Revista geo-paisagem (on line) Ano 8, nº 16, 2009 Julho/Dezembro de 2009 ISSN Nº 1677-650 X Revista indexada ao Latindex Revista classificada pelo Dursi Revista classificada pela CAPES |
REABILITAÇÃO URBANA E EXPANSÃO COMERCIAL NA
ERA DA CIDADE POLINUCLEADA: O RE-ORDENAMENTO TERRITORIAL NO “BAIRRO-REGIÃO” DE
CAMPO GRANDE (RJ)
Diogo da Silva Cardoso[1]
RESUMO
O presente artigo parte da escolha de um estudo empírico para compreender os processos socioespaciais que vem ocorrendo na metrópole do Rio de Janeiro desde o último quartel do século XX.
O lugar escolhido foi o subcentro de Campo Grande, bairro da Zona Oeste, subúrbio do Rio de Janeiro, que recentemente sofreu intervenções urbanísticas, com o fito de reordenar a vida cotidiana e impor um novo modelo de gestão territorial da qual as Regiões Administrativas (subprefeituras) são o exemplo mais significativo.
Palavras-chaves: ordenamento territorial,
Rio Cidade, Campo Grande
ABSTRACT
This article from the
choice of an empirical study to understand the processes occurring in the socio
coming metropolis of Rio de Janeiro since the last quarter of the twentieth
century. The
place chosen was the nucleous of Campo Grande district the West Zone, suburb of
Rio de Janeiro, which recently suffered urban interventions, with the aim of
realigning everyday life and impose a new management model in which territorial
administrative regions are the most significant example.
Key-words: territorial order, Rio City,
Campo Grande.
Introdução
O conceito de subcentro adquiriu valor e prestígio com as novas estratégias e formas impostas pela acumulação do capital.
A partir dos anos 1970, junto com as inovações tecnológicas e da burocracia estatal, se somaram o novo modo de regulamentação nos setores industrial e financeiro. De acordo com o novo padrão, a meta é a flexibilidade, a financeirização, a policentralidade, em outras palavras, uma reprodução ampliada do capital. Nesse sentido, os lugares ganham um caráter especial, visto que os que apresentam as prerrogativas necessárias para a expansão do “novo” modelo de acumulação estarão, de fato, na linha de frente da disputa por investimentos e outras benesses geradas pela territorialização do capital.
O ordenamento territorial, conceito-chave a ser tratado mais adiante, traz no seu bojo a discussão das questões mais elementares da reprodução da sociedade. Assim como interfere em temas como segurança pública, renovação e preservação do espaço e do patrimônio públicos, livre circulação de pessoas, informações e mercadorias etc., tal conceito jaz também na discussão do modo como a economia – instância fundamental num sistema onde o lucro é a força motriz – procede na agregação de parcelas do espaço geográfico local/regional/nacional/mundial para o controle dos recursos e investimentos neles encontrados; e como ela impõe, dentro de um escopo de práticas capitalistas, suas estratégias espaciais à custa do alijamento de parcelas consideráveis da sociedade, principalmente dos estratos pobres.
Território e ordenamento territorial: notas
Categoria que permite interpretar a sociedade a partir das relações entre espaço e poder, o território é um termo polissêmico e cheio de controvérsias, principalmente entre os geógrafos.
Para balizarmos nossa análise, recorremos aos trabalhos de Raffestin (1993), Souza (1995), Saquet (2005), Haesbaert (2006a, 2006b, 2006c) e Gomes (2002). Em comum, esses autores compartilham de uma visão crítica da realidade ao situarem seus estudos na perspectiva humanista, considerando o território como um constructo social, multidimensional e multiescalar, não entendido se não se levar em conta a categoria poder.
Para Raffestin, o território “não poderia ser nada mais que o produto dos atores sociais [...]. Há, portanto, um processo do território, quando se manifestam todas as espécies de relações de poder, que se traduzem por malhas, redes e centralidades cuja permanência é variável, mas que constituem invariáveis na qualidade de categorias obrigatórias” (p. 7-8). Ele compreendeu que o espaço é anterior ao território, e o território só se instaura com o estabelecimento e manutenção de relações de poder.
