõnio Joaquim de Macedo Soares ( n. 14/1/1838 na fazenda Bananal e faleceu em
14/8/1905 ) casado com Theodora Alvares de Azevedo Macedo Soares com quem teve
15 filhos, dos quais Noemia de Macedo Soares ( n. 22/11/1864 e falecida em
1/3/1947 ), ao casar com Celso Aprígio Guimarães teve o filho Fábio de Macdo
Soares Guimarães !
A realização de um trabalho focando
família e sua relação com determinada instituição é deverás difícil .Diante de
tal dificuldade passei a pautar-me em depoimentos, ou seja, a história oral
pareceu ser um instrumento válido sobre a questão familiar no IBGE e
proporciona a geração de um artigo em caráter exploratório sobre o tema. [9]
Segue abaixo um resumo do observado:
Depoimento um
O IBGE foi criado durante o governo Getúlio Vargas com a promessa de ter seus cargos preenchidos por concursos, porém, a medida demorou a vingar. A ação das famílias foi muito forte no preenchimento dos principais cargos da instituição. Como estas, geralmente, usufruíam de boas condições educacionais, o preenchimento realizado não chegava a prejudicar a qualidade dos serviços, pelo contrário.
Quando temos em conta a questão familiar temos de ter duas perspectivas, a primeira é aquela pela qual a família entra a partir de relações de poder superiores, como foi o caso da família Macedo Soares, e particularmente a família Zarur; mas a outra perspectiva interessante é a constituição de famílias no próprio âmbito profissional do IBGE. Indagado se isto não seria uma estratégia de defesa tendo em vista que não havia estabilidade para funcionários foi observado que sim.
Até final de 1960 o grau de relacionamento social era fundamental na viabilização de projetos profissionais. Os passeios em comuns, participação de batismos, aniversários eram ingredientes na chamada família ibgeana. Inclusive, o próprio entrevistado ao entrar no IBGE ao início da década de 70 ainda ouvia que o IBGE era uma família.
Hoje este quadro mudou, a família, por sua vez, encontra-se cada vez mais nuclearizada, o próprio IBGE virou fundação ao final da década de 60; as relações de trabalhos passaram a ser realizada sob o regime da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, e torna-se mais freqüente o número de concursos tendo os aprovados seus nomes registrados no Diário Oficial .
Depoimento dois
Havia dois grandes grupos. Um deles teria vínculos com a União Democrática Nacionalista - UDN , que remonta ao tempo da origem do IBGE. Este grupo teria a presença da família Macedo Soares e geógrafos como a Lysia Bernardes, Nilo Bernardes.
Havia ainda um outro grupo, dentro da linha do Partido Social Democrata e Partido Trabalhista Brasileiro que contava com o grupo do Zarur, parente de Spiridião Faissol, e contava ainda com a presença do Antônio Teixeira Guerra ( pai ), Alfredo Pontes Domingues, Aciolly e outros.
De um certo modo não havia muita diferença entre eles no campo metodológico. Havia uma forte presença da escola francesa. Assim, não havia entre eles um ostensivo conflito, conforme a variação da vida partidária brasileira, ora era um, ora era outro que ascendia nos postos de governo do IBGE.
Este equilíbrio veio a sofrer uma mudança com o movimento militar de 1964. Nesta época há a ascensão da UDN . É quando o grupo do Fábio Guimarães e Lysia Bernardes conheceu melhor sorte em suas demandas e foi quando ocorreu uma aproximação deste com aquele que até então seguia uma rota de esquerda tendo inclusive participação ostensiva no Partido Comunista Brasileira, a saber, Pedro Pinchas Geiger.
Graça a intervenção da Lysia Bernardes as agruras que começaram a acompanhar a vida de Geiger foram suspensas dada a uma providencial intervenção de um secretário estadual do governo Carlos Lacerda, secretário este parente da Lysia.
Durante o governo militar, militares participavam do Conselho Diretor do IBGE. Havia uma divisão de geodésica que interessava particularmente aos militares ( havendo uma regular troca com o Serviço Geográfico do Exército ), por esta razão, tradicionalmente destinava uma ou duas vagas por ano da Escola Superior de Guerra ao IBGE. Nesta época, passou a ficar comum a frequência dos geógrafos aos cursos da ESG .
Afora a presença dos militares, outro aspecto importante e decisivo nos rumos futuros da instituição foi o convênio entre o IBGE e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada sob os auspícios do então Ministro do Planejamento ( 1970-1974 ) Sr. João Paulo dos Reis Velloso, este forjou um esforço de integração entre as duas instituições que mostrou-se muito negativa com o tempo. Por que? Porque economista vai, com o tempo, voltar-se sobretudo à macro-economia, à taxa de juros, de câmbio, balança comercial, delegando pouco importância à dimensão propriamente regional do evento econômico. É desta época, por exemplo, que foram reduzidos bruscamente os trabalhos de campo dos geógrafos.
