Revista geo-paisagem (on line) Ano 12, nº 23, Janeiro/Junho de 2013 ISSN Nº 1677-650 X Revista indexada ao Latindex Revista classificada pelo Dursi |
O
EMPRESARIAMENTO DO CARNAVAL DE RUA NO CONTEXTO URBANO DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO
Juan Pablo Luoni
(juanluoni@gmail.com)
Resumo:
O presente trabalho pretende expor alguns aspectos do carnaval do Rio de Janeiro de rua, particularmente sua feição empresarial.
Palavras-chave : Carnaval , Rio de Janeiro , empresas
Abstract:
The present study aims to expose some aspects of Carnaval in Rio de Janeiro, particularly its relationship with companies.
Keywords:
Carnaval, Rio de Janeiro, companies
Introdução
A
cidade do Rio de Janeiro vive um ressurgir do tradicional carnaval de rua – festa
popular tipicamente urbana. Lugar da ironia, do lúdico, da brincadeira, da
crítica social. Ao som das clássicas marchinhas ou levados por novos acordes,
os foliões se espalham pela cidade do Rio de Janeiro em jornadas festivas que
começam pela manhã e adentram madrugadas.
Em
dez anos, o carnaval de rua se transformou. Passou de acontecimento local e
centralizado em alguns bairros da cidade, a fenômeno urbano que atrai pessoas
de todo o Brasil. Em matéria publicada no jornal O Globo, a prefeitura da cidade
do Rio de Janeiro divulgou que no ano de dois mil e treze,
o carnaval de rua da capital fluminense movimentou
mais de 5,3 milhões de foliões.
Nesse sentido, o presente texto busca demonstrar de forma clara e objetiva o empresariamento deste fenômeno urbano, pondo em questão sua aparente espontaneidade como festa popular. Essa parceria público-privada tem como sujeitos sociais a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e a empresa de realização de eventos Dream Factory, responsável pelo planejamento, organização e gestão, em suma: a produção do espaço durante o carnaval de rua da cidade maravilhosa.
Formalização da
parceria
A
parceria é formalizada por instrumento contratual devidamente publicado no
Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro. O citado contrato realiza-se de
forma consecutiva desde sua primeira implantação no ano de 2009, através da
Riotur – Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro S/A e a Dream
Factory-Comunicação e Eventos Ltda, com a interveniência Companhia de Bebidas
das Américas-AMBEV e da ITAÚSA- Investimentos Itaú S/A. A citada empresa é
responsável por elaborar e implantar um projeto que abarque o calendário
oficial da temporada de carnaval de rua da cidade. Assim sendo, cabe à empresa
organizar toda a infraestrutura necessária à realização do evento, assim como
negociar junto às principais ligas de blocos, como a Sabastiana, dentre outras,
os horários e percursos a serem realizados pelos foliões.
A
iniciativa publica-privada estabelece normas e regras a serem cumpridas de modo
que, para a RioTur, “transformou o carnaval de rua da cidade em produto
turístico organizado. Um evento que é bom tanto para os foliões quanto para
quem não brinca o carnaval e, também, uma propriedade valiosa para as marcas”.
(Em:
http://doweb.rio.rj.gov.br/ler_pdf.php?edi_id=1978&page=73.
Acesso em: 19/03/2013).
De foliões a consumidores – marketing empresarial nos blocos de rua
Conforme nota publicada no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, no dia vinte de agosto de 2012 , a empresa de eventos Dream Factory, firmou contrato para a organização do carnaval de rua 2013 da cidade do Rio de Janeiro. Segundo nota publicada no Diário Oficial do município do Rio de Janeiro no dia onze de outubro de 2012, o presente instrumento foi assinado sem a ocorrência de processo licitatório devido à falta de concorrência – a única proponente do projeto foi a citada empresa. Assim sendo, pelo quarto ano consecutivo o carnaval de rua da cidade do Rio de Janeiro, esteve sob os cuidados da empresa Dream Factory. Ao verificar os valores, se constata: não oneroso. Em outras palavras, a empresa arcou com os custos totais da montagem da infraestrutura do evento, sem aportes de parte da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Isso foi possível devido à interveniência das empresas AMBEV e ITAU.SA, que junto à Dream Factory e outros patrocinadores menores, somaram um valor de investimento total de 20 (vinte) milhões de reais (Em: http://www.valor.com.br/brasil/2545146/carnaval-gera-us-850-milhoes-para-o-rio-de-janeiro. Acesso em: 20/03/2013).
