Revista geo-paisagem (on line) Ano 5, nº 9, 2006 Janeiro/Junho de 2006 ISSN Nº 1677-650 X |
OS COMPLEXOS
AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL
- SEU PAPEL NA ECONOMIA E NA ORGANIZAÇÃO
DO ESPAÇO[1].
RUI ERTHAL[2]
Universidade Federal Fluminense
Keywords : brazilian
farm , industrials complexs, frontier .
No inverno de 1978/79, Washington (DC) é tomada por uma “parada de tratores” promovida por agricultores (farmers) norte-americanos, ligados ao “American Agricultural Movement” (AAM). Esta grande manifestação protestava contra os baixos preços dos produtos agrícolas (Burbach e Flynn, 1982). Em abril de 1997, Brasília (DF) é inundada por uma passeata com cerca de 40.000 trabalhadores rurais ligados ao “Movimento dos Sem-Terra” (MST) que, vindos a pé, de diversos pontos do território brasileiro, reivindicavam a efetivação da reforma agrária.
Nos Estados Unidos, os agricultores lutavam pela sobrevivência da tradicional agricultura familiar, até então o esteio do sistema agrário do país. No Brasil, luta-se, ainda, pela propriedade da terra por parte, principalmente, dos pequenos produtores que foram expropriados dos meios de produção. Estes dois eventos, à primeira vista desconectados entre si no tempo e no espaço, ilustram os efeitos perversos do avanço das relações capitalistas no campo que ocorrem em escala planetária.
Nesta perspectiva, quaisquer estudos sobre a atividade rural, com exceção dos modelos coletivistas, devem contemplar o processo de desenvolvimento e expansão do capitalismo. Neste sentido, a América Latina e, em particular, o Brasil, passaram a constituir-se num dos espaços mais atrativos do mundo desde a II Guerra, para a expansão do agrobusiness e, com ele, um novo padrão agrícola, o chamado “complexo agroindustrial” (CAI).
Lembre-se que a agropecuária brasileira prestou vital papel no processo histórico da ocupação do território e na configuração espacial do país, além de ter muito contribuído via exportação (reservas cambiais), à sua própria mudança modernizante e à edificação do complexo industrial (agroindustrial) brasileiro.
A partir do final da década de 1950, o desempenho das atividades agrárias brasileiras, baseado no processo de modernização, foi de tal monta que colocou tal assunto entre os mais importantes temas de discussão científica. Desta forma, os complexos agroindustriais no país dão oportunidade de se levantar uma série de questões de natureza econômica, social, política, técnica, social, espacial entre outras.
Na primeira parte deste trabalho procurou-se entender o processo de formação dos CAIs, sistematizados em períodos, e cujas raízes já se encontram na segunda metade do século XIX, até a consolidação destes complexos na década de 1980. Na segunda parte deu-se atenção aos aspectos teóricos (conceitos e formas de integração) e empíricos (modernização da atividade agrária brasileira e papel do Estado). Buscou-se, na terceira parte[3], levantar as conseqüências da modernização e, com ela, dos CAIs, em certos horizontes da economia e da organização espacial brasileira. Serão destacados aspectos destes impactos na relação de produção, estrutura fundiária, produtividade, relação de trabalho, expansão da área agrícola e modificações espaciais (rural e urbana).
Enfim, apesar da complexidade, magnitude e polêmica sobre a temática em análise, buscou-se caracterizar, sistematizar e, deste modo, compreender não só os complexos agropecuários em si, mas a própria modernização do campo, tendo, como referência, autores consagrados e com formação acadêmica e ideológica diferenciada.
Embora os complexos ou sistemas agroindustriais (CAIs) no Brasil tenham se conformado de modo mais específico na década de 1970, algumas das raízes da modernização agrária podem ser encontradas no século passado.
As mudanças ligadas às inovações do campo ocorreram sob a lógica, os objetivos e as estratégias do capital, em princípio comercial, em seguida industrial e, depois, financeiro. Naturalmente, os setores agrícolas básicos ligados à exportação, sobretudo café, cana de açúcar, e algodão, foram no passado os mais susceptíveis na adoção de inovações, tanto a nível técnico como nas relações de trabalho.
Graziano da Silva (1982), Kageyama et al. (1989) e Martini (1991), entre outros estudiosos, contribuíram no sentido de periodizar o processo histórico da passagem do denominado “complexo agrário” ao “complexo agroindustrial”. Neste processo encontram-se envolvidas a substituição da economia “natural” por atividades agrícolas integradas à moderna industrialização, a intensificação da divisão do trabalho e das trocas intersetoriais, a especialização da agricultura e a substituição das importações pelo mercado interno.
Ligado ao capital comercial, o complexo rural encontrava-se atado ao comércio externo através de um produto valorizado no mercado internacional. As unidades produtoras (fazendas e engenhos/usinas) eram quase que auto-suficientes. Para realizar a produção voltada à exportação, elas se proviam, dentro de suas possibilidades, de artesanatos e manufaturas e, assim, produziam equipamentos rudimentares para o trabalho, bem como insumos simples, além de transporte. Neste contexto, a divisão social do trabalho apresentava-se bastante incipiente. É interessante ressaltar que o desenvolvimento industrial brasileiro, indutor de mudanças no setor agropecuário, ao contrário dos países centrais, ocorreu sem o substrato da revolução agrícola.
A periodização da evolução da agricultura, apontada segundo os autores supracitados, se estrutura em quatro distintas etapas: 1850-1890, 1890-1930, 1930-1960 e 1960-1980.
Primeiros sinais significativos de mudanças (1850 - 1890)
Esta fase constituiu-se, segundo Graziano da Silva (1982), num período de transição marcada pelo fim do sistema colonial.
A Lei Eusébio de Queiroz de 1850, que pôs um ponto final no tráfico africano de negros, veio dificultar a substituição e ampliação da mão-de-obra escrava, iniciando-se, assim, uma crise no setor agro-exportador. Em muitas fazendas cafeeiras, mesmo antes da lei abolicionista (1888), a fim de resolver o problema da carência de mão-de-obra, introduziu-se a mão-de-obra livre dos imigrantes, principalmente italiana, inaugurando a categoria nomeada historicamente de colonato. Por outro lado, na medida em que ocorre um pequeno, mas significativo, surto de desenvolvimento urbano - incentivando a pequena produção agrícola de gêneros alimentícios - e, com ele, a montagem de indústrias manufatureiras[4], aproximando das inovações industriais urbanas e, deste modo, perdendo a sua estrutura autárquica. Para Albuquerque e Nicol (1987: 203), somente o desenvolvimento da cafeicultura “permitiu que houvesse um início de industrialização auto-sustentável a partir dos anos 1870/80 no Brasil”.
O Estado que desempenhará um papel fundamental no processo de modernização agrícola, também, marcou presença nessa fase, por exemplo, com a criação dos “engenhos centrais” na década de 70. Abertos aos capitais estrangeiros, os engenhos centrais não podiam possuir terras, plantar cana-de-açúcar e utilizar trabalho escravo. Assim, segundo Andrade (1994) [5], a sua ação restringia-se a processara a cana para obter açúcar. Houve uma separação entre as atividades agrícola e industrial, quebrando um padrão implantado nos primórdios da colonização. Observa-se, portanto, um avanço nas relações de trabalho nestes engenhos. No entanto, a experiência não foi bem sucedida, pois os senhores de engenho (donos da terra) mais ricos, tornaram-se usineiros e continuaram a desenvolver as atividades agro (plantação da cana) e industriais (refino de açúcar).
Papel da economia cafeeira (1890 - 1930)
Nesta fase, o complexo cafeeiro atinge o seu “clímax” e só quebrado com o advento da crise mundial de superprodução denunciada pelo “cracking” da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929 e que se prolongou aos primeiros anos da década de 1930.
Observa-se nesta etapa o crescimento efetivo das cidades e, com elas, a expansão e diversificação de suas funções. Algumas delas, localizadas principalmente nas Regiões Sudeste e Sul, passaram por um processo de industrialização, notadamente de indústrias de bens de uso e de consumo. Assiste-se, assim, ao nascimento e à expansão do capital industrial que lança, também, seus tentáculos ao campo.
Corresponde esta etapa aos primeiros passos firmes do processo industrial. Em tais condições postas, a agricultura pôde voltar-se, também, ao mercado interno, abastecendo-o com produtos alimentares e matérias-primas. A fazenda de café, ainda muito independente, passou a adquirir seus instrumentos de produção como secadoras, despolpadoras, enxadas, arados, nos centros urbanos, intensificando sua vida de relações com as cidades.
Neste período, vultosos capitais ingleses são investidos em ferrovias, favorecendo a expansão cafeeira e semeando cidades. Esta maior eficiência de integração espacial (transporte rasgando o país continente) configura o retrato de uma nova era.
O Estado, através de instituições científicas, foi um fator decisivo para o desenvolvimento da agricultura. Monbeig (1984), no seu marcante trabalho, aponta o papel do Instituto Agronômico de Campinas[6] para a expansão da cultura do algodão em São Paulo. A título de exemplo, em 1923, os pesquisadores deste órgão procuram obter uma variedade de algodão que melhorasse a qualidade da fibra.
Edificam-se as estruturas (1930-1960)
A crise que assaltou o setor primário exportador, base da economia nacional, deu ensejo que surgissem e se ampliassem as condições favoráveis à intensificação do desenvolvimento industrial, principalmente nas áreas onde dominava o antigo complexo cafeeiro paulista que internalizou infra-estruturas favoráveis ao novo ciclo econômico.
Apesar do setor agrícola não ter passado, como dito, pela revolução agrícola nos moldes dos países ditos centrais, Albuquerque e Nicol (1987) apontam cinco papéis básicos desempenhados por ele, no sentido de acelerar a industrialização brasileira. São elas - liberação de mão-de-obra às indústrias; fornecimento de produtos alimentares e matérias-primas a custos constantes ou descendentes; suprimento de capital para o financiamento de investimentos industriais; suprimento de divisas estrangeiras através da exportação de produtos agrícolas, necessárias ao financiamento de importação para o setor industrial; criação de um mercado interno para produtos industriais.
Este novo momento econômico inicia-se com o Governo revolucionário de Vargas que representou e concretizou as aspirações democráticas demandadas pela classe média urbana e o ideário da emergente burguesia industrial nacional.