As relações de poder constituem-se em decisões e atos que marcam a produção do espaço e a sujeição dos indivíduos e grupos às instituições e a outros grupos que, pelo fato de serem hegemônicos, assumem as rédeas da distribuição (e do controle) espacial dos objetos e das práticas sociais. O território, portanto, é um mix de ação concreta e apropriação simbólica (Haesbaert, 2006), fruto de relações sociais que, através da mediação espacial (em outras palavras, da territorialidade) (op. cit.), fundam e/ou reforçam a sua identidade e esfera de influência no contexto na qual estão inseridos.
Para ratificar as palavras anteriores, ainda no pensamento de Raffestin, este afirma que: “o território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático [...]. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço.” (Raffestin, 1993, p. 143). Portanto, a organização do e no espaço geográfico “procura reforçar sua posição obtendo trunfos suplementares, de tal modo que possa pesar mais que outras na competição” (p. 59).
A despeito da abordagem de Raffestin ser relacional, ele cai no erro de fazer afirmações que reificam e cristalizam as relações sociais, supervalorizando a materialidade do espaço, daí decorre que a sua posição é a de um espaço-substrato, onde a ação humana se concretizaria via poder e trabalho[2].
Saquet (2005) enfatiza a negligência de Raffestin e outros autores para com a articulação do sistema territorial. Pelo contrário, propõe uma análise que registre as dimensões i-material agindo reciprocamente na construção e sustentação dos territórios. Saquet correlaciona as forças econômicas, políticas e culturais como efetivadoras do território. O planejamento urbano-territorial está, assim, transpassado por essas três perspectivas constituintes e fundamentais na produção do território, onde a falta de um deles na análise, não permite uma visualização cabal da problemática. Conforme o autor:
Nesse sentido, o
território é por nós entendido como fruto e condição ele mesmo da territorialização.
É substantivado por territorialidades, ou, por obras e relações, formas e
conteúdos, considerando-se uma abordagem a partir do pensamento lefebvriano
sobre a produção do espaço geográfico. (Saquet 2005, p. 13885).
Com uma definição ainda mais precisa, Haesbaert
argumenta que:
O território,
enquanto relação de apropriação e/ou domínio da sociedade sobre o seu espaço,
não está relacionado apenas à fixidez e à estabilidade (como uma área de
fronteiras bem definidas), mas incorpora como um de seus constituintes
fundamentais o movimento, as diferentes formas de mobilidade, ou seja, não é
apenas um “território-zona”, mas também um “território-rede”. (Haesbaert,
2006c, p. 118).
O planejamento territorial, portanto, na perspectiva aqui adotada, consiste em toda uma gama a priori de diagnósticos, sínteses e a busca de uma metodologia (que pode ser nova ou que já tenha mostrado sua eficácia em outras situações) de intervenção no tempo e no espaço, planos que engendram uma nova classificação do espaço, incluindo e apartando indivíduos, grupos e instituições conforme as metas.
O ordenamento territorial é a materialização das políticas e ações advindas do planejamento, seguindo o raciocínio de Haesbaert:
O “ordenamento
territorial” e o planejamento e/ou as políticas que o acompanham seguiram rumos
semelhantes, assimilando abordagens mais micro ou setoriais, não integradoras,
de tratamento do espaço geográfico. (Haesbaert, 2006c, p. 118).
Valorizando mais as perspectivas micro, localista e fragmentada de se fazer política, o re-ordenamento territorial na era “pós-moderna” expressa a tentativa de se efetivar a ordem por intermédio de dispositivos e códigos de poder, potencializando, desenvolvendo e garantindo as propriedades características do lugar para a reprodução das condições de produção.
O grande dilema passa a ser então a não consideração dos “múltiplos fluxos e conexões que o atravessam e que fazem parte dele” (Haesbaert, 2006c, p. 122), compondo uma malha redial que altera quantitativa e qualitativamente o espaço areolar.