Os geógrafos do IBGE ficam reféns de uma ótica economicista, vinculada ao Programa de Desenvolvimento, coincidindo com uma certa dispersão dos dois grupos em favor de diferentes cargos em outras posições. Por exemplo, a Lysia foi para a Secretaria Estadual de Planejamento, tendo como secretário o Sr. Ronaldo Costa Couto, este, por sua vez, quando veio a ocupar cargo de projeção no governo federal na década de oitenta solicitou à professora Lysia que ocupasse a Secretaria de Superientendência da Região Sudeste ( SERSE ) [10]
Assim, o Congresso de 1956 ensejou a formação de uma equipe e uma rede de contatos que se mostrou poderosa por quase vinte anos mas não logrou o sucesso de gerar uma geração que sucedesse aquela que teve notória exposição na geografia brasileira. Ao longo da década de 70 o Instituto de Geografia será extinto dentro do IBGE e o espaço destinado aos geógrafos diminuiu sensivelmente dentro do IBGE.
A presente indagação tem uma relação
com um texto encontrado na Revista geo-paisagem ( on line ) que aborda a fase
aúrea da geografia na instituição.[11]
Se aceitarmos a visão de que ocorreu
uma fase áurea da geografia no então IBGE cabe relacionarmos esta situação a
uma crise que teria ocorrido com esta instituição nos idos anos 50. Nesta
época, embora o levantamento realizado pelo o instituto fosse nitidamente
pioneiro, havia uma notória dificuldade de sistematização da informação. O
tamanho do território, a diversidade das variáveis consideradas geravam
problemas em ter um tipo de abordagem que facilitasse o acesso a informação
necessária num breve espaço de tempo. É como se ocorresse uma crise decorrente
do crescimento, tanto do instituto quanto do próprio país; não bastava mais ter
a informação, esta deveria ser suficientemente transmitida para rapidamente
favorecer processos de intervenção no território.
Neste sentido, cresce o movimento em
favor da harmonização das variáveis consideradas, evitando nuances
particularizadoras.
A princípio, esta mudança de linha
metodológica veio a ser consagrada durante o processo de alteração das próprias
características do IBGE.
No trabalho - IBGE: um retrato histórico - de Jayci de Mattos Madeira Gonçalves ( 1995, p. 39 ) , consta a seguinte passagem que reproduzimos abaixo:
A Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( Fundação IBGE ), instituída pelo Decreto-lei nº 161, de 13.02.1967 , em substituição à autarquia IBGE, introduziu profundas modificações nas atividades do sistema estatístico nacional e nas de natureza geográfica e cartográfica, vez que passou a coordená-las na condição de órgão central.
...
A expansão do planejamento econômco-social, tanto na área governamental, como no setor privado, assim como a crescente demanda de informações estatístico-geográficas, exigiam melhor qualidade e presteza dos levantamentos tradicionais e implantação de novas pesquisas, o que de longa data vinha sendo dificultado por uma série de fatores, alguns deles decorrentes da estrutura organizacional, sem flexibilidade capaz de assegurar o indispensável dinamismo, faltando, ainda, participação mais efetiva dos usuários na elaboração dos programas de trabalho, para melhor adequá-los aos seus interesses.
O que chama a atenção nesta passagem é a
existência de uma cobrança por eficiência que se esbarrava com a forma de fazer
ciência então vigente.
Numa elucidativa passagem da obra - Novos estudos de geografia humana brasileira - de Pierre Monbeig é assinalada a existência de um conflito na época, a saber:
Se o mapa, a planta, a topografia e a gravura são os auxiliares
indispensáveis desta descrição da vida urbana, isto não quer dizer que, sob o
pretexto cômodo de fazer ciência, o estilo deva tomar uma aparência de
relatório oficial, administrativo e impessoal. Pois não é conhecer a alma da cidade , depois da de seus
bairros, o que se deseja ? Na comunicação já citada, Gilberto Freire insistiu
muito, e com razão, sobre a “qualidade sinfônica” da paisagem cultural, rural
ou urbana. Escreve ele que o “o fato deve ser destacado no Brasil, onde um
cientificismo exagerado iniste em levantar-se contra aqueles trabalhos de
história e geografia ou de sociologia aplicada em que os autores se aventuram
em tentativas de interpretação comprensiva ... Afinal o rigor do particularimso
objetivista - tão necessário como disciplina e método de análise - pode, pelo
excesso, nos levar à inteira desumanização daquelas ciências voltadas para o
estudo dos grupos humanos considerados nas suas relações, ou inter-relações, de
tempo ou de espaço”. O perigo é exatamente o de “desumanizar”, pois ninguém
acreditará ter mostrado o homem, quando o apresenta como um rebanho de gado. É
tempo de fazer uma injeção de Elysée Reclus na geografia dos sinclinais e das
estatísticas, assim como na sociologia que acredita expremir o real,
enquandrando-o em equações. Antes de escrever, o geógrafo deveria por-se em
contato com a literatura, no sentido estrito da palavra, que existe sobre a
cidade estudada: os arquivos, as estatísticas, os planos dos urbanistas, não
ensinam mais que o passeio das moças no domingo à tarde na praça pública da
cidade pequena, ou que as cores, os sons, os odores da grande avenida principal
da Capital, a multidão dos operários em alvoroço à saída da fábrica e a luz de
um belo dia de sol sobre as areias vermelhas e os arranha-céus.Mas que não se
despreze, também, “o rigor do particularismo objetivista, tão necessário como
disciplina e método de análise”. ( Monbeig, 1957, pág. 53 )
Ao iniciar o curso de geografia na
Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1977 tive a oportunidade a assistir a
uma Semana de Geografia promovida por minha turma. Nesta, apareceu um geógrafo
francês que chamou a nossa atenção para a singularidade da FIBGE no campo da
produção do conhecimento geográfico, observava ele que algo semelhante não
existe na França.