Aos poucos, o setor cafeeiro vai cedendo espaço como a grande base da economia nacional. Os setores algodoeiro e canavieiro, em processo de modernização e que se encontravam em mãos de empresas altamente capitalizadas, tiveram apoio de instituições de pesquisa mantidas pelo Estado, como o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). Às usinas açucareiras são fornecidas cotas de produção controladas pelo governo, através de instituições como o IAA (criado em 1933). É da década de 1940, o estatuto da lavoura canavieira, colocando o Estado como “árbitro” das contendas entre industriais (usineiros) e agricultores (plantadores de cana)[7].
A fim de viabilizar o desenvolvimento industrial brasileiro, o Estado cria políticas direcionadas à criação de infra-estruturas, designadas em seu conjunto por “arranjos institucionais”, por Singer (1973), necessárias à atração do capital internacional sob a forma de empresas industriais. Por outro lado, era fundamental a integração do território, o que representaria a unificação do mercado (de alimentos, matérias-primas e trabalho). Já na década de 1930, transfere-se o eixo de acumulação de capital do setor agropecuário para o industrial.
No período em destaque, reorganiza-se o espaço produtivo agrícola brasileiro com o aumento da especialização a nível regional em determinados tipos de produto e redesenha-se uma nova divisão social do trabalho na agricultura a nível nacional. A rede viária amplia-se, principalmente no caso das rodovias pelo incentivo da presença de montadoras de carros, integrando e intensificando o intercâmbio entre as regiões Centro-Sul e Nordeste. Alguns estados da Federação, como o Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, Mato Grosso (do Sul) e Maranhão passaram a especializar-se em produtos alimentares em função da grande demanda urbano-industrial.
Enquanto as áreas de ocupação tradicional são penetradas pelas relações capitalistas de produção, as áreas de fronteiras “antigas” (Paraná, Goiás e mato grosso) são consolidadas. Em relação à abertura de novas áreas de fronteiras, aprecia Sorj (1986: 17):
A expansão de fronteiras acompanha, em termos gerais, a dinâmica do conjunto da economia que, através da liberação de força de trabalho, da criação de infra-estrutura e geração de mercados, viabilizavam as condições de ocupação de novas terras e os de sua integração com o conjunto econômico.
A expansão da economia agrícola, neste período, ocorreu mais no sentido horizontal, pois o aumento da produtividade limitou-se a determinadas áreas mais integradas ao processo industrial, principalmente em São Paulo.
Na década de 50, segundo Kageyama et alii (1983) completou-se a implantação do chamado D1 industrial (Departamento de bens de capital e insumos para a agricultura) na chamada fase de industrialização de base.
Efetivação dos CAIs (1960 - 1989)
Constitui-se esta fase na consolidação da modernização da agricultura e sua subordinação definitiva à indústria, tendo também ocorrido a efetivação dos CAIs no país.
Tal fato realizou-se de modo rápido e intenso pela ação de políticas governamentais que incentivaram a criação de indústrias de maquinarias e insumos básicos, tanto por iniciativa oficial, como particular (empresas nacionais e internacionais).
As firmas multinacionais, algumas já atuando o país, acorreram em grande número e passaram a operar, tanto na indústria de base quanto na de processamento, em forma de mono ou oligopólios. O Estado também cria incentivos ao consumo, via política de crédito subsidiado, difusão de pacotes tecnológicos (revolução verde), facilidade de aquisição de terras, principalmente nas áreas de fronteiras.
A propriedade fundiária desfruta de um intenso processo de valorização, constituindo-se num bem com reserva de valor, o que Kageyama et alii denominou de “territorização do capital”, acentuando a concentração fundiária. Com o aumento do valor da terra, a pequena produção fica fragilizada frente às pressões do capital e, assim, muitos dos seus agricultores foram obrigados a abdicar de suas terras. Muitos deles “optaram” em viver em cidades (estimula-se que trinta milhões de brasileiros deixaram o campo pela cidade neste período). Uma outra parcela deles transforma-se em assalariados permanentes ou temporários nas empresas modernizadas. Uma percentagem das pequenas propriedades familiares consegue se capitalizar e penetrar no circuito da agroindústria, integrando-se aos CAIs, mas em compensação, perde grande parte de sua independência.
Esta fase, principalmente no período de 1965 a 1979, ficou conhecida pelos críticos como “modernização conservadora” (vide Graziano da Silva - 1982), ou “milagre econômico” pelos simpatizantes do regime militar que a patrocinou. Este autor afirma que a modernização da agricultura brasileira só se deslanchará ao se consolidar a hegemonia da indústria de base.
Sorj (1986: 11) observou que, em meados dos anos 60, houve uma redefinição das relações entre a agricultura e a indústria, a partir do desenvolvimento do complexo agroindustrial. Sobre isto, ainda, acrescenta o autor: “A agricultura passa a se reestruturar a partir da sua inclusão imediata no circuito da produção industrial, seja como consumidora de insumos e maquinarias, seja como produtora de matérias-primas para a transformação industrial”.
Tal modernização encontra-se presente em quase todos os setores e não só naquelas plantagens voltadas ao mercado externo. Em relação á modernização recente da agricultura brasileira (década de 1980), Martine (1991) fez importantes observações, sendo que algumas delas foram aqui incorporadas.
Quase toda a economia nacional e nela os CAIs amargaram na década de 80 e início da de 90, intensas dificuldades, em função da crise econômica que afetou o mundo ocidental. Mais uma vez, o Estado elaborou distintas políticas setoriais não só visando mitigar os efeitos perversos da crise, como dinamizar a economia nacional frente às transformações que se operavam no mercado mundial.
Martine distinguiu nessa década duas fases: 1980-84 e 1985-89. Caracterizada por crise de estagnação econômica, a primeira fase atinge tanto o setor industrial como o agrário. No entanto, esta crise encontrou a agricultura com uma estrutura produtiva já consolidada em termos técnicos, amortecendo suas seqüelas negativas.
A atividade rural perde o seu tratamento preferencial junto ao sistema financeiro. O crédito subsidiado e com taxa de juros negativas, que era concedido de modo genérico, perde o seu ímpeto e dá a vez ao dirigido. Ao lado desta nova atitude creditícia, o Estado implementa política de subsídios, de câmbios e de preços mínimos aos setores ligados à cana-de-açúcar (PROGRAMA DO PROÁLCOOL), soja, trigo, cacau, algodão e laranja.
Observou-se, por um lado, uma queda na importação de produtos alimentares e por outro, incentivos à exportação, fato que redundou em elevados “superávit” na balança comercial brasileira.
Genericamente, constata-se uma retração no ritmo de crescimento das áreas cultivadas, em particular nas culturas permanentes e do rebanho. Esta queda afetou, naturalmente, a expansão do uso de maquinaria, em especial dos tratores. Comparado às décadas anteriores (1960-70), observou-se maior morosidade no processo de incorporação de novas fronteiras.
Mesmo assim, a cultura da soja foi a grande responsável pelo alargamento destas fronteiras, sobretudo na região Centro-Oeste e, também, vai expandir-se na região Sul. A criação de gado fortalece sua presença nas regiões Centro-Oeste e Norte.
A retração relativa da economia rural modernizada propiciou o crescimento de certas formas não-capitalistas de produção. Isto se revela pelo aumento do ritmo de crescimento do número de trabalhadores dos pequenos estabelecimentos, caracterizando o chamado processo de “minifundiarização”.
Apesar da conjuntura externa bastante desfavorável, a agricultura brasileira conseguiu colher duas supersafras (1985-86), indicativas da recuperação do setor. Simultaneamente, a esfera industrial se encontrava, ainda, mergulhada numa crise recessiva, sem precedente, em busca de novos padrões tecnológicos, fato que veio agravar o debilitado mercado de trabalho, gerando elevados índices de desemprego no setor.
Sem abandonar a política de incentivos à exportação, o governo da “Nova República” dinamizou o setor agropecuário voltado ao mercado interno através do chamado “Plano Cruzado” com efeitos, porém, limitados no tempo. Este plano, ao conter a inflação, elevou o poder de compra da população trabalhadora urbana, havendo, inclusive, necessidade da importação de gêneros alimentícios. Foi garantido ao produtor o preço mínimo mais elevado para os produtos alimentares.
Novamente, o governo põe em prática a política de crédito rural (custeio e investimento) com taxas de juros reais negativas (1986-87). Já em 1988, observa-se o saldo positivo na balança comercial, com elevação do preço dos produtos exportados.
A valorização de terras para a produção ou para o especulato forçou, novamente, a proletarização dos camponeses ou o seu deslocamento para novas áreas (principalmente Rondônia), reproduzindo o ciclo dos posseiros que agem como batedores à passagem do grande proprietário. A expropriação parcial dos pequenos produtores levou muito deles a lutar pelo direito à terra. Nesta fase, consubstancia-se a formalização do Movimento dos Sem-Terra que passou a comandar a invasão dos latifúndios improdutivos (1984/85), como medida política de chamar a atenção da nação sobre a eterna questão da reforma agrária. Não se pode esquecer que a pequena agricultura familiar continuava resistindo, inclusive, pela via da incorporação aos cais. Uma vez integrada e capitalizada, ela passou a produzir matérias-primas às agroindústrias.
Na década de 90, chegaram ao poder os presidentes Collor de Mello e Cardoso que assumiram práticas ligadas à doutrina neoliberal. No Governo Collor de Melo, a recessão, desemprego e inflação atingiram patamares nunca vistos e que não foram debelados, apesar dos planos econômicos implementados. Já o Governo Cardoso obteve êxito quanto ao controle da inflação, via Plano Real.
Nesta década, o Estado não só perde a sua capacidade de investimento em indústrias de base e em infra-estrutura, como também, vem-se retirando do processo econômico com a política de privatização das estatais. Abriu-se, por outro lado, o mercado brasileiro, até então protegido em favor das indústrias existentes no país, objetivando, via concorrência, elevar o padrão de qualidade dos produtos e serviços a preços baixos. A estabilização da moeda, indubitavelmente, atraiu ao mercado consumidor, sobretudo nos produtos de primeira necessidade, uma parcela da população nacional de baixa renda, ausente do circuito formal da economia.