O planejamento (e ordenamento) dos territórios de nada adianta se não forem acompanhados de uma gestão espacial eficiente. Sobre isso, Becker relata:
Define-se a gestão do
território como a prática estratégica, científico-tecnológica do poder que
dirige, no espaço e no tempo, a coerência de múltiplas decisões e ações para
atingir uma finalidade e que expressa, igualmente, a nova racionalidade e a
tentativa de controlar a desordem. (Becker, 1995, p. 296).
Os novos arranjos espaciais, portanto, tem em seu escopo a possibilidade de organizar o espaço em rede, integrando-o ao capitalismo presente, de preponderância financeira.
Grosso modo, o ordenamento territorial tem como finalidade:
[...] o controle
regulatório que contenha os efeitos da contradição da base espacial sobre os
movimentos globais da sociedade e a mantenha funcionando nos parâmetros com que
foi organizada. O ordenamento não é, pois, a estrutura espacial, mas a forma
como esta estrutura espacial territorialmente se auto-regula no todo das
contradições da sociedade, de modo a manter a sociedade funcionando segundo sua
realidade societária. (Moreira, 2006, p. 76).
Os re-ordenamentos territoriais, dependendo do foco utilizado, podem ser vistos como um agente modernizador e/ou revitalizador de espaços decaídos, organizando a estrutura dentro de uma pluralidade sociocultural; ou, e consistindo num ponto deveras negativo, apenas como um artifício que produz espaços socialmente desiguais, onde a finalidade da re-produção não é decidida e gestada no lugar.
Rumo a Campo Grande... A espacialidade de um bairro suburbano na das
redes
Por questões histórico-geográficas, políticas e econômicas, o crescimento da Zona Oeste do Rio não fora homogêneo.
Ao contrário de Bangu, que teve o seu processo de urbanização alastrado via empreendimentos da fábrica de tecidos Bangú[3], e de Realengo, que abrigou as instalações militares, Campo Grande se subordinou desde o início até meados do século XX à produção agrícola, principalmente a laranja, até o período pós-guerra, onde a falta de compradores, recursos e manutenção dos cultivos culminaram na venda e parcelamento do solo.
A especulação imobiliária pós-agrícola deu-se na condição de ter se adequado aos requisitos da expansão metropolitana, onde esta procurava por novos espaços para a industrialização e o escoamento do contingente demográfico (proletário) que nesse período histórico, estava “saturando” diversas partes da cidade.
A ferrovia, a estrutura fundiária para loteamentos e um sistema rodoviário passível de sofrer melhorias estruturais e expandir-se foram os fatores que possibilitaram a origem de inúmeros loteamentos.
Dentre os compradores de lotes, diversas sociedades anônimas realizaram distintos investimentos com capitais oriundos do setor bancário, fomentando um novo arranjo espacial em Campo Grande, intensificado a partir dos anos 1960 com a política de industrialização da Zona Oeste via instalação de Distritos Industriais[4].
O surgimento dos loteamentos atraiu milhares de pessoas para os arrabaldes do bairro, muitos desses, oriundos de favelas. Para termos uma idéia da explosão demográfica que ocorreu no bairro, após a decadência da citricultura nos anos 1940, o crescimento populacional atingiu 70%. Nos anos subseqüentes (1950-60), o índice foi de incríveis 119,5%, caindo depois para 31,6% na década de 70.
É neste último período que foi implantado o Distrito Industrial de Campo Grande, atraindo empresas de grande porte, como a MICHELIN – Sociedade Michelin Part. Ind. Com. Ltda., Quaker Chemical Ind. e Com. S/A, Craft Engenharia Ltda., entre outras.
Campo Grande, ao lado de outros bairros da Zona Oeste, almejava a emancipação político-administrativa para melhor administrar os recursos públicos arrecadados in situ.
Uma forma de cooptar esses bairros (principalmente Campo Grande) fora dada no ano de 1968, no governo Negrão de Lima, com a Lei que concedeu a Campo Grande o título de cidade honorária. Mas o título foi mais tarde debelado por todos, inclusive pela população campo-grandense.
Campo Grande constitui-se hoje numa das unidades administrativas municipais – a Subprefeitura da Região de Campo Grande.
