O ORDENAMENTO URBANO CARIOCA SOB A ÓTICA DO
PLANO ESTRATÉGICO DE CIDADES [1]
A partir da década de 90, no governo do prefeito Sr.
César Maia, a administração municipal incorpora a ideologia do Plano
Estratégico de Cidades nas decisões administrativas da Prefeitura da cidade do
Rio de Janeiro. Inicialmente, o trabalho desenvolvido pela equipe técnica da
Prefeitura e o setor empresarial resultou no primeiro plano estratégico,
conhecido por Plano Estratégico da
cidade do Rio de Janeiro – Rio Sempre Rio, em 1996 e posteriormente, no
atual governo do Prefeito, está em vias de elaboração o segundo plano
estratégico para a Cidade.
Esse fato nos indica que a cidade do Rio de Janeiro nos
últimos anos vem sendo alvo das grandes intervenções urbanas que, aos poucos,
vão configurando um novo ordenamento espacial da mesma subsidiado pelas leis do
mercado. É o ideário neoliberal imperando nas decisões políticas e conduzindo o
futuro da Cidade. As exigências mercadológicas atuam como pano de fundo no cenário
de grande competitividade entre cidades e impõem grandes transformações à
Cidade, para que esta se torne atraente aos grandes investidores e
empreendedores.
Nessa perspectiva, o Estado intervém minimamente nas
decisões sócio-econômicas e os grandes atores políticos são os empresários e
investidores. Essa tendência na administração local da cidade do Rio de Janeiro
se confirma no crescente processo de privatização das empresas públicas, na
desregulamentação das atividades econômicas e sociais e na reversão dos padrões
universais de proteção social. O poder local composto por políticos
comprometidos com a perspectiva empresarial da Cidade lança mão dos
instrumentos necessários para tornar o espaço urbano mais atraente, baseando-se
na flexibilização das leis de uso do solo e na crescente necessidade imposta
pelo mercado de as cidades globais estarem constantemente inseridas no circuito
do fluxo internacional de capital e informação.
Enfim, a lógica do mercado vem se sobrepondo à lógica da
Cidade e esta vem se tornando refém dos grandes investimentos dependentes dos
acordos entre o poder público e o poder privado. Portanto, os planos
estratégicos elaborados para a cidade do Rio de Janeiro levam a administração
local a adotar uma postura empreendedora, adotando políticas voltadas para o
seu desenvolvimento, implicando várias transformações no que diz respeito à
infra-estrutura, visando aos grandes empreendimentos imobiliários.
A administração local da cidade do Rio de Janeiro, ao
adotar planos estratégicos para a Cidade, considera que os mesmos são um
instrumento de (re) ordenamento urbano que têm por objetivo redinamizar a
economia local, além do desafio de minimizar os conflitos sociais oriundos das
desigualdades econômicas dos diferentes segmentos da sociedade, propondo uma
elaboração participativa dos planos, bem como conciliar variados interesses das
diferentes classes sociais como sinônimo de sua eficácia e garantia.
No entanto, o discurso neoliberal contido nos planos
estratégicos para a cidade do Rio de Janeiro impõe que o governo local
desinvista nos setores públicos básicos e invista nos setores que viabilizem o
empresariamento e empreendedorismo da Cidade. Esse fato resulta no agravamento
dos conflitos sociais gerados ela escassez de emprego, pelo crescente processo
de favelização e principalmente pelo aumento da criminalidade em nossa cidade.
No entanto, o ideário dos planos estratégicos da cidade
do Rio de Janeiro teve como fonte inspiradora os planos estratégicos
desenvolvidos para a cidade de Barcelona, localizada no sul da Europa e capital
da Catalunha, com distintos impactos nas respectivas cidades. Para a cidade de
Barcelona, o fato de ter sediado as Olimpíadas e o marketing urbano gerado pelo
evento permitiram atrair muitos investimentos e empreendimentos que
impulsionaram grandes transformações na dinâmica produtiva e infra-estrutura
urbana daquela cidade. Barcelona garantiu o seu papel de cidade turística no
circuito das principais cidades turísticas do sul da Europa, além do papel de
centro das atividades do setor terciário superior, porém à custa de uma
crescente exclusão social.
No caso do Rio de Janeiro, a economia da Cidade vinha
apresentando um processo de decadência até o atual estado de completa
estagnação econômica com o agravamento das condições ambientais e
infra-estruturais que acarretam na perda de investidores e empreendimentos par
outras capitais. Então a administração local, nos anos 90, lançou mão do
primeiro Plano Estratégico como instrumento de (re) ordenamento urbano e, apesar
de adotá-lo no intuito de reverter esse quadro e inserir a Cidade no circuito
econômico globalizado, o mesmo não alcançou os resultados esperados. A cidade
do Rio de Janeiro nas últimas décadas vem apresentando um déficit no que diz
respeito ao seu desempenho sócio-econômico, tanto no contexto nacional quanto
regional e o agravamento de seus índices sociais. Esse fato nos leva a
questionar o real propósito de se adotarem planos estratégicos no intuito de
solucionar os mais variados problemas típicos da nossa cidade.