De fato, é impensável considerarmos a
geografia brasileira sem ter em conta esta fundação e seu destacado papel na
segunda metade do século XX, a começar pelo decisivo apoio na elaboração de
diversos encontros de geógrafos em diferentes lugares e épocas.
Porém, sem receio de cometer grande
injustiça, é possível afirmar que após a decisiva participação da FIBGE na
Conferência Regional Latino-americana de 1982, realizada no Rio de Janeiro,
entre outros estados, pela União Geográfica Internacional, a fundação, desde
então, desapareceu dos principais encontros dos geógrafos enquanto promotora de
grandes eventos da área.
Esta ausência nos leva a esta leal
provocação, porque é feita de forma aberta: onde está a geografia na Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ?
Quando consideramos a história
brasileira. É possível notar como, de um lado, esta história tem poucos heróis,
por outro lado, como a questão da territorialidade e sua respectiva unidade foi
um elemento fundador do sentido de nacionalidade brasileira e para tanto
contribuíram várias instituições que tinham no território brasileiro a sua
razão de existir, particularmente, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro,
mais tarde, Sociedade Brasileira de Geografia, que promoveu uma série de
congressos sobre o tema na primeira metade do século XX ( vide www.feth.ggf.br/Congresso.htm,
assim como, sobre a Sociedade, www.feth.ggf.br/Socgeorio.htm ), o Serviço
Geográfico do Exército, que ao longo do referido século realizou um predigioso
levantamento cartográfico ( vide www.feht.ggf.br/Servigeoex.htm ), assim como,
o próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística que promoveu vários
encontros de geografia no lugar da Sociedade Brasileira de Geografia ao longo
da segunda metade do século XX, particularmente o congresso internacional de
1956 ( vide www.feth.ggf.br/Congresso1956.htm ) . Mas, e hoje ?
De certo modo, o crescimento das
universidades, ao longo da segunda metade do século XX, propiciou uma certa
substituição da FIBGE na promoção de novas linhas de pensamento da geografia. O
problema é que isto ocorreu de forma um tanto ou quanto avulsa, sem um nexo
interno, enfim, sem um projeto comum ( vide www.feth.ggf.br/Geouni.htm ), ao
contrário do IBGE que chegou a capitanear decisivas discussões sobre a
implantação das grandes regiões como instrumento de planejamento, ainda, e
aprofundou o tema da transferência e localização da nova capital brasileira,
mais recentemente , teve importância na discussão do projeto Calha Norte,
durante a década de oitenta ... mas, e hoje ?
A menor densidade da geografia na FIBGE
pode vir a ser interpretada de diferentes maneiras , a saber: 1ª ) dentro do
novo aspecto tecnológico da produção e circulação da informação a geografia se
mostra por demais subjetiva, o que a leva a perder espaço em certas estruturas
de poder !; 2ª ) simplesmente ocorreu um abandono do projeto de conhecimento e
ocupação do território brasileiro capitaneado pelo estado brasileiro !.
Porém, há um outro aspecto a ser
considerado que diz respeito a uma espécie de gap entre os geógrafos que tinham projeção e os que iniciaram suas
carreiras na fundação, exatamente numa época que crescia a chamada Geografia
Crítica. Esta, na sua projeção, junto aos alunos e professores universitários
interpretava órgãos de planejamento em geral como grandes instrumentos da
reprodução capitalista, criando assim uma certa animosidade entre as partes.[12]
Pelo
menos em parte, este ambiente dificultou o entendimento entre os pares das
universidades e órgãos de planejamento quanto a uma idéia de projeto comum.