Campo Grande dá um salto relevante na condição de bairro influente, basicamente, na administração municipal de César Maia (1993-1996), quando o projeto de racionalização do setor público é implantado, e um dos recursos designados estrategicamente para garantir o sucesso dessa tarefa foi à criação das subprefeituras. Elas possuem a função de diagnosticar as necessidades “regionais”; propor e articular políticas intervencionistas; ser o ponto de articulação entre as associações de bairros – e outras representações jurídicas como as empresas – e a câmara municipal; fiscalizar a atuação dos demais órgãos municipais etc.
Paralelo ao aprimoramento da gestão pública, um projeto de intervenção urbanística na cidade do Rio também saía do papel: era o projeto Rio Cidade, um plano estratégico de reordenamento territorial urbano, dividido em duas partes, que não tinha no escopo as onerosas cirurgias urbanas[5], como a Reforma Passos no início do século XX.
A “dissolução” da metrópole do Rio de
Janeiro e a valorização do bairro Campo Grande
Para cada forma de intervenção temos
um discurso, uma estratégia e um modo
específico de ordenamento territorial.
(Márcio Piñon de Oliveira)
Antes do último quartel do século XX, o bairro
Campo Grande foi predominantemente agrícola. No entanto, mudanças
significativas na sua estrutura socioespacial colocaram o bairro na atual
condição de bairro de “classe média” e de boas vantagens competitivas para o
setor industrial e de serviços, atraindo segmentos de empresas de médio e
grande porte.
O bairro de Campo Grande tem um papel
importante na vida social e econômica do município (mormente no subúrbio
carioca). Nas últimas duas décadas, investimentos oriundos do setor público e
privado conduziram o bairro a um crescimento exponencial no seu contingente
populacional e de recursos econômicos. A idéia de resgate da “integração do
cidadão com o espaço da sua cidade” [6]
foi bem acolhida pelos diferentes grupos/classes da comunidade local,
principalmente pelo segmento elitista da região (intelectuais, empresários, Rotary Club etc.).
A seguir, um resumo das mudanças que decorreram nas décadas de 1960-2000:
– a criação do Distrito Industrial de Campo Grande, que trouxe empresas de grande porte;
– desenvolvimento do seu subcentro, de influência local-regional. Com um grande comércio varejista, instituições bancárias e financeiras e outros serviços diversos, ele desobriga as pessoas residentes na Zona Oeste de procurarem a área central. O centro do Rio fica assim, na condição de lócus por excelência de serviços muito especializados: livrarias, especializações médicas custosas, setor administrativo das empresas, lojas de artigos importados, centros culturais, teatro, eventos “restritos” a determinados setores sociais, etc;
– a criação do West Shopping trouxe para o seu entorno uma grande valorização do solo, criando espaços para a ação do capital imobiliário, com a construção de bairros-conjunto habitacionais, como na Estrada da Posse, nos bairros Oiticica, Jardim Letícia, Alessandra, etc, atraindo famílias de classe média para a localidade. Juntamente com o Bangu Shopping, é um dos shoppings de grande porte na região administrativa de Campo Grande[7];
– uma nova configuração do espaço engendrada por uma classe média/alta que para aí se direcionaram, procurando por novos lugares residenciais e de amenidades, longe da violência generalizada na cidade;
– para além dos grupos de renda média e média-alta que criaram seus próprios espaços de moradia e lazer em Campo Grande, grupos menos favorecidos também se territorializaram no bairro, construindo comunidades precárias ou sem todas as amenidades das áreas abastadas segregadas. Temos o exemplo dessas localidades desassistidas que fazem front com os recentes condomínios fechados de luxo construídos pelo capital imobiliário, além das obras públicas e ruas exclusivas feitas em conjunto por grupos e associações restritas da área (Rotary Club, maçonaria, igrejas evangélicas, empresas) para atender a demandas particulares.