Não foram encontrados dados
suficientes que permitissem discriminar os valores lucrados por essas empresas
durante o evento. Segundo a Agência Brasil de Comunicação, em nota publicada no
dia 18 de fevereiro de 2013:
“O
carnaval de rua da capital fluminense movimentou este ano mais de 5,3 milhões
de foliões, de acordo com balanço divulgado hoje (18) pela prefeitura carioca.
O resultado significou um aumento de 0,19% em relação à festa do ano passado.
Do dia 19 de janeiro até o dia 20 de fevereiro, 1, 212 milhão de visitantes
estiveram na cidade, gerando uma renda de cerca de R$ 848 milhões” (Em:
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-02-18/numero-de-folioes-aumentou-no-carnaval-de-rua-do-rio-este-ano.
Acesso
em: 23/03/2013).
Esse montante de números e valores exige empresas de
alto poder de ação e influência no setor público. A frente da empresa Dream
Factory, encontra-se Roberta Medina (Presidente da Empresa) filha do influente
publicitário Roberto Medina. Com dez anos no mercado de mega eventos a empresa
já organizou o Rock in Rio em suas versões no Rio de Janeiro, Portugal e
Espanha; Maratona da Caixa Econômica - Rio de Janeiro, produção da árvore da
Lagoa Rodrigo de Freitas na zona sul carioca; está a cargo da jornada mundial
da juventude cristã do Rio de Janeiro, dentre outras realizações.
Um dado relevante dessa parceria pública-privada
estabelecida entre a empresa Dream Factory e o partido político PMDB-RJ verifica-se
na constatação de que a empresa aumentou vertiginosamente sua atuação no espaço
público carioca a partir do primeiro mandato de Eduardo Paes à prefeitura da
cidade do Rio de Janeiro em 2009.
Em matéria publicada na página oficial do vereador Eliomar
Coelho do PSOL, lê-se:
“O
mandato Eliomar Coelho descobriu que a empresa (Dream Factory) doou R$ 347 mil
à campanha de Eduardo Paes nas eleições do ano passado. Eliomar pedirá ao
Tribunal de Contas do Município, uma inspeção extraordinária nos contratos
firmados pela prefeitura para a realização da festa momesca na cidade” (Em:
http://www.eliomar.com.br/por-que-a-ambev/.
Acesso
em: 25/03/2013).
Nessa perspectiva encontra-se publicado
no blog do ex-governador Antony Garotinho:
“Dream
Factory ganha tudo sem licitação. É a decoração de carnaval, a produção dos
blocos, agora Jornada Mundial da Juventude, uma atrás da outra. E não custa
lembrar que corre na Justiça a Ação Popular contra Cabral por ter dado à Dream
Factory R$ 5,8 milhões, em 2010, a pretexto de patrocinar, pasmem, o Rock in
Rio que foi realizado em Lisboa, Portugal. A ação pede que Cabral devolva aos
cofres públicos essa fortuna” (Em:
http://www.blogdogarotinho.com.br/lartigo.aspx?id=9985.
Acesso
em: 22/03-2013).
Produção de um fenômeno urbano
O
projeto para o carnaval de 2013 denominou-se - Carnaval do Rio: cada vez
melhor. A organização administrou os 492 blocos de rua cadastrados pela Riotur
que desfilaram por sete regiões da cidade, a saber: 148 (zona sul); 47 (Barra);
37 (Zona Oeste); 25 (Ilha do Governador); 87 (Centro da Cidade); 91 (Zona
Norte) e 57 (Grande Tijuca), durante os dias de dezenove de janeiro à vinte de
fevereiro - dias do calendário oficial do carnaval de rua. A infraestrutura
contou com organização de trânsito nas ruas da cidade com controladores de
tráfego (1.200 diárias no total), 16.200 diárias de banheiros químicos espalhados
por diversos pontos, cuidados médicos com 80 diárias de UTI móvel, produção e
publicação com diferentes formatos, alem do cadastro dos vendedores ambulantes.
Verifica-se
aumento vertiginoso não apenas no número de blocos e foliões, mas também no controle
desses blocos pela empresa organizadora da festa popular. Em entrevista à
Revista Época Negócios, Duda Magalhães – diretor geral da empresa Dream
Factory, aclara:
“em 2011, a empresa organizou 170 dos 460 eventos
registrados pela prefeitura. Com o aumento de participantes nos blocos menores,
no ano passado, esse número pulou para 350, de 476 registrados. De acordo com a
Riotur, 583 blocos já estão registrados para 2013, um aumento de 22,48%” (Em:
http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2012/11/carnaval-de-rua-do-rio-cresce-e-tem-nova-cota-de-patrocinio-de-r-3-mi.html.