Além disso, como acréscimo na dificuldade de estabelecimento de um projeto em
comum há um aspecto regional, ou seja, a geografia crítica, teve, sobretudo,
uma marca paulista ! A geografia crítica tem uma grande marca das universidade
paulistas, especificamente da Universidade de São Paulo ( USP ). Ora, este
ambiente aumentou ainda mais a distância em relação à FIBGE , que foi muito
ligada à antiga Universidade do Brasil, mais tarde, Universidade Federal do Rio
de Janeiro. [13]
De qualquer modo, ocorreram esforços
por parte de alguns geógrafos de dialogar com as novas mudanças da geografia,
que ocorriam tanto a nível interpretativo quanto a nível do tipo de organização
que passou a ser promovida entre os geógrafos, mas não lograram sucesso.
ALMEIDA, Roberto Schmidt - A geografia e os geógrafos do IBGE no período 1938-1998 . 2 vols. Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2000. Orientação de Lia Osório Machado.
FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - Anuário estatístico do Brasil - resenha histórica. Rio de Janeiro: IBGE, 1991.
GONÇAVES, Jyci de Mattos Madeira - IBGE : um relato histórico. Rio de Janeiro : Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1995.
GUIMARÃES, Fábio de Macedo Soares - Divisão regional do Brasil . Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, nº 2, ano III, abril/junho 1941. Reeditada em 1988, v. 50, n. especial, t. 1, pp. 9-66.
LIMA, Miguel Alves de - Revista geo-paissagem ( on line ) www.feth.ggf.br/Geografia.htm .
MAGNAGO, Angélica Alves - A divisão regional brasileira - uma revisão bibliográfica. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, vol. 57, nº 4, outubro/dezembro 1995, pp. 65-92.
MONBEIG, Pierre - Novos estudos de geografia humana brasileira. São Paulo: Ed. Difel, 1957.
PENHA, Eli Alves - A criação do IBGE no contexto da centralização política do Estado Novo. Rio de Janeiro : Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1993.
SOARES, Antonio Joaquim de Macedo - Nobiliarquia fluminense. Rio de Janeiro : Governo do Estado do Rio de Janeiro, 1947.
MATERIAL DE
REFERÊNCIA
Enciclopédia
Delta Larousse, vol. 6, 1970.
[1] Parte desta produção é divulgada pela Revista geo-paisagem ( on line ) em www.fetth.ggf.br/Revista.htm
[2] Segundo Eli Alves Penha ( 1993, pág. 19 ) a data oficial da criação do IBGE é 29 de maio de 1936 em que foram regulamentadas as atividades do Instituto Nacional de Estatística; com a extinção deste instituto o IBGE foi instituído em 26/01/1938.
[3] As observações apresentadas estão pautadas na obra Soares ( 1947 ).
[4] Cabe assinalar que no edifício onde está a biblioteca central da FIBGE, Av. General Canabarro ( Maracanã, bairro da cidade do Rio de Janeiro ) há um busto do embaixador José Carlos de Macedo Soares,primeiro presidente da instituição, entre os anos de 29/5/36 a 30/01/51 e depois entre 17/11/1955 a 030556.
[5] A presente parte está sustentada em verbete encontrado na Grande Enciclopédia Delta Larousse, Rio de Janeiro: Editora Delta, vol. 11, página 6.372, 1970.
[6] A presente parte está sustentada em verbete encontrado na Grande Enciclopédia Delta Larousse, Rio de Janeiro: Editora Delta, vol. 06, página 3.255, 1970.
[7] Sobre o tema da divisão regional brasileira há um texto muito interessante de autoria de Angélica Alves Magnago ( 1995 )
[8] Parte baseada no livro de genealogia de autoria do avô de fábio e tio de josé carlos , a saber, Soares ( 1947 ).
[9] Apresento os depoimentos sem apontar seus autores pois o objetivo foi o de relatar uma dinâmica que não mais existe na FIBGE !
[10] Curiosamente fui testemunha dos dois movimentos, seja no primeiro porque fui convidado pela referida professora a estagiar na secretaria em 1977; seja já como profissional de uma empresa de consultoria a teria encontrado na referida Superintendência.
[11] O artigo é fruto de uma palestra do geógrafo aposentado Miguel Alves de Lima e pode ser conhecido no endereço virtual: www.feth.ggf.br/Geografia.htm .
[12] Sobre Geografia Crítica no Brasil veja : www.feth.ggf.br/GeografiaCrítica.htm .
[13] Inclusive, ao término da década de 70, quando terminava meu curso de graduação em geografia pela UFRJ fui convidado a fazer um estágio nesta fundação porque havia um convênio ( não sei se ainda há ) entre as duas instituições de garantir um estágio aos dois melhores alunos da turma que estava a terminar o curso. Por impossibilidade, não aceite o convite.