O Rio de Janeiro, da mesma forma que outras metrópoles brasileiras, têm passado por um vagaroso processo de desmetropolização[8], seguido de uma intensa urbanização e conurbação de outros núcleos (constituindo a Região Metropolitana) e a relocalização das indústrias, que no atual processo de acumulação flexível, procuram por espaços mais rentáveis, com incentivos fiscais e trabalhistas e mão-de-obra localizada nas proximidades.
O processo de desmetropolização tem repartido novos contingentes demográficos com outros grandes núcleos urbanos. Numa época em que a metrópole está em todas as partes, dispersando e concentrando atividades, fluxos e decisões, todas as localizações estão inseridas na divisão territorial do trabalho. “Os lugares seriam, mesmo, lugares funcionais da metrópole” (Santos, 2005, p. 101).
O espaço não se dissolveu, pelo contrário, está unificado e fluido, com a metrópole sendo a expressão máxima da modernização capitalista, dada as condições que fazem dela o locus de gestão por excelência dos territórios: a instantaneidade e a simultaneidade. É na disposição do espaço urbano-metropolitano rearranjado pelas redes que a metrópole caminha em direção à corporativização[9].
Um exemplo de corporativismo empresário-industrial na Zona Oeste é dado
pelo evento anual Oeste Export[10].
Trata-se de um encontro promovido e patrocinado pelo
empresariado local, principalmente pelas empresas de grande porte
territorializadas na região – Gerdau, Casa da Moeda do Brasil, Craft, Michelin,
Furnas, ThyssenKrupp CSA etc.
Campo Grande ganha notoriedade com este evento
por ser o bairro-sede do encontro e por abrigar parte da elite que influencia e
controla as decisões e a política na Zona Oeste. Temos, portanto, a influência
de políticos partidários e de intelectuais, como o reitor Moacyr Bastos Filho, do
Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos (UniMSB). Abrigado no Ginásio Poliesportivo Miécimo da Silva,
o encontro adquiriu um status e
credibilidade que faz com que sua ação se prolongue para além do espaço
suburbano do Rio de Janeiro, atingindo toda a região metropolitana.
Dado esses fatos, seu escopo não tem se limitado
apenas à Zona Oeste, propondo um debate “global” sobre a economia regional-nacional
e o comércio exterior, dentro as ideologias e práticas dos promotores do evento
e dos participantes em geral.
Esse apanhado rápido sobre o Oeste Export é para corroborar a idéia da centralidade presente no “bairro-região” de Campo Grande, mormente na área geográfica onde está concentrado o comércio e os serviços sofisticados, incluindo os aparatos e estabelecimentos culturais.
Não tão recentemente, criou-se um decreto municipal – sanção n° 72, de 27 de julho de 2004 – que contemplou a região de Campo Grande. Trata-se do PEU (Projeto de Estruturação Urbana), que engloba cinco bairros: Santíssimo, Senador Augusto Vasconcelos, Campo Grande, Inhoaíba e Cosmos.
O plano de Estruturação Urbana propõe o Zoneamento e o gabarito das edificações. Como é de praxe no planejamento urbano, o estilo de zoneamento que tramita nos corredores do poder legislativo, vai contra o decreto 322/76, e tem como objetivo evitar a divisão do espaço urbano em lugar de morada, de trabalho, de lazer e circulação de pessoas. O PEU (Plano de Estruturação Urbana) de Campo Grande foi averiguado por Costa:
Foram propostas quatro
Zonas Residenciais (ZR 1, ZR 2, ZR 3 e ZR 4), duas Zonas de comércio e Serviços
(ZCS 1 e ZCS 2), uma Zona de Uso Misto (ZUM), duas Zonas Agrícolas (ZA 1 e ZA
2), uma Zona de conservação Ambiental, uma Zona de Uso Estritamente Industrial
(ZEI) e uma Zona Predominantemente Industrial (ZUPI). (Costa, 2005, p. 44).
Ainda com ele: “A diferenciação entre as zonas dá-se pelo potencial de adensamento identificado, pelos usos e atividades permitidos e pelas condições de implantação dos mesmos, que se refletem nos parâmetros de uso e ocupação utilizados”. (Costa, 2005, p. 44, grifos do autor).