Em outro patamar, nesta década efetivou-se a aliança econômica entre os países sul-americanos do chamado Cone-Sul, constituindo-se num supra-organismo, o MERCOSUL, com repercussões diferenciadas na economia de todas as nações membros. Esta realidade, embora muito recente, vem trazendo modificações na esfera econômica e na organização do espaço brasileiro, principalmente na região Sul, a mais próxima dos países integrantes no macro-organismo.
Tudo indica que haverá a médio e longo prazo uma maior especialização setorial nas diversas regiões geoeconômicas, em função de sua proximidade, das potencialidades naturais e das vantagens comparativas. Algumas, certamente, ganharão dinamismo enquanto outras poderão ficar, até mesmo, marginalizadas.
Como se comportarão os cais (semi)integrados face à abolição das barreiras alfandegárias entre os Estados membros? E estes, como estão agindo no sentido de conciliar tantos choques de interesse – regionais, nacionais, supra-nacionais (Mercosul) e internacionais?
Frente a estas e a outras mudanças na ordem política e econômica nacionais, como vem reagindo o processo de modernização industrial e agrícola e com ela os complexos agroindustriais brasileiros?
O surgimento dos Cais vincula-se a um amplo e contínuo desenvolvimento do capitalismo no após II Guerra, cujo setor industrial em grande efervescência, alcança o âmago do setor agrário que, por sua vez, buscava novos caminhos para superar a queda da lucratividade e a depreciação da renda da terra.
Como ocorrera com a indústria no final do século XIX, a agropecuária também passou por concentrações horizontal e vertical no seu processo de “caificação”. Nas palavras de Johnston e Kilby (1977: 51) “o mecanismo do processo econômico na agricultura é o mesmo que opera em todos os demais setores de uma economia. O nome desse mecanismo é especialização”.
A entrada da agricultura no complexo industrial não se dará de modo tranqüilo, pois muitos problemas advirão como, por exemplo, o aumento dos custos produtivos, sem a devida compensação em termo de aumento da rentabilidade, além do mercado ir perdendo o seu caráter competitivo e penetrar na esfera monopolista.
O conceito de complexo agroindustrial[8] surge na década de 1950 nos países centrais, como resultado de estudos sobre a participação das atividades agrícolas nas relações inter-setoriais, a partir de teorias a respeito destas relações formuladas por W. Lentief, como aponta Guimarães (1979).
Um dado fundamental refere-se à distinção entre os termos que compõem essa grande equação do comportamento moderno da agricultura. Kageyama et alii (1989), ao iniciar a sua apreciação sobre o assunto, distingue, conceitualmente, os termos modernização e industrialização da agricultura.
Por modernização entende basicamente a mudança da base técnica da produção agrícola. Em outras palavras, ocorre uma transformação da produção artesanal camponesa numa agricultura consumidora de insumos (“inputs”) e com elevado grau de intensidade. O processo de modernização pode ser aquilatado pela elevação do consumo intermediário na agricultura. A industrialização da agricultura corresponde à fase mais “evoluída” da modernização e, por sua vez, nas palavras dos autores: “Envolve a idéia de que a agricultura acaba se transformando num ramo da produção semelhante a uma indústria, como uma fábrica que compra determinados insumos e produz matérias-primas para outros ramos de produção” (p. 113).
Quando se fala em industrialização da agricultura é mister lembrar os seus limites, pois diferentemente da indústria, a agropecuária possui especificidades (ritmos, ciclos naturais etc.) que não se coadunam com o método industrial. Prosseguindo sua análise, acrescentam Kageyama e Outros que, conectada com outros ramos da produção, esta agricultura para produzir: “depende dos insumos que recebe de determinadas indústrias, e não produz mais apenas bens de consumo final, mas basicamente bens intermediários ou as matérias-primas para outras indústrias de transformação” (p. 114).
Segundo eles, três transformações básicas diferem a modernização e industrialização da agricultura:
- mudanças nas relações de trabalho - ocorre a divisão do trabalho dentro da família, o trabalho coletivo ultrapassa o individual;
- mudanças qualitativas na mecanização - quando se introduzem as máquinas em todo o processo de produção (da preparação do solo ao transporte do produto);
- internalização do D1 - no Brasil isto correu com a instalação da indústria de base que passou a produzir máquinas e insumos ao campo.
Com a industrialização da agricultura brasileira (década de 1960), o setor industrial passa a comandar a direção, as formas e o ritmo da mudança na base técnica da agricultura. Esta, no entanto, quando (semi)integrada perde o direito a concorrer no mercado consumidor final e fica presa aos interesses das indústrias, principalmente processadoras de suas matérias-primas.
Logicamente que, quando mais modernizada se torna a agricultura, mais amplos os caminhos se abrem à sua industrialização. Quando ela alcança este “estágio”, o processo vai tomando caráter de irreversibilidade. O mais elevado grau de irreversibilidade ocorre no contexto do CAI, pois a agricultura encontra-se altamente modernizada e industrializada, principalmente se a sua forma de integração for direta. Assim, o processo de industrialização do setor agrário brasileiro levará à emersão dos complexos agroindustriais, somente na década de 1970.
A existência dos CAIs pressupõe, logicamente, a presença no mínimo de dois setores integrados - agricultura (industrializada) e o industrial. Este representada pelas indústrias de insumos e processadoras, sendo as últimas possuidoras de maior ascendência sobre a agricultura.
Cada CAI pode estar mais ou menos integrado a nível intersetorial, sendo que os CAIs mais completos atuam nas esferas de estocagem, comercialização e transporte de produtos e, até mesmo, na do financiamento. Já os cais incompletos, segundo Graziano da Silva (1993), só apresentam relações para frente, isto é, com as indústrias processadoras.
Os vários conceitos elaborados sobre os sistemas ou complexos agroindustriais, de certa forma, acham-se circunscritos aos aspectos formais já citados, isto é, aos setores envolvidos, suas funções e integração. Seguem-se alguns conceitos de CAIs, com ênfase nos aspectos econômicos, políticos e ideológicos.
O CAI constitui-se de um complexo entre tantos outros, como industrial, portuário, cafeeiro. Giarracca (1985: 23) define complexo como “a estrutura de relações entre as distintas etapas que intervêm na elaboração de um bem”. E quanto este bem (produto) tem origem na agroindústria, está-se em presença de um CAI. Para Goldbery, R. A., citado por Bruneau e Imbernon (1980: 212), o sistema agroindustrial vem a ser:
o conjunto da produção e da distribuição de fornecimento para a agricultura, as operações de produção ao nível das exportações, como a estocagem, a transformação e distribuição de produtos agrícolas e de alimentos transformados.
Para Vigorito, R., reproduzido por Giarracca (1985: 23), o CAI constitui-se de um:
Mecanismo de reprodução que se estrutura em torno da cadeia de transformações diretamente vinculadas à produção agrária, até chegar a: a) seu destino final como meio de consumo ou inversão, ou b) tomar parte da órbita de outro complexo não agroindustrial.
Muito semelhante à definição de Goldbery, Sorj (1986: 29) vê o CAI como: “um conjunto formado pelos setores produtores de insumos agrícolas, de transformação industrial dos produtos agropecuários e de distribuição e financiamento nas diversas fases do circuito.
Graziano da Silva, citado por Scopinho (p. 29), introduz um viés político em sua visão. Para ele, o Cai é um produto histórico a partir de uma conjugação de interesses institucionais (público e privado), num determinado nível organizacional. Explicitando, ele acrescenta:
É uma verdadeira máquina de organizar interesses no quadro das relações conflituais entre segmentos da iniciativa privada e o Estado, privilegiando e até mesmo incluindo atores que por razões estritamente econômicas deveriam ou não fazer parte de uma dada estrutura tecnoprodutiva.
Em outra linha de abordagem, com uma visão ideológica, Neves (1997: 26) entende que a modernização, modernização conservadora e complexo agroindustrial são termos referentes a “modelos gerais relativamente abstratos de compreensão de formas específicas de interligação da agricultura com a indústria, nem sempre realizáveis tais quais”.
Em função da complexa natureza dos cais e considerando sua rápida capacidade evolutiva, cada conceito retratado, embora se constitua em valioso instrumental de entendimento da realidade, carece de uma visão mais global. Assim, há necessidade de novas abordagens para tecer conceitos mais abrangentes do fenômeno.
Uma vez completado o ciclo de integração do setor agrário aos cais, o entendimento do movimento deste setor só pode ser apreendido em sua real dimensão, a partir da dinâmica industrial a ele afeita. Por seu turno, o desempenho dos complexos industrial e do agro-industrial encontra-se atrelado à esfera do capital industrial e financeiro que opera, de modo simultâneo e integrado, em escalas distintas, isto é, regional, nacional, continental e internacional. Em outras palavras, segundo Bruneau e Imbernon (1980: 213):
O sistema agroindustrial se desenvolve, acentuando o processo de internacionalização do capital social, sob todas as formas: capital produtivo (implantações industriais e migração de mão-de-obra), capital financeiro (movimento internacional do capital bancário e industrial), mercadorias/transferência de tecnologia, importação e exportação de diversos bens e serviços.
É bom lembrar que, embora a modernização-industrialização da agricultura brasileira, inclusive integrando-se aos Cais, tenha se intensificado em escala crescente desde o pós II Guerra, não se pode esquecer de que este processo não se deu de forma homogênea em todos os setores agrários e no espaço nacional. Ainda existem muitos espaços, tipos de cultura e criação, fragilmente ou, ainda, não atingidos pela modernização.
A introdução das relações capitalistas no campo faz-se de maneira seletiva, principalmente em função dos objetivos do sistema que, em última análise, é o da reprodução ampliada do capital. Por outro, há que se valorizar a “força do lugar”, pois as áreas, regiões, países selecionados apresentam especificidades históricas, características naturais, acessibilidade, possuindo infraestruturas e são dotadas de situações geográficas fundamentais.
Apesar dos CAIs não elaborarem um modelo universal, ao tomá-los como unidade escalar, o estudo dos setores agrário e industrial, feito mesmo de modo isolado, revestir-se-á de grande significado para o entendimento dos seus vários processos econômico, social, político e principalmente espacial.