Com base em alguns projetos de intervenção desenvolvidos
para a Cidade segundo os planos estratégicos e que exemplificam o que foi dito
anteriormente, temos o Projeto Teleporto em 1995 que, inicialmente, pretendia
colocar a Cidade conectada com a esfera das relações econômicas globais,
valorizando o bairro Cidade Nova, outrora decadente. Passados alguns anos, o
Projeto não se realizou, devido a vários problemas que surgiam e que tornavam
morosas as decisões, inclusive relacionados à lei de uso do solo. O Projeto não
foi adotado pelo empresariado local, o que implicou o seu relançamento com uma
dosagem maior de marketing, tentando aproveitar a infra-estrutura criada
inicialmente mas, ainda assim, deparou-se com os mesmos entraves que impossibilitaram
o projeto anterior. A Cidade continua perdendo investimentos capitalistas para
outras cidades, comprometendo ainda mais o seu estado de decadência econômica.
Outro exemplo é o Projeto Porto do Rio, que lança o
ideário de divulgar a imagem da Cidade através dos produtos culturais que para
ali são esperados. Esse projeto vem se tornando um instrumento de intervenção
urbanística de natureza simbólica, buscando inserir a Cidade no circuito das
capitais do turismo internacional. No entanto, mesmo antes que o Projeto se
viabilize, a equipe técnica da Prefeitura se depara com entraves semelhantes
aos do Projeto Teleporto e já são detectados impactos locais com a discussão e
o marketing que se cria da zona
portuária da Cidade com o Projeto.
Então, uma pergunta é feita diante dessa situação de
decadência econômica em que a cidade do Rio de Janeiro se encontra, por que a
economia da Cidade não deslanchou após a adoção do primeiro plano estratégico?
Isso indica que, apesar das grandes adaptações metodológicas feitas entre um
plano e outro, não foi garantida a recuperação econômica da Cidade, nem
amenizados os grandes conflitos entre as classes sociais, levando-a a um futuro
duvidoso.
BIBLIOGRAFIA
plano estratégico do Rio de Janeiro durante o
governo César Maia (1993 a
1996)”, monografia do curso do PGRJ,
Niterói, UFF, 2000.
AMENDOLA, Monica. “Uma leitura geográfica dos
planos estratégicos da cidade do Rio
de
Janeiro, dissertação de mestrado, Niterói, UFF, 2002.
ARANTES, Otília, VAINER, Carlos, MARICATO,
Ermínia. “A cidade do
pensamento único: desmanchando consensos.” Petrópolis, R.J.: Vozes,
2000.
ARAÚJO, Márcia Verônica de Oliveira. “O
Teleporto do Rio de Janeiro: um
território-rede?” Dissertação de Mestrado, UFF/Geociências,
Niterói, 2000.
BORJA, Jordi. “ Barcelona. Un modelo de
transformação urbana. Quito, Programa de
Gestión Urbana (PGU- LAC), 1995.
CASTELLS, M.; BORJA,J. “Planes Estratégicos y
Proyetos Metropolitanos” in
CADERNOS IPPUR/UFRJ, vol. XI, nº 1 e 2, janeiro/dezembro. 1997.
FERREIRA, Regina Fátima Cordeiro Fonseca.
“Plano Diretor e Plano Estratégico
da
Cidade do Rio de Janeiro: Gestão Democrática ou Gestão Estratégica?”;
dissertação de mestrado, IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro, 2000.
FOXÀ, Manuel de Forn i. “Barcelona:
estrategias de transformación urbana y
econômica.” S.., mimeo, 1993.
GRAU,
Joan Busquets. “Barcelona, evolución urbanística de una capital compacta..” Ed.
Mapfre, Barcelona, 1992.
GUELL, José Miguel Fernandez; “Planificación
estratégica de ciudades”; Barcelona,
1997
(Prólogo, pp. 10-13; Parte I,pp. 15-69).
INSTITUTO DE ESTUDIOS DE ADMINISTRAÇÃO LOCAL.
“Una nueva ciudad: el centro direcional del área metropolitana de Barcelona”,
Barcelona, 1972.
PREFEITURA
DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Diagnóstico Preliminar da Cidade
do Rio de Janeiro. Dezembro/1994.
PREFEITURA
DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (1996). Plano Estratégico da
Cidade do Rio de Janeiro, Rio sempre Rio,
Editora Imprensa da Cidade. Rio
de Janeiro: PCRJ/ACRJ/FIRJAN, janeiro/1996.
PREFEITURA
DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Plano Estratégico 2001 da Cidade
do Rio de Janeiro, no prelo.
SANCHEZ, Pero Lopez; “Todos, mayoría y
minorias en la Barcelona Olímpica”; in Economía y Sociedad, n.9, 1993,
pp.103-115.
[1] Esta comunicação decorre da dissertação de mestrado de
Monica Amendola (
monica.amendola@terra.com.br ) -
Uma leitura geográfica dos planos estratégicos da cidade do Rio de Janeiro
- defendida pela autora em 25 de junho
de 2002 no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, tendo por
orientador o professor Helio de Araújo Evangelista .