Revista geo-paisagem (on line)

Ano  10, nº 20,

Julho/Dezembro de 2011

ISSN Nº 1677-650 X

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 Revista classificada pela CAPES

 

 

Uma história sobre Bertha Becker

Isabela Ribeiro Nascimento Silva

belinha_bdr@hotmail.com

 

Abstract

This article is about the trajetory of Bertha Koiffman Bekcer in Brazilian geography. Its importance can be noticed by the  way she is considered as important thinker about Amazon. She is the great background to Brazilian geography about Amazon. .

Keywords – Brazilian geography, Delgado de Carvalho , contribution

Resumo

Este artigo é sobre a trajetória de Bertha Koiffman Becker na geografia brasileira. Sua importância pode ser aferida pelos inúmeros trabalhos, particularmente sobre a Amazônia. Bertha Becker é a grande  referência da geografia brasileira na discussão sobre a Amazônia.  

Palavras-chaves : geografia brasileira, Amazônia, estudo

 

Introdução

 

A Geografia como ciência ainda busca seu espaço de confirmação e valorização acadêmica, e vem sendo uma ciência que, sobretudo nos últimos anos, vem estudando sistematicamente as questões e os impactos ambientais e assuntos que interligam o campo da Geografia Física e Geografia Humana, possibilitando a unidade da ciência. Através deste trabalho mostraremos a trajetória acadêmica e pessoal de Bertha Becker com enfoque na questão da Amazônia, remetendo o leitor a uma profunda reflexão no sentido ambiental, socioeconômico e político, explorando a relação desses fatores com as questões de poder, localização e espacialização, denotando a Amazônia no contexto geopolítico. Serão abordadas também as outras obras e contribuições de Bertha para a Geografia e uma breve discussão que pretende postular a Amazônia e suas potencialidades, limites e características, fazendo com que a visão totalmente homogênea de Amazônia venha a ser discutida, uma vez que se trata de um espaço que sofre profundas transformações praticamente todos os aspectos.

O principal objetivo deste trabalho acadêmico é a valorização através de uma breve biografia de uma geógrafa, que é apaixonada pelo que faz, que se dedicou e trabalhou muito para aprofundar seus conhecimentos e que de forma incansável defendeu a Amazônia, um dos grandes patrimônios brasileiros, de forma inteligente e sagaz, destacando suas potencialidades e seu uso de forma sustentável.

 

Biografia e trajetória acadêmica

 

            Bertha Koiffmann Becker é uma referência acadêmica e no que diz respeito aos estudos voltados para o âmbito da Geografia como ciência e suas vastas reflexões sobre a Amazônia e seu papel no mundo contemporâneo. Nascida no Rio de Janeiro no ano de 1930, Bertha posteriormente se graduou em Geografia, se formando no ano de 1952 pela Universidade do Brasil, que atualmente é a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É Docente livre e realizou seu doutorado em Geografia pela na Universidade Federal do Rio de Janeiro, concluindo esta etapa no ano de 1970. Continuou estudando e realizou seu pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology – Department of Urban Studies and Planning (1986). Foi pesquisadora visitante no Department of Urban Studies and Planning do MIT (Estados Unidos) e na Orstom (França).

            Atualmente é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenando o Laboratório de Gestão do Território – LAGET/UFRJ. É membro da Academia Brasileira de Ciências e Doutora “Honoris Causa” pela Universidade de Lyon III. Foi homenageada com as medalhas David Livingstone Centenary Medal da American Geographical Society e medalha Carlos Chagas Filho de mérito cientifico da FAPERJ. Deve-se destacá-la como Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1A.

            Em relação ao lado profissional, trabalha como consultora em várias instituições científicas e é membro de conselho editorial em editores nacionais e internacionais. Bertha coordenou projetos de pesquisa ligados às políticas públicas da integração nacional e do meio ambiente nos ministérios de ciência e tecnologia.