O uso da expressão sistema agroindustrial, na acepção dos dois autores supra citados, torna-se necessário, pois que ela “não significa um simples processo de reorganização industrial no campo, mas uma reestruturação do processo produtivo”.
O nascimento e evolução do sistema agroindustrial são garantidos, em termos mínimos, pela existência do tripé – agricultura/pecuária, indústrias de insumos e indústrias processadoras. A partir do ponto de vista das atividades rurais, tais indústrias encontram-se situadas, respectivamente, a montante e à jusante do seu processo produtivo.
As indústrias, genericamente chamadas de insumos (montante), são responsáveis pela evolução modernizante da base técnica da agricultura, isto é, responsáveis pelo aumento da produção e da produtividade. As indústrias processadoras (jusante) que são muito numerosas, não só transformam as matérias-primas provenientes do campo, como articulam a entrada, a integração e o comportamento das empresas rurais no CAI.
As indústrias de insumos, classificadas genericamente como de base, abriga dois segmentos bem distintos. Um deles liga-se à produção de maquinarias - tratores e implementos mecânicos (arado, colhedeira, empacotadeira etc.). O outro ramo produz insumos de natureza química e biológica que são os fertilizantes, adubos, rações, inseticidas, sementes etc.. As cooperativas constituíram num dos mais importantes vetores de difusão do uso de maquinarias e insumos industriais no campo brasileiro.
As indústrias processadoras, além de muito numerosas, são as mais diversificadas possíveis, pois elaboram produtos alimentares (sob as mais diversas formas) de procedência vegetal, animal e outros ramos (do couro à celulose).
Como já dito, a organização dos CAIs só se torna exeqüível em um quadro onde estas indústrias de base são realmente internalizadas.
A presença de maquinarias no campo brasileiro é registrada desde a década de 1920. O crescimento do uso destes instrumentos de trabalho associa-se à expansão de certas culturas. Assim, na década de 40, a difusão da triticultura e da rizicultura irrigada no Rio Grande do Sul e da cana-de-açúcar e do café em São Paulo criou condições objetivas ao surgimento de um mercado para estes produtos industrializados.
A partir de então, observa-se um contínuo e vigoroso implemento na utilização de tratores. Na década de 50, foram contabilizados 8.372 tratores, na década seguinte, eles atingiram a cifra de 61.345 unidades. Lembra-se que até a década de 50, os tratores eram adquiridos no mercado externo, principalmente nos Estados Unidos e Europa..
Assim, em resposta aos estímulos emanados do “Plano de Metas” do Governo JK (anos 50), começaram a chegar ao Brasil empresas multinacionais ligadas à produção de maquinarias, destacando-se os tratores[9]. Segundo dados apresentados por Kageyama e Outros (1989), em 1961, tais indústrias que operavam no país eram responsáveis apenas por 21% da oferta e, no ano seguinte, elas alcançaram, espantosamente, 80%.
A expansão da cultura da soja (década de 60) e a consolidação dos Cais (década de 70) favoreceram, em muito, o emprego de maquinarias agrícolas. O número de tratores em uso, em 1970, saltou de 157.340 para 331.000 unidades em apenas cinco anos. O amplo uso de maquinarias na cultura da soja possibilitou que outras, como as do algodão, amendoim, laranja e milho, também fossem atingidas por tal inovação.
Em princípio, eram apenas três grandes empresas internacionais de caráter oligopólicos e monopólicos atuantes no Brasil. Já na década de 80, eram seis as que fabricavam tratores com capacidade até 200 cv. O mercado de tratores, com potência mais elevada, bastante restrito, estava em mãos de apenas três empresas[10]. Tanto no mercado brasileiro como no latino-americano, há o domínio absoluto das empresas norte-americanas.
As máquinas colhedeiras - uma grande inovação técnica que, ao diminuir o tempo destinado à colheita, agilizou a produção e possibilitou a expansão da área cultivada - só chegam ao mercado nacional nos anos 60, com grande defasagem em relação à introdução de tratores. As empresas encarregadas de produzir este implemento foram igualmente beneficiadas com os mesmos incentivos feitos às empresa de tratores.
É interessante ressaltar o importante papel prestado ao setor agrário pelas numerosas indústrias de equipamentos mecânicos de variados tipos, inclusive com intensas repercussões regionais. Sobre isto comenta Kageyama e Outros (1989: 151):
A história das empresas fabricantes de implementos, mais do que a de tratores e colhedeiras, desenvolveu-se num espaço acentuadamente regional como uma espécie de proteção, permitindo que a mecanização atingisse áreas que não atingiria, pelo menos tão precocemente.
Tal “proteção” permitiu a que pequenas oficinas atuassem, principalmente em São Paulo e Rio Grande do Sul, na manutenção e no reparo de peças e componentes agrícolas. Muitas delas evoluíram para pequenas empresas e passaram, até mesmo, à liderança de alguns segmentos do mercado, extrapolando, pois as fronteiras da região onde se encontravam implantadas.
Centenas de pequenas e micro-empresas competem neste mercado nos interstícios não ocupados pelos monopólios e oligopólios. O grande triunfo de tais empresas reside no fato de que elas estarem muito próximas à clientela e, assim, conhecerem as características e necessidades do mercado. Naturalmente que o número e tipos destas empresas variam como o movimento oscilante da economia.
Segundo Kageyama et alii (1989), a indústria de equipamentos alcançou o seu maior desenvolvimento entre os anos de 1970 e 76, em função de três fatores básicos - subsídios de crédito agrícola, pelo lado da demanda; manutenção da supressão da cobrança do ICM e isenção do IPI, pelo lado da oferta.
Em 1976, com mudanças nas políticas oficiais voltadas aos setores agrícola e industrial, verificou-se uma retração da indústria em questão e, somente em 1983, observa-se um novo ciclo ascendente, derivado de conjunturas internas (abundantes safras, “Plano Cruzado”) e externas (melhorias nos preços dos produtos de exportação).
A partir do século XIX, o mundo assistiu ao crescimento, sem paralelo, da população humana. O “boom” ocorreu, inicialmente, nos chamados países centrais, na 2a. metade do século passado e na 1a. metade do atual século. No pós II Guerra, a “explosão demográfica” transferiu-se ao Terceiro Mundo e, até hoje, apesar das políticas oficiais de controle da natalidade por parte de muito dos seus países, o fenômeno persiste.
Como alimentar um contingente demográfico que beira à casa dos quatro bilhões de pessoas, utilizando-se apenas das potencialidades naturais? Como garantir às grandes multinacionais ligadas às indústrias de base e de transformação, a lucratividade em bilhões de dólares/ano num mercado consumidor por elas monopolizadas?
As indústrias produtoras de insumos foram envolvendo de tal forma o setor agropecuário que este não consegue produzir, adequadamente, sem os “pacotes tecnológicos” por elas impostos. Lavouras como as de trigo, soja, fumo, batata, tomate, cebola, café, cacau e cana-de-açúcar, por exemplo, só conseguem ser economicamente viáveis à base de fertilizantes[11].
Se por um lado, tais insumos operam verdadeiros milagres, por outro, oneram os preços de custos da produção. Para se diminuir a pressão destes custos, é necessário produzir com maior eficácia, fato que pressupões o uso de técnicas mais evoluídas, mais caras e, assim por diante. Isto prende o produtor rural num ciclo vicioso e faz com que ele corra, cada vez mais rápido, a fim de não ficar defasado e mantendo, minimamente, as condições básicas de sua reprodução. Este é o caso típico dos “farmers” americanos. Isto se constitui numa das razões do porquê, apesar de toda a doutrina neoliberal vigente, os países ricos exercerem um grande protecionismo à sua agricultura.
No caso brasileiro, a difusão do uso de fertilizantes químicos e orgânicos foi fomentada, inicialmente, pela importação, graças às condições cambiais favoráveis no pós- II Guerra e, no segundo momento, por incentivos governamentais, atraindo as empresas. Tal fato conjugou-se às estratégias das grandes multinacionais, para ampliar o seu mercado nos países do terceiro Mundo, sobretudo através de “joint-ventures”, em fase posterior. Essas empresas procuraram, naturalmente, criar novos insumos adequados às condições de (sub)tropicalidade em termos de solo, clima e espécies vegetais.
Em 1960, a superprodução de fertilizantes nos EUA, levou o governo a estender o crédito para financiar a exportação desses produtos ao Terceiro Mundo, via a conhecida Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA (USAID). No mercado mundial ocorre grande concorrência entre firmas européias, americanas e japonesas. Elas procuram-se expandir em mercados promissores como o México, Argentina e Brasil, por razões apontadas por Burbach e Flyn (1982: 118) :
As vantagens que têm para os investidores estrangeiros a produção no Brasil - uma força de trabalho barata e controlada e incentivos governamentais - também tornaram o país atraente plataforma de exportação par abastecer outros países do Terceiro Mundo.
A ação do Estado, quer através de políticas visando a incentivar tanto a produção como o consumo, quer sendo ele próprio um agente produtor, revestiu-se de fundamental importância à modernização da agricultura e da indústria. Já mesmo na década de 1940, a Companhia Siderúrgica Nacional industrializava fertilizantes de origem orgânica. Entre 1950 e 85, o consumo aparente de adubos cresceu em quase 13%/ ano, atingindo 17,8 % no período considerado áureo (1967/80), segundo dados apresentados por Kageyama et alii (1989).
O “Plano de Metas” e o “II Plano Nacional de Desenvolvimento” foram capitais no sentido de consolidar o setor industrial de fertilizantes e garantir a auto-suficiência brasileira. Muitas vezes, o Estado investiu em setores chaves, onde a iniciativa privada não dispunha ou não podia atuar por falta, principalmente, de capitais. A PETROFÉRTIL, criada em 1973, também em função do custo elevado do preço dos insumos, subsidiária da PETROBRÁS, chegou a ter o monopólio da produção de amônia, substância crucial à produção de insumos. Ela procurou descentralizar as unidades produtoras, segundo à presença de matérias-primas.
Dados apresentados por Sorj (1986), dão conta de que, entre 1970 e 76, a produção de fertilizantes, embora importando, ainda, dois terços de matéria-prima, cresceu em 335%, enquanto a demanda em 140% .
Como nos demais setores econômicos, o consumo e a produção de fertilizantes apresentaram queda acentuada no início dos anos de 1980, mas em 1984, volta aos níveis registrados em 80, em função do subsídio estatal.