E o gabarito assinala que o núcleo central (ZCS 1) deve conservar a imagem de um núcleo bem planejado e ordenado, evitando descontroles no uso do solo, excesso de congestionamentos no trânsito e a perda dos referenciais histórico-culturais.
Campo Grande foi a única região administrativa do município que recebeu teve implantado um plano de ordenamento territorial dessa dimensão.
À guisa de conclusão
Nessa dialética estruturada, onde se deu a atração de grupos dos mais diferentes segmentos/classes, estabeleceu-se uma estrutura socioespacial segregada na área, com as seguintes conseqüências:
- Um espaço cada vez mais repartido e territorializado por agentes que praticam clientelismo privado[11] ou protecionismo empresarial. Geralmente inseridos na política, os agentes clientelistas lutam por dominação e influência na área, a ponto deles não deixarem, por exemplo, outros políticos fazerem propaganda partidária em época de eleição. Como forma de manipulação ideológica e drenagem de renda, controlam diversos serviços, (clandestinos ou não) como TV a cabo, transporte alternativo (vans e moto-táxi), distribuidoras de gás, centros assistenciais, segurança privada etc.;
– Um planejamento territorial-urbano que já “nasceu” defasado, que não atende às demandas vitais para a vida cotidiana da cidade. Se falarmos do sistema viário, as estradas não atendem à demanda de usuários, criando congestionamentos, principalmente no entorno do núcleo de Campo Grande. Vítima do crescimento desordenado, as estradas e ruas não dão vazão para os carros e ônibus, e por isso, vemos os constantes engarrafamentos nas horas “de pico”, onde o trabalhador que faz o deslocamento Campo Grande-Centro de ônibus, por exemplo, leva entre uma hora e meia a duas horas e meia para fazer o trajeto;
– Manipulação e privilégios do comércio varejista e de serviços, impondo restrições e perseguição “legal” ao mercado informal (ambulantes, camelôs, feirantes).
O projeto Rio Cidade nas suas duas etapas[12] – além de outras intervenções urbanísticas pontuais que fizeram parte do Plano Estratégico e do projeto maior chamado Viva Rio – propiciou a reabilitação da área central de Campo Grande e nas imediações, impondo outro padrão de relações sociedade-espaço da qual a população, frente às novas circunstâncias, estabeleceram novas apropriações, usos e significados para o espaço público.
A urbanização desenfreada acarreta adrede em inúmeros problemas e restrições orçamentárias, políticas, sociais etc. Nesse ponto, tanto nos países desenvolvidos quanto nos (semi)periféricos, tal situação persiste. O que pouco se discute são sobre as tentativas de se utilizar destas situações degradantes e fracassadas como justificativa para outra(s) intervenção(ões) igualmente coercitivas e disciplinadoras[13].
Trata-se então de um processo vicioso que traz em seu bojo as contradições inerentes à acumulação capitalista, num ritmo incessante e descontínuo de produção e reprodução de espaço urbano.
No Rio de Janeiro não foi diferente, e no subúrbio a situação tem matizes próprias.
A idéia da retomada do espaço público pela sociedade carioca tornou-se uma das “idéias-força” para o sucesso do plano estratégico implementado na gestão do prefeito César Maia. Como exemplo, basta analisar a fala do Luiz Paulo Conde, o então secretário de Urbanismo na época:
Cada vez mais, o Brasil
torna-se um país urbano. Hoje, a maioria dos brasileiros mora em cidades
contraditoriamente, a essa tendência sobrepõe-se outra: ao invés de melhorarem,
as cidades, sobretudo as grandes, vêm se deteriorando, piorando a qualidade de
vida de seus habitantes.