            Ao longo de sua trajetória acadêmica, Bertha obteve êxito em diversas linhas de pesquisa. Entretanto, como principais focos de pesquisa que obtiveram maior relevância destacam-se Geografia Política da Amazônia e do Brasil. As suas principais obras são:

1      Geopolítica da Amazônia (1982).

2      Amazônia (1990).

3      Brazil: A New Regional Power in the World Economy (1992).

4      Tecnologia e gestão do território (Bertha Becker et al.).

5      Migrações INTERNAS no BRASIL - Reflexo da Organização do Espaço Desequilbrada.

6      Dilemas e Desafios do Desenvolvimento Sustentável (Bertha Becker, Ignacy Sachs e Cristovam Buarque).

7      Um Futuro para Amazônia (co-autoria de Claudio Stenner).

 

               Um aspecto interessante de se observar é que Bertha Becker, em sua trajetória acadêmica, sempre privilegiou os trabalhos de campo com os alunos. Ela se importava com o concreto e por isso, queria que seus alunos vissem na prática aquilo que era abordado em sala de aula.  Ela ia nos lugares com os alunos, fazia entrevistas com os moradores, analisava e buscava informações sobre a área, não se restringindo ao conceitual.   Um exemplo disso, é que ela já foi inúmeras vezes à Amazônia, área de seu interesse atual. Ela se embrenha floresta adentro para ouvir índios, empresários, peões, religiosos e representantes do governo e compreender os vários olhares.

 

Bertha Becker – Sua história antes da Amazônia

          Como foi dito antes, Bertha Becker se formou em Geografia (bacharel e licenciatura) no ano de 1952 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A partir daí começou sua longa trajetória. Na década de 50, mais precisamente em 1952, foi criado o Centro de Pesquisa de Geografia do Brasil (CPGB), através da iniciativa do professor Hilgard Sternberg, da cátedra de Geografia do Brasil e com apoio institucional da reitoria. Ao longo dos anos 50 e 60 o CPGB teve grande importância na produção da pesquisa geográfica fluminense. E foi no CPGB onde Bertha realizou seus primeiros trabalhos junto com a equipe de pesquisa. Nesse Centro a pesquisa foi direcionada para temas como espaço agrário, meio ambiente e relações campo-cidade, em espaços do Sudeste e da Fronteira.

          Em 1956, ocorreu no Rio de Janeiro o XVIII Congresso Internacional de Geografia promovido pela União Geográfica Internacional no Rio de Janeiro. Nesse congresso, Bertha e muitos outros jovens professores como Aziz Ab’Saber e Milto Santos estabeleceram contatos que iriam ser muito importantes para eles e para a Geografia brasileira como um todo. Após esse congresso, Bertha começou a estreitar os seus laços com o prof. Hilgard O’Reily Sternberg, sendo muito influenciada por ele. Além de Hilgard, ela também teve como professor Josué de Castro, um grande nome da Geografia brasileira. Porém, ela deixa bem claro que as suas maiores influências em termo de formação são Celso Furtado e principalmente Caio Prado Júnior.

          Desde o início de sua carreira como geógrafa até hoje houveram mudanças na sua temática de análise da Geografia. Inicialmente, Bertha ficou detida na relação complexa e interativa entre os aspectos físicos e sociais do espaço geográfico e só depois veio a destacar os aspectos políticos do território. O interesse pela geografia política só veio surgir com a sua entrada no Itamaraty. Hoje, Bertha afirma que a Geografia é, em sua essência, uma ciência política porque ela lida com o espaço geográfico e com o território. Muitos estudiosos discordam dessa afirmação, dizendo que a Geografia é uma ciência social, ou então uma ciência ambiental. Bertha diz que seus dois pólos de estudo são: geografia política e Amazônia. Porém, antes de começar a estudar a Amazônia, Bertha estudou a pecuária e sua relação com a fronteira no Sudeste brasileiro.