Em relação às sementes selecionadas, a sua produção concentrou-se em São Paulo até 1964. No ano seguinte, elaborou-se o “Sistema Nacional de Sementes”. O plano de produção de sementes, finalmente, integrou-se desde 74 ao II PND, voltado principalmente para as principais culturas comerciais.
A produção de rações vegetais volta-se maciçamente à avicultura, porém, nesses últimos anos, dirigiu-se à criação bovina. A expansão da indústria de ração é recente no Brasil[12] A cultura de soja permitiu expandir a produção de torta feita por firmas multinacionais. E, segundo Sorj (1986: 39), para colocar seus produtos no mercado esta indústria: “desenvolveu planos de modificação de granjas e orientação técnica aos produtores, conjuntamente com planos de financiamento, sendo ela tanto a expressão como o detonador da modernização da produção avícola, bovina e suína”.
Um dos problemas inibidores à difusão do consumo da ração era o tabelamento de preço da carne e do leite. Em 1976, o próprio preço da reação passou, de certa forma, a ser controlado pelo CIP. Mas o preço interno deste insumo encontra-se muito condicionado às flutuações do preço da soja no mercado internacional, pois a soja constitui-se numa importante matéria-prima da ração.
O Brasil representa um dos maiores mercados de defensivos do mundo. Até a década de 1960, a importação de defensivos era livre, não havendo participação substancial da incipiente indústria nacional, que praticamente se restringia à produção de DDT e BHC. O desenvolvimento deste setor industrial, em ritmo acelerado, só será realizado com o II PND nos anos 70, atingindo maturidade na década seguinte.
A legislação brasileira sobre o uso e controle de defensivos era vaga, desatualizada e inoperante. Na década de 1970, sob pressão de ambientalistas, uma série de portarias foram estabelecidas, formatando um corpo legal. Em 1982, estabeleceram-se leis visando à padronização desses produtos e á restrição do registro de alguns deles por iniciativa de entidades civis. Somente na Constituição de 1988, a matéria é tratada de forma mais responsável.
A resistência crescente dos insetos, fungos, parasitos e microorganismos tem levado as empresas a buscar outras formas alternativas de eliminar os “predadores” dos vegetais e animais. Em outro sentido, desenvolveu-se uma consciência ecológica que impulsionou os movimentos ambientalistas a reivindicarem o controle de aplicações indiscriminadas dos perniciosos insumos, causadores de seqüelas não só àquelas que os manuseiam, como os consumidores.
Muitos desses produtos, tóxicos e agressivos ao meio, a exemplo do DDT, já estão proibidos de fabricação e uso nos países desenvolvidos. A EMBRAPA tem conseguido êxito em pesquisar métodos naturais do controle de certas pragas, acionando algumas espécies de insetos não prejudiciais para eliminarem outras espécies nocivas a determinada cultura. Papel fundamental neste campo tem sido empreendido pela biotecnologia[13]. Encontra-se em formação um novo paradigma tecnológico para a agricultura, tido como ambientalmente limpo e poupador de energia.
A indústria de beneficiamento de alimentos alcançou grande desenvolvimento nos EUA, desde a década de 1930, mas no pós II Guerra, as empresas ligadas ao setor passaram por uma grande diversificação e rápida expansão no país e fora dele.
De 1945 a 60, observa-se o surgimento de uma centenas de produtos novos sob diversas formas, sabores, odores e cores, acompanhados de inéditas e atraentes embalagens. A propaganda, cientificamente elaborada, utilizando-se do novo veículo de comunicação de massa a tv, atuou no sentido de incorporar um imenso mercado, incentivando a criação de novas necessidades no campo alimentar, inclusive, o “fast food”.
Quando esse mercado dá sinais de certa saturação, as empresas, em constante processo de evolução e de ajustamento, buscam outros produtos e mercados principalmente no Sudeste Asiático e na América Latina. Nesta, foram instaladas, principalmente via “joint venture”, 75 empresas ligadas ao setor alimentício no período compreendido entre 1960 a 75, segundo dados fornecidos por Burbach e Flyn (1982; 124). Eles reeditaram aqui, com as devidas adaptações, os mecanismos necessários à realização da produção, favorecidas por incentivos oficiais e trazendo, em suas bagagens, uma enorme experiência. Sobre a penetração destas empresas comentam os autores: “Abarcando tanto a área urbana como rural, as beneficiadoras estrangeiras na América Latina formam o núcleo de uma nova indústria na região”. Exemplo disto é dado pela empresa Anderson Clayton que passou a produzir óleos vegetais e margarinas, substituindo a banha de porco na diária dos brasileiros.
Na atualidade, não só empresas ligadas ao capital industrial, mas também ao comercial (supermercados) e às instituições financeiras investem, maciçamente, nas indústrias de processamento e no próprio setor rural, desbancando parte do capital mercantil tradicional, ainda, muito atuante.
As modificações trazidas pelas grandes empresas afetaram tanto o mercado consumidor final, como o setor agropecuário. Este, ao se associar ao setor moderno da economia, foi obrigado a adequar a sua estrutura produtiva às exigências das indústrias de processamento.
Muitas indústrias tradicionais, frente à esta nova realidade, não tiveram como competir no mercado. Simplesmente foram desativadas ou absorvidas pelo grande capital, num intenso processo de verticalização da grande empresa. A indústria moderna - e entre elas a Parmalat - que se utiliza do leite como matéria-prima para produzir vários derivados, por exemplo, leite em pó, foi responsáveis pela desarticulação de inúmeros laticínios de porte pequeno no Brasil.
Mas, apesar da expressiva presença de multinacionais norte-americanas, européias e, até mesmo japonesas, uma parte significativa da produção de alimentos industrializados, ainda, se encontra em mãos de empresas locais, produtoras em pequena escala e que se utilizam de métodos e técnicas mais tradicionais.
As grandes empresas multinacionais de beneficiamento, em seu processo de expansão e verticalização, tornaram-se chaves como veículos de articulação entre os diversos setores (agropecuário, industrial e financeiro), no processo de organização dos CAIs, tal articulação em torno da empresa núcleo, ocorreu através da integração que se apresenta sob diversas formas.
A integração agroindustrial, segundo Guimarães (1979), em grande parte dos países centrais, ocorre, simultaneamente, com o progresso de concentração industrial que abrangeu tanto as indústrias de insumos, como as de beneficiamento de alimentos.
Ao lado das fusões e das aquisições (horizontal e vertical) das empresas, principalmente alimentares, proliferaram os “contratos agrícolas” (contract farming) entre produtores, rurais, de um lado, e indústrias de insumos e processadora, de outro.
Surgidos nos EUA e Canadá como fenômenos esporádicos, os contratos agrícolas foram, inicialmente, motivados por interesses mútuos que aproximavam, entre si, os produtores primários de gêneros alimentares, cuja venda precisava ser assegurada, e as indústrias de transformação, preservadoras e empacotadoras de tais gêneros.
A primeira fase da integração ocorreu de modo espontâneo, sendo que muitos dos contratos eram verbais e os vínculos limitavam-se a operações livres de troca. Os agricultores forneciam matérias-primas às processadoras e recebiam insumos diversos. Às vezes, eram estabelecidas obrigações específicas como, por exemplo, o financiamento para a agricultura em troca de preços pré-fixados pela indústria.
Na segunda fase, os produtores rurais passaram a negociar a maior parte da produção com a indústria e não com o setor comercial. Nesta altura, a agricultura já se apresentava industrializada. O setor industrial impõe as regrar do relacionamento entre as partes, perdendo os agricultores a sua liberdade, sua capacidade de decisão. Estes não têm como optar ente os fornecedores de insumos e os compradores de seus produtos, cujos preços não são mais de concorrência e sim de monopólio. Sobre as relações entre ruralistas e as indústrias processadoras na fase mais avançada da integração, observa o próprio Guimarães (1979): “Não há mesmo sequer “escolha”, pois o ato de decidir vender não compete mais á agricultura e sim á (grande) indústria ou ao Estado, que induzem, indicam ou determinam o que e a quem deve a agricultura comprar e vender”.
A indústria foi se tornando cada vez mais exigente em termos de padrão de qualidade dos produtos. A fim de diminuir o preço de custo e elevar a produtividade, ela passou a determinar a área destinada ao plantio, tipos de insumos e tecnologias apropriados. Além do mais, ela fornecia crédito direto ou indireto, via instituições financeiras. Neste processo histórico de integração do setor agropecuário, a grande empresa industrial (mono ou oligopólica) executou papel fundamental.
O capital produtivo agroindustrial é muito flexível quanto às suas formas de integração. Ele, segundo Bruneau e Imbernon (1980; 214), integra:
novos agentes sociais de produção e impõe a transferência de lucros ao sistema produtivo capitalista, mas ele está principalmente fundado mais sobre o controle do mercado produtivo (prática oligopolista e monopolista) do que sobre o aprofundamento de relações de produção capitalista.
Estes mesmos autores apontam para quatro fatores principais que determinam a intervenção agroindustrial e os diferentes graus de integração ao sistema:
- os sistemas agrícolas pré-existentes à intervenção agroindustrial e o grau de desenvolvimento de tecnologia na agricultura;
- o grau de concentração e o nível técnico da produção industrial;
- o mercado interno ou internacional pelo qual produz a agroindústria;
- a intervenção do Estado no nível social ou econômico.
Apesar das relações entre as empresas, principalmente processadoras, e as rurais serem muito variadas em natureza e intensidade, são genericamente classificadas pela literatura pertinente, em duas tipologias - integradas e simi-integradas. A distinção entre elas fica mais por conta de aspectos formais, no entender de Guimarães (1979).
A integração vem a ser a ligação interativa intersetorial de diversos processos que envolvem a agropecuária, a agroindústria e o comércio, sob o controle final de uma empresa processadora que passou por grande concentração horizontal e vertical.