Acesso
em: 24/03/2013).
O outro rosto da
fantasia
Esse
cadastro não atende apenas aos foliões de rua. Abarca em igual instância
aqueles que pretendem trabalhar durante a realização do “evento”. Conforme
esquema montado em conjunto à prefeitura, os vendedores ambulantes são
devidamente cadastrados e, apenas trabalham os indivíduos com a credencial
oficial da empresa Dream Factory. Conforme diversas reportagens divulgadas
durante o período do carnaval 2013 ocorreram atos de insatisfação de parte dos
trabalhadores ambulantes em face da organização do credenciamento.
Segundo
depoimentos, houve negligência no tratamento do pessoal que aguardava na fila
do credenciamento:
“O ambulante Darci Ramos Neto, que vende diariamente
refrigerantes, disse que ficou um dia e meio na fila e não conseguiu a
credencial. “Já perdi dinheiro por causa da fila”. Muita gente atrás de mim
conseguiu a licença, e eu não. Vi os próprios seguranças vendendo a senha por
R$ 30 e duas caixas de isopor do kit por R$ 150” (Em:
http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/01/24/prefeitura-nao-libera-novas-licencas-para-ambulantes-no-carnaval/.
Acesso
em: 19/03/2013).
Essa
situação se agravou e repercutiu em forma de manifestação realizada pelos
ambulantes na sede da prefeitura, no bairro cidade nova.
“Terminou sem acordo a reunião entre o secretário de
turismo e presidente da
Riotur, Antônio Pedro, e representantes dos candidatos a ambulantes no Carnaval
2013. A Prefeitura não liberou novas licenças, como reivindicavam as centenas
de pessoas que fizeram uma manifestação nesta quinta-feira na Cidade Nova” (Em:
http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/01/24/prefeitura-nao-libera-novas-licencas-para-ambulantes-no-carnaval.
Acesso
em: 25/03/2013).
A empresa de bebidas AMBEV, patrocinadora oficial e interveniente do contrato de realização do carnaval de rua da cidade do Rio de Janeiro, possui exclusividade de venda de seus produtos nos blocos cadastrados pela empresa Dream Factory. Assim sendo a empresa controla 85% do mercado, representado pelos “foliões-consumidores”. Esse fato cria aos participantes do “evento” a imposição de consumo de uma determinada marca de bebidas.
“Nos últimos anos, o carnaval de rua do Rio virou um negócio tão ou mais importante do que os desfiles do Sambódromo, tanto que a prefeitura pensa em ampliar as cotas de patrocínio da festa. Segundo reportagem à revista “Época Negócios”, a Dream Factory, empresa contratada para organizar o carnaval de rua, está conversando com uma terceira empresa, além de Itaú e Ambev, para vender nova cota, de R$ 3 milhões” (Em: http://oglobo.globo.com/blocos-de-carnaval/ambev-prefeitura-acusam-devassa-itaipava-de-marketing-oportunista-7563406. Acesso em: 22/03/2013).
Conclusão
No
ressurgir e na revalorização do carnaval de rua na sociedade carioca cabe a
pergunta: ocorreu a partir de sua espontaneidade sociocultural ou do impulso
determinado pela lógica empresarial fortemente vinculada aos incentivos do marketing?
Verifica-se
a partir dos dados apresentados e da lógica empresarial que direciona os
sujeitos tomadores de decisão, o potencial controle e ação das iniciativas da
parceria pública-privada estabelecida entre a Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro, através de seu prefeito Eduardo Paes – PMDB e a empresa Dream Factory,
sobre direção de Roberta Medina, membro de influente família da sociedade
carioca. Assim a Prefeitura do Rio de Janeiro, na figura do Estado, possibilita
a cooptação de uma festa popular, de relevante importância social, pela lógica
empresarial de produção do espaço urbano.
Haverá
lugar para as características intrínsecas ao carnaval - sua espontaneidade
popular, local da inversão dos valores sociais, da ironia, da brincadeira? Que
novas formas de apropriação do espaço urbano irão surgir a partir do conflito
com a lógica empresarial?
Este
artigo pretende levantar dados e trazer elementos à discussão a partir de
questões, mais que dar respostas a elas. Com isso visa-se identificar o
processo em curso de empresariamento do carnaval de rua da cidade do Rio de
Janeiro e a lógica de produção do espaço urbano que o conduz.
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http://www.eliomar.com.br/por-que-a-ambev/