        Os primeiros artigos datam da década de sessenta e falam sobre mercado de abastecimento, migrações internas e índices climáticos no nordeste. Trata-se de um grupo de quatro textos publicados na Revista Brasileira de Geografia – RBG, nos anos de 1966 e 1968. Os textos são: O mercado carioca e seu sistema de abastecimento, Expansão do mercado urbano e transformação da economia pastoril (ambos no volume 28 da RBG, em 1966), As migrações internas no Brasil, reflexos de uma organização do espaço desequilibrada e Aplicação de índices climáticos no Nordeste do Brasil (ambos publicados no volume 30 da RGB, em 1968).
          O primeiro deles, O mercado Carioca e seu sistema de abastecimento, tem como objetivo discutir uma geografia do abastecimento, dizendo que a geografia é a Ciência que explica a organização do espaço pelo homem e por isso, ela pode contribuir para o estudo e solução dos problemas relacionados ao abastecimento. Todavia, ela diz também que essa geografia do abastecimento ainda estava para ser feita, ou seja, ainda não tinha sido concretizada.

          O segundo deles, Expansão do mercado urbano e transformação da economia pastoril, visa esclarecer a caracterização das novas relações que se estabeleciam entre a cidade e o campo, verificando em que medida a nova sociedade industrial e urbana estava atingindo a velha organização rural brasileira e aquilatando as formas da transformação do campo por irradiação urbana.

          O terceiro deles, As migrações internas no Brasil, reflexos de uma organização do espaço desequilibrada, constitui um estudo sobre a população na escala geográfica do Brasil. É considerado como um primeiro esforço de pensar a geografia e o espaço geográfico brasileiro com o fenômeno da mobilidade humana.

          Por fim, o último deles, Aplicação de índices climáticos no Nordeste do Brasil, foi apresentado no XX Congresso Internacional de Geografia, realizado em Londres no ano de 1964. Nesse texto, Bertha afirma que é impossível estabelecer os limites de uma zona climática, baseada apenas na precipitação. Além disso, fala sobre a confusão que se fez entre “zona seca” e “zona sujeita a seca” e informa que é preciso defini-las e delimitá-las. Para isso, recorre a índices climáticos de Lang, Apot-Rey e Birot, que usam dados registrados nos últimos trinta anos pelo Serviço de Meteorologia do Ministério da Agricultura.

          Nos anos de 1969 e 1970, Bertha obteve o título de doutoramento por livre docência na UFRJ, com uma tese intitulada: O Norte do Espírito Santo, Região Periférica em Integração.  Nessa tese, Bertha começa falando do crescente processo de industrialização do Brasil, que acompanhado da urbanização, estava provocando uma intensa modificação nos padrões espaciais, formando uma estrutura polarizada composta de áreas core (centros) e áreas periféricas. Ela fala também da concentração de investimentos nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, que seriam os centros e sua relação com as demais áreas dependentes deles, incluindo aí o estado do Espírito Santo, que estava passando por processo de empobrecimento derivado de uma crise econômica, que era expressão de sua posição marginal em relação aos centros. Nessa tese, ela analisou até as condições morfológicas, climáticas e edáficas do estado do Espírito Santo relacionando-as com os níveis de produção.

  

          A partir desse trabalho, segue a produção de dez anos que será condensada no livro Geopolítica da Amazônia, uma das suas mais importantes obras.

          Contudo, podemos considerar essa a segunda fase da vida acadêmica de Bertha Becker, onde ela estava mais ligada à teoria de desenvolvimento regional.

          Nos anos setenta os trabalhos expõem temas como a estrutura espacial, a periferia em transformação, a fronteira e a sua espacialidade e geopolítica da Amazônia. Trabalhos como: Crescimento Econômico e Estrutura Espacial do Brasil (REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA, Rio de Janeiro, v. 34, n. 4, p. 73-109, 1972); Contribuição ao Estudo de Padrões de Consumo Alimentar Urbano (BOLETIM GEOGRAFICO, Rio de Janeiro, v. 241, n. 2, p. 73-109, 1974); A Amazônia na Estrutura Espacial do Brasil (REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA, Rio de Janeiro, v. 36, n. 2, p. 3-33, 1974); Considerações sobre o Desenvolvimento Regional e a Localização das Atividades nos Países em Desenvolvimento (REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS POLITICOS, Belo Horizonte, v. 40, n. 46, p. 160-184, 1978); e Uma Hipótese sobre a Origem do Fenômeno Urbano numa Fronteira de Recursos no Brasil. (REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA, Rio de Janeiro, v. 40, n. 1, p. 160-184, 1978).