Os CAIs, altamente integrados, possuem um corpo técnico diversificado e qualificado (veterinários, agrônomos, engenheiros florestais, biólogos, químicos etc.). Alguns deles chegam mesmo a construir seus próprios laboratórios e investem em pesquisas. Por outro lado, eles detêm uma complexa estrutura administrativa e organizacional, inclusive, contanto com a presença de especialistas em ciências humanas (economistas, administradores, psicólogos, contabilistas, assistentes sociais etc.) para definir políticas globais e setoriais. Procuram racionalizar os recursos técnicos e humanos a fim de garantir a produtividade da força de trabalho, através de aprimoramento dos métodos de trabalhos, entre outros.
Tais complexos concentram, apesar do uso de tecnologias avançadas, um relativo elevado contingente de mão-de-obra assalariada. Os assalariados permanentes, genericamente, são dotados de maior qualificação escolar e profissional. Grande parte dos assalariados foram pequenos produtores familiares que não conseguiram manter-se em sua condição original e, uma vez expropriados, colocaram-se à disposição no mercado de trabalho rural. Os trabalhadores temporários, conhecidos como “boias-frias”, só são requisitados às lides das grandes empresas, em determinados momentos do processo produtivo, geralmente na colheita. Na maioria das vezes, ganham menos que o salário mínimo legal. São recrutados e pagos por intermediários (“gatos”) que os conduzem ao local de trabalho. Portanto, as grandes empresas não têm obrigações legais com esses trabalhadores, pois tercerizam o serviço.
Nos CAIs, não raro, há presença de empresas integradas que se verticalizam a tal ponto de assumir riscos inerentes ao processo produtor rural, como a inversão de capital na aquisição de grandes glebas de terras. Dois exemplos notáveis desta postura podem ser lembrados – os casos da produção de celulose no Amapá e a de açúcar na Flórida.
Bruneau e Imbernon (1980) trazem alguns detalhes do expressivo CAI comandado pela empresa do alemão Daniel K. Ludwig que, para produzir celulose e arroz, adquiriu 3,7 milhões de acres em plena selva do Amapá. Foram 100.000 ha plantados com a espécie industrial - “gmeline arborea”, importada da África cuja produção alcançava 250t/dia.
Na região dos Evergladers, situada na parte central da Flórida, os CAIs voltaram-se, principalmente, à produção de açúcar de cana e legumes de inverno. Numa área de mais de 280.00 há, mais da metade encontra-se, efetivamente, aproveitada em agricultura. Seis grandes grupos econômicos (4,7% dos estabelecimentos rurais), cada qual com mais de 4.000 ha, concentravam 51% das terras. Examinando esses sistemas agro-industriais, Dorel (1982: 19) comenta sobre a auto-suficiência na produção de matéria-prima: “um pouco mais da metade do açúcar produzido nos Everglades são das usinas dos quatro grupos agro-industriais que produzem diretamente de 80 a 90% de suas necessidades de cana”.
O Estado, lá como aqui, desempenhou papel importante no sentido de bonificar terras, por exemplo, com a construção de canais, assim, drenando as outroras alagadas terras. Não se pode também esquecer de um dado político de maior relevância para incentivar o crescimento da produção de açúcar. Está se falando do bloqueio americano ao açúcar cubano a partir de 1960.
No Brasil, entre os setores em que o processo de integração se encontra mais intenso destacam-se os avícola, hortifruticultural, pecuário e florestal. Na opinião de Sorj (1986: 47) “o setor avícola é, provavelmente, um dos poucos onde os progressos tecnológicos estão suficientemente avançados no Brasil para que haja reais ganhos de escala em contra posição à pequena produção”.
Por empresa semi-integradas, Sorj entende aquelas onde “a produção agropecuária, se bem realizada por produtores em estabelecimentos próprios, está totalmente controlada pela agroindústria” (p. 50).
Como dito, a empresa núcleo exerce papel fundamental no processo de integração das demais, dentro do complexo. Ela impõe as normas do contrato (escrito ou oral) onde estão estabelecidos os direitos e deveres de cada parceiro. Cabe a empresa nucleadora, geralmente multinacional, fornecer insumos, assistência técnica, transporte, crédito, fixar preços às unidades participantes do complexo. Em compensação, estas devem entregar a produção com padrões de qualidade estabelecidos, em quantidade e tempo certos.
A unidade econômica familiar camponesa, herança de relações de produção não-capitalistas, é a dominante neste tipo de integração. Embora subordinada[14], ela goza de certa autonomia para denunciar o contrato ao findar o prazo de sua vigência e engajar-se em outros complexos similares, ou não. As relações de produção e o processo de trabalho das unidades familiares, não são tipicamente capitalistas.
Nesta forma de integração, observa Oliveira (1996) não ocorre a expansão, de forma absoluta, do trabalho assalariado. Ao contrário, ela (re)cria o trabalho o familiar camponês, a fim de aumentar sua acumulação. O capitalista consegue, através de relações não-capitalistas, transformar a renda da terra em capital.
Geralmente, as relações dessas unidades com as processadoras são diretas. Entre elas, há uma série de instâncias intermediárias que também são tradicionais. Esses intermediários podem ser atravessadores, comerciantes, camioneiros etc. que realizam várias funções idênticas às das integradoras. A indústria estabelece os preços das metérias-primas com esses intermediários e estes com os produtores.
Muitas vezes, o Estado encontra-se presente nas relações existentes entre as processadoras e produtores. Forma-se o acordo triangular, em que o Estado joga papel importante na fixação de preços dos produtos. Tais relações triangulares, observam Bruneau e Imbernon (1980: 219), “permitem às agroindústrias, sob a autoridade ou com o apoio do Estado, de controlar muito estritamente a produção de um conjunto de pequenas unidades familiares, sem possuir a terra nem correr os riscos da cultura”.
Em função da autonomia dos produtores rurais, muitas vezes, os complexos apresentam alta rotatividade de produtores integrados. Redesenhando a área de influência destes complexos. Neste caso, as empresas integradoras têm que partir para a competição no mercado.
As cooperativas de produtores rurais, quando ativas, constituem-se em importantes mecanismos de proteção dos interesses dos pequenos produtores. Neste sentido, observa Sorj (1986: 52)
Embora surgindo, muitas vezes, na dependência dos grandes comerciantes e processadoras industriais, os pequenos produtores, organizam-se em cooperativas, procuram limitar a extração de excedentes pela agroindústria, gerando suas próprias plantas industriais e esquemas de comercialização.
A agricultura contratual apresenta também uma série de conflitos derivados de interesses diversos entre os seus integrantes. Sobre estas tensões, observa este autor: “Nas formas de semi-integração, pela grande dependência dos produtores que trabalham com a agroindústria, as formas de solidariedade horizontal são minadas pela dependência vertical do produtor com a agroindústria”.
Levando-se em consideração a modernização, a industrialização e a integração intersetorial, Kageyama e Outros (1989) classificam a atividade agrícola brasileiro em quatro grandes segmentos:
1 - Segmentos com grande modernização em sua base técnica, industrializados e altamente integrados verticalmente e formando complexos agro-industriais com o tripé – indústrias a montante, agropecuária e indústrias à jusante. Encontram-se nesta categoria os complexos avícolas, sucro-alcooleiros, carne, soja, trigo, milho híbrido, arroz irrigado e ovos.
2 - Segmentos plenamente integrados à jusante, intensamente tecnificados, mas não mantêm vínculos específicos com as indústrias a montante. A idéia de “complexo” restringe-se às interações da agricultura com as agroindústrias, apresentando grande dinamismo entre elas. Enfim, está-se diante dos chamados CAIs “incompletos”. Nesta categoria incluem-se as fibras (algodão), frutas (laranja para suco), laticínios, milho (parte dos grãos), oliaginosas (amendoim), legumes (tomate, ervilha).
3 - Segmentos modernizados e dependentes do fornecimento de máquinas e insumos extra-setoriais, porém, não estabelecem ligações específicas a montante e à jusante. Encontram-se neste grupo: feijão (São Paulo), arroz (Centro-Oeste), cebola, hortaliças e frutas de mesa.
São incluídas nesta categoria, também, as atividades ligadas à classificação e à embalagem que passam a desempenhar papel semelhante à agroindústria. O café poderia incluir-se neste grupo, pois o mais importante neste CAI, não são as indústrias de moagem e torrefação e sim o segmento de exportação/embalagem e classificação. As torrefações são, genericamente, de pequeno porte e com atuação restrita, sem poder de pressão sobre os produtores. Estes além de serem grandes produtores, possuem influência junto ao governo, via Associação Nacional do Café e Instituto Brasileiro do Café.
O café vem-se redefinindo dentro do complexo e tem-se aproximado do setor de insumos, em busca de adubos e de defensivos (combate à ferrugem).
4- - O último segmento compreende atividades pouco modernizadas, com raras e esporádicas ligações com as indústrias de insumos e processadoras. São atividades que têm sua base nos produtos como a banana e a mandioca.
Esta classificação apontada por Kageyama, embora referindo-se à década de 1980, ainda persiste, basicamente, ao confronto com dados mais atuais. Estes produtos agro-industriais ou “in natura” destinam-se tanto ao mercado interno quanto ao externo[15]. Café e suco de laranja, por exemplo, ao longo desta primeira metade dos anos 90, parecem merecedores de classificação no sentido ascendente.
Em relação á competitividade no mercado externo[16], os setores agrícolas e agro-industriais que alcançam elevado nível são o café, suco de laranja, soja (farelo), papel e celulose). Os produtos ligados às indústrias têxtil e de confecção (tecidos, roupas e calçados) apresentam nível intermediário. Há grandes perspectivas quanto às frutas e carnes (vaca e aves).
Pelo exposto, não se pode falar em modernização, industrialização da agropecuária e a conformação dos complexos agro-industriais no Brasil, excluindo-se ou minimizando a figura do Estado. As ações e políticas estatais demarcaram as mudanças no sistema de poder nos últimos 50 anos.
O papel do Estado, que foi de modernizar o setor agrário brasileiro, atendeu, principalmente, aos interesses do grande capital, a ponto de alguns críticos, como Graziano da Silva (1982), afirmar que o Estado passa a ser apropriado não apenas pela burguesia, mas por grupos específicos de interesses deste ou daquele ramo de atividade, forçando uma balcanização do aparelho governamental. Na realidade, como os interesses são múltiplos, vão ocorrer, naturalmente, contradições nas políticas públicas. O grande problema encontra-se justamente no fato de o Estado ter sido o grande ou nas palavras de Martins (1991), o único tomador de riscos, considerando ser o Brasil um país de economia de mercado.