O que todos desejamos é
que nossas voltem a ser ruas lato sensu,
isto é, que readquiram o caráter público que, historicamente, lhes foi
peculiar, mas que, gradualmente, foram perdendo. (Rio Cidade: o urbanismo de volta à rua, p. 4).[14]
A readequação do espaço para os
novos padrões de acumulação e da criação de territórios exclusivistas foi o
saldo final das intervenções no espaço campo-grandense. Vemos a
territorialização e expansão de novas empresas, bancos (Santander Banespa, por
exemplo), serviços e da classe alta. Constatamos que o Plano Estratégico, nas
suas duas partes, contribuiu para a estagnação dos eixos das classes sociais,
Dentro de tudo aquilo que pronunciamos, fica
claro que as políticas de ordenamento territorial implantadas na Zona Oeste do
Rio de Janeiro desde a “gestão César Maia”, deram-se pontualmente, não vencendo
boa parte das contradições sociais. Em outras palavras, tais intervenções
urbanísticas neste início de século não focalizaram os problemas estruturais,
agindo apenas de acordo com a conjuntura e interesses das classes influentes.
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[1] Licenciado em Geografia pela UFF. Mestrando em Geografia pela UERJ e professor da rede pública do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: diogo_georeg@yahoo.com.br
[2] Sobre o equívoco, Souza (1995) também se pronunciou: “Raffestin não explorou suficientemente o veio oferecido por uma abordagem relacional, pois não discerniu que o território não é o substrato, o espaço social em si, mas sim um campo de forças, as relações de poder espacialmente delimitadas e operando, destarte, sobre um substrato referencial. (Sem sombra de dúvida pode o exercício do poder depender muito diretamente da organização espacial, das formas espaciais; mas aí falamos dos trunfos espaciais da defesa do território, e não do conceito de território em si)” (p. 97).
[3]Hoje, as instalações foram modernizadas para abrigar um shopping. Houve uma refuncionalização da forma espacial a partir das novas estratégias do capital comercial e financeiro.
[4]Mapas e análises econômicas dos DI na Zona Oeste estão disponíveis no site http://www.codin.rj.gov.br/images/mapas/distritos/DI_CAMPOGRANDE.pdf - Data do acesso: 19/05/2009.
[5]A cirurgia urbana à qual me refiro, foram os planos de reforma urbanística no início e meados do século XX, que expurgaram muito do patrimônio histórico-cultural, retiraram a população pobre dos seus cortiços e casebres - que tomaram rumo para as favelas e o subúrbio carioca - e, em nome da modernização e ordem social, instrumentalizam o espaço para restringir a cidadania lato sensu a toda a população, disciplinarizando os corpos e reprimindo todas as inadequações que venham a abalar a ordem societária. Exemplos de intervenção dolorosa no Rio de Janeiro foram: a Reforma Passos (início do século XX), o Plano Agache (1920) e o Plano Doxiadis (1960).
[6] Texto da Secretária Municipal de Obras do Município do Rio de Janeiro, citado por Oliveira (2006, p. 177-78).
[7] Até o projeto recente de refuncionalização da Fábrica Bangú, que agora será também um shopping de grande porte. Ainda no momento que apresento este trabalho, ele não teve uma data de inauguração.
[8]Diante desse processo chamado “desmetropolização”, devemos assinalar o processo inverso verificado em algumas cidades de médio porte, uma forma de metropolização experimentada, avocados pelo fenômeno da macrourbanização.
[9] As
atividades centrais, que são as atividades criadas e delineadas para compor o
projeto nacional, são os focos dos investimentos públicos e privados. As outras
atividades e setores que não apresentam tamanha relevante acabam se
subordinando ou sendo agregadas para sobreviverem na nova ordem
político-econômica. Santos (2005) mostra que “[...] essas atividades centrais
se dispõem em rede e sistema, interessando à totalidade dos núcleos urbanos,
não importa onde estejam localizados. É nesse sentido que podemos falar de uma urbanização corporativa” (p. 120).
[10]http://www.oesteexport.com.br
– Data do acesso: 05/05/2009.
[11]Na mídia, ficaram conhecidos como “milicianos”. No bairro de Campo Grande e adjacências, os suspeitos de “comandarem” a rede criminosa incluem políticos, policiais, bombeiros, burocratas e pessoas “comuns”.
[12]Oliveira, 2006, p. 177-8.
[13]Daí se utilizar a palavra “ordenamento”, pois esta denota menos estigmatização e repressão do que o termo “disciplinarização”.
[14]Oliveira (2006, p. 187).