          Para demonstrar um desses trabalhamos, há a obra Crescimento Econômico e Estrutura Espacial do Brasil. Nesse texto Bertha trabalha as relações entre o processo de crescimento econômico e a estrutura espacial.  Ela ainda fala sobre as três fases do crescimento econômico brasileiro, que são: a exploração de recursos (que vai desde a colonização até as primeiras décadas do século XX), a substituição de importações (quando foi criada a estrutura polarizada centro-periferia) e por última, a integração nacional.

          Portanto, podemos concluir que a problemática do planejamento regional é o pano de fundo das análises de Bertha nessa época.

          No final da década de oitenta, obteve a titulação de pós doutoramento no Departamento de Planejamento Urbano do MIT (Massashuset Institut of Technology) nos Estados Unidos, onde estudou.   Em 1986, torna-se professora titular de Geografia da UFRJ, por concurso de Livre-Docência e no ano seguinte, assume a coordenação do Laboratório de Gestão do Território (LAGET) do Departamento de Geografia da mesma instituição, no qual permaneceu até se aposentar, compulsoriamente, em 2000.

 

 

Por que a  Amazônia? A Amazônia como foco de pesquisa e sua relevância no contexto Geopolítico

 

A Amazônia é naturalmente, no âmbito geográfico, caracterizada como um domínio morfoclimático que possui extrema complexidade e é enormemente sensível. Os elementos fisiográficos constituintes dessa grande imensidão, que também é classificada como um bioma. Estes se encontram tão estreitamente relacionados que não se pode considerar nenhum deles como principal.

            Ao mesmo tempo em que possui uma grande complexidade, a Amazônia ou Pan-Amazônia, como muitos autores descrevem, simboliza uma representação geográfica de grande amplitude que pode ser classificada por sua homogeneidade de modo relativo, principalmente no que tange a questão da paisagem. O principal fator que sustenta essa teoria é sua certa homogeneidade de fatores ecológicos.

            É uma região encoberta por grande intensidade de ocorrência de nuvens baixas, fortemente carregadas de umidade. Possui um labirinto e uma riqueza hidrográfica, onde segundo Ab'Saber (2003) se apresenta como um mar de água doce, formado por um conjunto de paisagens amazônicas a partir de pequenas elevações dos tabuleiros e terraços. Em geral possui grandes ilhas fluviais e terras baixas, se apresentando como uma grande planície fluvial passível de inundação, em que em períodos de cheia imensos pacotes sedimentares são depositados pelo regime fluvial. Nesta região a circulação fluvial é intensa e a integração homem natureza se evidencia fortemente, podendo ser exemplificada pelas ocupações ribeirinhas.

            Essa imensa região natural dotada de ecologia quase que uniforme abrange o território de seis países tributários. Portanto, tanto o brasileiro quanto o venezuelano, o colombiano, o peruano, o equatoriano ou boliviano refere-se à Amazônia, está falando de uma particularidade e identidade nacional própria.

            Pode-se destacar que em diversas obras, situando a Amazônia num plano continental e integrado, que visa esclarecer idéias, conceitos, formulações e perspectivas, utiliza-se o vocábulo Pan-Amazônia toda vez que é tratada essa imensa região. Só esta denominação  já é um motivo mais que suficiente para ser entendida a grande influencia da Amazônia no contexto geopolítico global, pois é uma área de interesse do planeta inteiro. Nada obstante, dois grandes escritores amazônicos contemporâneos, Arthur Cezar Ferreira Reis e Samuel Benchimol, utilizaram o vocábulo Pan-Amazônia para dar a abrangência desejada às suas idéias. A chamada Pan-Amazônia impressiona pelos números que caracterizam a sua expressão geográfica. Samuel Benchimol, em livro recente, descreve essa expressão somente pela sua representatividade, sendo:

 

1      1/20 da superfície terrestre;

2      1/4 da América do Sul;

3      3/5 do Brasil;

4      1/5 da disponibilidade mundial de água doce; e

5      1/3 das reservas mundiais de florestas latifoliadas.