Os estudos sobre o papel do Estado, na maioria das vezes, consideram-no como um “fator externo desencadeador das alterações nas condições de participação dos agentes” da produção agrícola, como afirma Neves (1997: 13). Isto levou, segundo a autora, à consideração de que o Estado poderia alterar “de modo relativamente uniforme a todos os produtores, independentemente da posição social que ocupam ou do conjunto específico de relações que estejam vivendo”. Completa Neves afirmando:
Tais estudos como provável que decretos e normas formais sejam por si só capazes de alterar relações e que os agentes sociais não participem, ainda que indiretamente, de sua elaboração. Admitem, também, como certo que ela os absorvam uniformemente ou sem resistências, reivindicações e recriações.
A atuação deste agente de natureza multifacetada pode ser vista e aquilatada pelo implemento de diversas políticas (global, territorial, setorial) que abrangeram não só a esfera econômica, como política, institucional, social etc.. Tal postura, alicerçada em planejamentos, visou a dotar o país de condições atrativas aos investimentos produtivos internacionais e, assim, tornar factível o processo de desenvolvimento socioeconômico e a sua inserção, em nível competitivo, no mercado internacional.
Embora a presença do Estado Brasileiro na atividade rural venha ocorrendo desde o século XIX[17], pode-se tomar a Revolução de Trinta como o marco inicial da intervenção deliberada e sistemática do Estado na economia. Mas foi no regime ditatorial militar, após o golpe de 1964, que a intervenção do Estado atingiu o seu ponto mais expressivo, isto é, nas décadas de 60 e 70. Observe-seque este papel realizou-se, também com eficiência, em regime de liberdades democráticas, como no Governo JK.
Foram selecionadas algumas dessas intervenções diretas ou indiretas, a fim de qualificar o Estado, indubitavelmente, o grande artífice do processo de modernização do campo brasileiro. As intervenções, ora o fazem um grande empresário, criando indústrias de base como siderúrgica (CSN), química (ÁLCALIS), petroquímica (PETROBRÁS), montadora (FNM) e infraestrutura (energia, vias de transporte, irrigação, açudagem, drenagem, saneamento etc.), ora como formatador de legislações específicas nas esferas monetária, tributária, fiscal, cambial, preços de produtos, trabalhista, pesquisa, extensão rural etc.. Estas ações isoladas ou combinadas criaram condições objetivas para o chamado “take off” ao desenvolvimento industrial, agrário e agroindustrial do Brasil.
O período correspondente à II Guerra, em função das dificuldades de importação, ofereceu oportunidade no sentido de dotar-se o país de uma estrutura industrial. Foi o deslanchar da implementação efetiva do modelo conhecido por “substituição de importações”. O saldo positivo da balança comercial, derivado da exportação de produtos primários e da manipulação de taxas cambiais, estimulou, inicialmente a importação de insumos agrícolas e, posteriormente, o início das próprias indústrias de base produtoras destes insumos. A agricultura cumpriu, então, papel fundamental em relação ao novo padrão de acumulação de capital, subsidiando a importação e, conseqüentemente, transferindo de renda ao setor industrial.
Ao final da década de 1950 e início da de 60, observa Sorj (1986), verificou-se uma queda nos mecanismos da integração da agricultura no processo cumulativo industrial. A esta época, o Governo João Goulart propôs reformas de base mas, por falta de alianças políticas significativas, não conseguiu alcançar seus objetivos que, inclusive, contemplava uma reforma agrária de forma distributiva e não coletiva. Grupos conservadores, ligados aos interesses do capital monopolista e dos grandes latifundiários, articulam com as Forças Armadas um golpe de Estado que se efetiva em 1964. A partir de então, grandes mudanças econômicas e políticas completam a modernização da agricultura.
Com Congresso cativo, oposição silenciada e controlada, classe média urbana ideologicamente cooptada, os governos militares elaboram políticas voltadas às mudanças modernizantes, a fim de implantar o modelo de desenvolvimento calcado no capital monopolista. Em outros termos, o Estado criou condições concretas à expansão das grandes empresas internacionais, nacionais e, até mesmo, estatais.
Entre os expedientes mais eficazes para transformar as estruturas ditas arcaicas, principalmente rurais, e integrar este setor ao industrial, encontrara-se a política de financiamento, ou seja, o crédito rural.
Em 1965, houve uma reforma do sistema financeiro, inclusive, para dar suporte à criação do Sistema Financeiro de Crédito Rural (SRCR)[18]. Acionou-se o sistema financeiro privado para que o mesmo participasse desta nova política, através da aplicação de 10% dos depósitos à vista, no novo crédito agrícola com juros de 7%/ano, ou canalizá-lo ao Banco Central. O crédito destinava-se ao custeio, investimento e a comercialização[19].
Kageyama e Outros (1989) distinguem duas fases quanto à concessão de crédito rural. Na primeira (1965-79), ele era abundante e altamente subsidiado, já na segunda (1979/86), há grande retração de crédito subsidiado, com decréscimo em cerca de 50%.
Ratificando o papel deste mecanismo voltado à modernização agrícola, acrescenta Sorj (1986: 89):
O crédito agrícola se transformou, sem sombra de dúvida, no mais importante impulsionador do processo de modernização das forças produtivas, em particular, na modernização, chegando por vezes a subsidiar praticamente mais da metade do valor da maquinaria agrícola.
Esta farta distribuição de benesses financeiras, porém, foi bastante seletiva. Isto é, os proprietários rurais, com um mínimo de lastro econômico, podiam garantir os empréstimos. Tinham eles que possuir bens em terra, produção etc.. Pelo visto, somente os médios e grandes proprietários satisfaziam tal exigência. No caso de parceiros e arrendatários, havia necessidade de carta de anuência pelos proprietários. Assim, as exigências de garantia atuavam como uma forte barreira que excluía, de saída, os pequenos produtores, principalmente aqueles dedicados à produção de gêneros alimentícios de primeira necessidade.
Além do mais, muitos dos empréstimos concedidos reingressaram no circuito monetário, quando o proprietário começou a exercer o papel de “repassador” destes recursos ou, ainda quando eram canalizados para outros fins, como lembra Graziano da Silva (1982: 39) “políticas de crédito rural enquanto instrumentos de modernização, indicam que grande parte desses recursos foram investidos por grandes proprietários em reserva de valor principalmente na compra de terras.
É importante observar, como faz Kageyama e Outros (1989: 160/61), a captação do setor agro-pastoril ao financeiro “além de modernização em si mesma, a integração da agricultura ao circuito financeiro é mais abrangente do que a simples integração intersetorial”.
Como resultante deste processo interativo, o mercado financeiro tornou-se um importante ponto de referência, em relação à tomada de decisões do setor agro-pecuário e das empresas atuando neste setor, conclui os autores.
No final dos anos de 1970, um novo aumento no preço do petróleo afetou a economia brasileira - inflação em alta, déficit público e dívida externa se avolumando. O país recorre ao Fundo Monetário Internacional em busca de crédito e, em decorrência disto, foi forçado a colocar em prática alguns ajustes macro-econômicos que iriam afetar, inclusive, a política de crédito subsidiado à agricultura. Esta perde, então, sua atração como campo privilegiado de acumulação de capital, observando-se uma fuga deste para outros setores (1980/85).
Mas, a necessidade de se obter divisas para a importação de bens de capital e, assim, viabilizar a implementação dos CAIs e, mais tarde, para pagar, ao menos, os serviços da dívida externa, levou o governo a incentivar investimentos direcionados ao setor agro e agro-industrial. Recorda Sorj (1986 83) que “o incremento das exportações é fundamental para a reprodução do modelo econômico fundado numa dívida externa crescente, e tem-se exprimido numa política aguerrida de procura de novos mercados”.
Assim, tratou o Estado e viabilizar a produção tanto de culturas tradicionais (café, cana-de-açúcar etc.) como de novas (soja etc.). Tratou, também, de estender a área cultivada através de vendas de terras da União, financiada a preço muito baixo, principalmente, às empresas modernas e aos latifundiários, alargando, inclusive, a fronteira agrária interna, nas áreas de cerrado e floresta equatorial. Em termos de expansão de culturas, Sorj enfatiza o papel da produção de gêneros não tropicais, ao afirmar: “A expansão brasileira não se deu fundamentalmente na base de produtos tropicais, dos quais os países periféricos ainda são os maiores produtores, mas em termo de produtos como a soja, dos quais os países desenvolvidos são importantes concorrentes”.
Enquanto o setor agroindustrial, ligado à exportação, recebe todos os tipos de incentivos, a produção voltada ao mercado interno tem controle em termos de tabelamento de preços. Entre os mecanismos criados pelo Estado para fazer frente às necessidades do mercado interno, sobressaem a CIBRAZEM e a CEASA. A primeira desenvolveu programas de armazenamento e estocagem de produtos, principalmente “in natura”. A segunda tratava, precisamente, de controlar a comercialização e, assim, tentando eliminar ou mitigar os intermediários. Ambas as instituições atuavam no sentido de evitar a oscilação brusca de estoques e de preços ao longo do ano.
O preço do trigo constitui-se um exemplo significativo do controle administrativo de preço. Este não era, simplesmente, determinado pelo livre jogo do mercado, mas sim deliberado pelo governo que levava em consideração, além do valor monetário no produto no mercado internacional, a posição da balança de pagamento, os interesses dos produtores de insumo entre outros. Além de políticas e seus mecanismos, outras foram incrementadas, nas áreas de cooperativismo, sindicalismo, pesquisa, trabalhista e assentamentos.
Após o golpe de 64, o Estado procurou legitimar-se entre todas as camadas de produtores rurais e, assim, incentivou o estabelecimento e o desenvolvimento de cooperativas. Cooptadas ideologicamente e tuteladas pelo Estado, elas passaram a prestar serviços ao novo sistema implantado, como repasse de crédito, incentivo ao uso de insumos, promoção de cursos de extensão etc.. Enquanto a EMATER substitui a ACAR, oferecendo assistências técnica e creditícia aos cooperados, a EMPRAPA transforma-se no principal órgão de pesquisa agrícola do país.
O corpo técnico, atuando sob os auspícios de governos autoritários, exerce papel importante na mudança de mentalidade dos produtores, no sentido de direcioná-los aos novos padrões de organização da dinâmica produtiva. Muitas vezes, ocorreram choques entre a visão tecnocrata dos representantes do poder oficial e as práticas e interesses dos produtores, há muito articulados com as esferas governamentais. A este respeito, consultar a ação dos sindicado dos plantadores de cana de Campos (RJ), estudado por Neves (1997).
As mudanças necessárias à modernização do campo, há tempo já estavam em marcha. As lutas dos pequenos agricultores e trabalhadores rurais tornaram-se mais consistentes com a criação do seu sindicato (CONTAG), em 1961. Por outro lado, os grandes proprietários fundiários tinham se organizado na Conferência Nacional da Agricultura (CNA). Esta, com grande poder, influenciava nas diretrizes das políticas governamentais para o setor, principalmente após 64. Levar ao campo as conquistas trabalhistas, obtidas pelas lutas dos operários urbano, era a meta do governo João Goulart. Assim, foi elaborado o Estatuto do Trabalhador Rural.
Grande promessa de transformação no campo adveio do Estatuto da Terra (1965), acenando para uma reforma agrária, há muito necessária e aguardada. Esta objetivava fortalecer pequenos proprietários em moldes dos “farmers” americanos e, deste modo, estabelecer uma classe média rural. Tal proposta, porém, nunca foi implementada, nem mesmo em área de forte pressão populacional, pelos governos militares que tinham “compromisso” com ela.
Um dos fortes segmentos sociais aliados desses governos eram os grandes latifundiários que, por razões obvias, obliteravam quaisquer iniciativas nessa direção, mesmo que fosse executada de forma restrita e parcial. À parte a questão da reforma agrária, era necessária modernizar as relações de trabalho no campo, expandindo o trabalho assalariado, enquadrando um vasto contingente de mão-de-obra ao processo de produção capitalista. A categoria dos colonos, como foi dito, por exemplo, passou a ser dispensada pelos proprietários, a fim destes fugir das obrigações trabalhistas. À categoria dos assalariados permanentes juntou-se a dos novos assalariados temporários, ambas formadas praticamente por pequenos produtores expropriados. A mão-de-obra desenraizada não teve outra alternativa, se não se deslocar às cidades e ali buscar outras formas de sobrevivência. Muitos destes trabalhadores, embora vivendo nas “urbes”, são obrigados a continuar presos às lides rurais como assalariados temporários.
Visando facilitar o processo de acumulação, o Estado Brasileiro vai atuar no sentido de garantir a baixa remuneração salarial (um dos menores salários mínimos do mundo) e controlar movimentos reivindicatórios dos trabalhadores, via legislação trabalhista e repressão aberta às lideranças sindicais. O arrocho salarial deprimiu a renda da classe trabalhadora (urbana e rural) e, logicamente, fez diminuir o seu, já débil poder aquisitivo, comprometendo o crescimento do mercado interno e, deste modo, prejudicando os pequenos produtores integrados a esse mercado.
Finalmente, o Estado, com objetivos de - a) ampliar a produção agrária e, com ela, a consolidação dos CAIs, b) garantir a soberania nacional sobre áreas pouco habitadas, principalmente de fronteiras, - elabora um conjunto de instrumentos, como incentivos fiscais para a ocupação de vastas zonas do interior, sob o lema “integrar para não entregar”. Neste sentido, criaram-se ou modernizaram-se instituições oficias, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), a fim de planejar e executar políticas de desenvolvimento setorial e regional.
A estrada de rodagem Belém-Brasília constitui-se num marco inicial desta nova visão. Barragens surgem em pontos diversos da bacia hidrográfica amazônica. Glebas imensas de terra são vendidas a preço baixíssimo para grupos nacionais e internacionais que passaram a explorar as vastíssimas potencialidades naturais desta fronteira de recursos.
Houve uma verdadeira corrida do tipo “far west” americano, mas numa escala espacial bem maior e num espaço temporal bem menor. Tradicionais atores (posseiros, grileiros, madereiros, garimpeiros, seringueiros), ao lado de modernas empresas (pecuaristas, madereiras, mineradoras, agrícolas) disputam, entre si, e com os nativos a posse da terra. O próprio governo estabelece novos modelos de assentamentos rurais, a exemplo das agrovilas, em trechos da Transamazônica que, inclusive, redundaram em fracasso.
Hoje, há toda uma discussão sobre o significado de fronteira. Becker (1996), por exemplo, passa a entender a fronteira como uma categoria geográfica, dando uma valiosa contribuição ao tema. Caracterizam a fronteira amazônica como heterogênea e já nascida urbana, sendo que a intensa urbanização registrada passou a ser principal estratégia de ocupação do território.
Enfim, a intervenção moderna, principalmente do espaço amazônico, sem dúvida, constitui-se na maior experiência de ocupação territorial do mundo, num curto lapso de tempo. Os resultados desse modelo de povoamento podem ser vistos, de forma imediata, não se necessitando do cauteloso distanciamento histórico, para serem aquilatados. Por outro lado, observa-se uma ocupação, genericamente, predatória, onde as riquezas são mais extraídas/destruídas do que construtivas. Está se “reeditando” o ciclo das “drogas do sertão”, agora capitaneada por atores modernos muito mais tecnificados e, como no passado, voltados aos interesses extra-regionais. Como resultado deste processo, produzem-se paisagens bastante diversificadas, porém, com um traço em comum que são os problemas sócio-ambientais.
Hoje, o Estado Brasileiro, representado pelos três níveis de poder político-administrativo, as Organizações Não-Governamentais (ONGs), entidades nacionais e internacionais (como o Banco Mundial) têm pensado um novo modelo de ocupação, baseado no chamado “desenvolvimento sustentável”. Uma nova tentativa de preservação ambiental da Amazônia - os “corredores biológicos”, propostos pela IBAMA, articulando as unidades de conservação (parques nacionais e reservas indígenas).
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Notas
[1]. Este artigo constitui-se na primeira parte de um trabalho originalmente elaborado para a disciplina Seminá- rio do Programa de Pós-Graduação, nível de Doutorado, da UFRJ, em 1997.
[2] Atual chefe do Departamento de Geografia da UFF, e – mail: ruierthal@globo.com
[3] - A ser publicada.
[4] - Na década de 1880, implantaram-se as grandes indústrias têxteis que estimularam o desenvolvimento da agricultura do algodão, inclusive com a participação da parceria, seguida das alimentares (moinhos) e bebidas.
[5] - Com o advento da República, os engenhos centrais sofreram grandes dificuldades com a concorrência imposta pela implantação das usinas pelos grandes proprietários.
[6] - Procuram os cientistas uma variedade de algodão que não ultrapassa-se a 1,0 m e que as espécies pudessem ser plantadas em intervalos de 1,20 x 0,25 m. Em 1932 e 1940, a cotação do algodão paulista melhorou sua cotação no mercado mundial, inclusive ultrapassando a do algodão americano (“meddling 7/8”) na Bolsa de Liverpool. Monbeig (1984).
[7] -Segundo Neves (1997: 75) “As oscilações da produção, da demanda e do preço do açúcar, ao lado da necessidade de grandes investimentos para a instalação das unidades fabris, apareciam como justificativa para os produtores reivindicarem a participação do Estado na atividade econômica”.
[8] - Segundo Alvarenga (2000), o termo “agrobusiness” foi criado por Ray Golberg, professor da Universidade de Harvard, por volta de 1960.
[9] - Segundo Kageyama e outros (1989), em 1961, as indústrias que operavam no país cobriam apenas 2% do mercado e, no ano seguinte, elas alcançaram, espantosamente, 80%.
[10] - Inicialmente as empresas eram – Massey e Feergusos (Perkins), Ford e Valmet. Na década de 80, foram acrescentadas mais três – CBT, New Holland (adquirida pela Ford) e Danta Matilde (nacional). As empresas especialistas de tratores com mais de cv. Miller, Sose e Rngesa.. In: Kageyama et alii (1989).
[11] - Os fertilizantes tradicionais são compostos por combinações dos elementos N, K e P. Eles já estão concorrendo com novos produtos obtidos por pesquisas biotecnológicas.
[12] Entre 1966/68, chegaram ao país as empresas americanas Cargil, Ralsston-Purina e a Central Soja, enquanto a Anderson Clayton reingressa no mercado. Em 1974, forma-se a Socil (capital nacional) que é absorvida pólo grupo francês Dreyfus e, no ano seguinte, a Conto-Brasil, subsidiária da Continental Graines.
[13] - A biotecnologia (cultura de tecidos, clonagem, produção de predadores naturais – controle biológico) tem sido referida como uma segunda revolução verde. Muitos aceitam esta idéia, outros são céticos a curto prazo, pelo menos.
[14] - Giarracca (1985: 27) define subordinação como: “um processo social, portanto contraditório, com determinações múltiplas, resultado por um lado dos interesses de rentabilidade das empresas processadoras, mas também das negociações e lutas que os setores camponeses realizam para modificar as condições de integração”.
[15] - Produtos importantes para o mercado interno (industrial ou “in natura”): arroz, carne, feijão, ovos e trigo. Produtos, basicamente, para o mercado externo: soja, café e milho. Produtos importantes para o mercado externo: açúcar, alcool e farelo de soja. Produtos com consumo não monetário expressivo (“in natura”): arroz (casca), aves vivas, leite, ovos milho (grãos) e feijão (grãos).
[16] - Palestras proferidas por A. Furtado - “A capacitação tecnológica do Brasil e sua inserção na economia internacional”, em 17/10/1996 e por B. Albuquerque - “Agricultura no Brasil de hoje e os seus desafios”, em 22/10/1996. Seminário de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ.
[17] - Desde o final do século XIX, O Estado protocapitalista assegura a livre circulação de mercadoria e a reprodução do trabalho livre. Sorj (1986).
[18] - Até os anos de 1950, não havia linha de crédito especial. Nessa faixa atuava o capital mercantil-usuário que, às vezes, constituía-se num obstáculo às transformações mais profundas na organização da produção. Kageyama et alii (1989).
[19] - Era a seguinte composição do crédito - custeio que alcanço,no máximo, 40%, investimento que chegou a 33% e comercialização, estabilizado em torno de 25%. Idem.