6      Um dado curioso é que apesar de possuir uma grande extensão territorial e uma imensa riqueza natural, a Amazônia abriga apenas dois e meio milésimos da população mundial.

 

            A grande planície dessa chamada Pan-Amazônia, se estende de leste a oeste. Seus limites circundantes são ao norte as vertentes do maciço das Guianas, ao sul pelos degraus descendentes do planalto central brasileiro e a oeste pelos peneplanos da cordilheira andina, formando uma macro unidade, onde os elementos climáticos, botânicos, hidrográficos, socioeconômicos e paisagísticos se integram impecavelmente. A bacia abrange a extensão de 7 milhões de km², duas vezes maior que a do Mississipi, que possui 3,2 milhões de km² e duas vezes e meia maior que a do Nilo, que possui 2,8 milhões de km².

O que mais impressiona nessa imensidão é a espessa floresta latifoliada tropical, de grande extensão e homogeneidade panorâmica, cobrindo 70% de toda região. A cobertura vegetal restante, localizada nas ladeiras das cordilheiras e do planalto brasileiro, é composta por florestas mistas de transição, zonas de cocais, cerrados e savanas.

Outro aspecto relevante da Amazônia é que dentro de toda essa homogeneidade que sugere o conceito e o Bioma Amazônico se encontram profundas disparidades regionais. A idéia de Amazônia como uma imensa floresta uniforme é equivocada, como apontam autores como Jurandyr Ross, que subdivide sob vários aspectos. As diferenças de tamanho de dossel de árvores, as presenças de fragmentos de cerrado, de espaços de campinarana são evidencias dessa heterogeneidade no ponto de vista das fitofisionomias. Na questão do relevo, podemos citar a existência de planaltos antigos e residuais na Amazônia, assim como existência de depressões, planícies e a região com relevo escarpado da Serra do Imeri, onde fica o pico da Neblina que é a localidade de maior altitude em território nacional, com 2.994 metros. Outra questão que retrata muito bem é a população amazônica, que se traduz sob diversas formas como imigrantes de outras regiões do país, índios, imigrantes estrangeiros, negros, dentre outros que se espalham desde aldeias até núcleos urbanos como Manaus.

Portanto, mediante todas essas características da planície amazônica explicitadas acima podemos entender um pouco de sua importância no contexto geopolítico global. É uma região em que as disputas de poder traduzidas no espaço e nas questões territoriais ocorrem de maneira evidente, em múltiplas escalas, variando do local ao global o tempo todo. Pode-se exemplificar a questão das madeireiras, instauração de usinas até a conservação da biodiversidade que sustenta o conceito de preservação ambiental e sustentabilidade no âmbito global, em que a Amazônia não seria um patrimônio natural brasileiro e de países andinos, e sim um “bem do mundo”. O Brasil nesse caso, como uma potência regional e que está se transformando em uma potencia global, tem como compromisso perante o mundo privar a manutenção da biodiversidade amazônica frente aos inúmeros agentes que ameaçam toda essa questão. Contudo, baseado nessa hipótese bem fundamentada, podemos discutir mais a fundo as obras de Bertha, tanto no contexto amazônico como nas que demonstram as questões geopolíticas globais e a inserção do Brasil nesse “jogo espacial de poder”.

 

 Bertha e sua posição política frente à Amazônia.

 

Como antes já dito, ao falar em Bertha Becker fica quase que indissociável não mencionarmos a Amazônia e sua posição política frente a uma das grandes problemáticas atuais mundiais: a Floresta Amazônica.

Para começarmos a abordagem da Amazônia juntamente relacionado com a política e as proposições de Bertha, se faz necessária uma abordagem história e conceitual.

 O conceito de geopolítica defendido pela autora trata-se de um campo do conhecimento que analisa as relações entre poder e o espaço geográfico. E foi através dos fundamentos geopolíticos que própria a região Amazônica começou a ser povoada, desde o tempo do Brasil Colônia, Portugal consegue, mesmo com menos poder econômico que a Espanha, expandir as fronteiras da Amazônia, isso graças a geopolítica e as estratégias de controle do território.

Não podemos deixar de mencionar que o processo de ocupação da Amazônia sempre esteve atrelado a surtos ligados a demandas externas, podendo exemplificar o ciclo da borracha, seguidos de grandes períodos de estagnação e decadência.

Bertha possui uma grande experiência no assunto. Há 30 anos, a pesquisadora percorre os estados da Amazônia e testemunha os processos de ocupação e devastação na floresta. Bertha diz, em uma entrevista, que se lembra até hoje da sua primeira ida à Amazônia com um grupo de alunos na década de 70 e comenta as mudanças ocorridas nesse bioma, que antes era uma região isolada do resto do país (algo distante do imaginário brasileiro) e hoje apresenta 70% da população vivendo em áreas urbanas.

Há pelo menos 10 anos, defende uma revolução científica para proteger a floresta e da mesma forma levar desenvolvimento e riqueza para seus 20 milhões de habitantes.

Seu principal destaque frente aos outros intelectuais, que apresentam a mesma área de estudo, é a sugestão de que a economia é a solução essencial para a conservação. “A Amazônia precisa de desenvolvimento econômico, não apenas de proteção ambiental. Não podemos ficar só com áreas protegidas. Primeiro porque a proteção já não protege mais e o desflorestamento continua. E só proteger não gera renda e trabalho, que é o fundamental para a região e para o país. O que precisamos é produzir para preservar." Becker.

Bertha deixa bem claro que não se considera uma ambientalista e diz que é preciso superar essa falsa dicotomia entre desenvolvimentismo e ambientalismo.

O desenvolvimentismo, cujo auge ocorreu durante o Programa de Integração Nacional (PIN), entre 1970 e 1985, provocou intensos conflitos sociais e ambientais na região. A percepção da crise ambiental no planeta gerou forte pressão internacional e nacional contra essa política. A preocupação social com a conservação da natureza e o temor econômico de que a natureza se torne um recurso escasso convergiram para um modelo ambientalista. Para Bertha, o desenvolvimentismo não exige a destruição da natureza e a conservação do meio ambiente não requer sua preservação total, imobilizando o crescimento econômico.

O ambientalismo excessivamente preservacionista da década de 1990 na Amazônia esgotou-se como um modelo para a região por uma dupla razão: primeiro, porque não conseguiu barrar a expansão da agropecuária capitalizada; segundo, porque a conscientização crescente da população amazônica, que demanda melhores condições de vida, resultou na criação de mercado de trabalho e renda e, portanto, no uso do seu patrimônio natural. E Bertha afirma que não adianta fazer uma área protegida porque o gado e a soja, que se expandem com uma velocidade enorme, tomam aquela área protegida e ela deixa de ser protegida.

 Bertha concorda com a importância estratégica do patrimônio natural do território amazônico e acha que a Amazônia tem sido continuamente/ crescentemente valorizada; porém, ela também afirma que há um desconhecimento e uma incompreensão do valor econômico estratégico dessa natureza amazônica para o desenvolvimento do país. E ela vai mais além quando diz que recentemente a revolução científica e tecnológica trouxe novas tecnológicas que permitem utilizar a natureza sem a destruição, colocando a biodiversidade na fronteira da ciência.

Em uma palestra em 2006 para o Centro de Desenvolvimento Sustentável da Unb, a mesma afirma, de maneira resumida, seu ponto de vista.  Para ela, a mera proteção preservacionista não pode mais atender a demanda regional da Amazônia de trabalho e renda. Isto porque, a partir da década de 60, a Amazônia mudou enormemente, não tendo mais a mesma imagem que até hoje persiste no imaginário de boa parte da população como uma floresta intocada.

Contudo, nos esquecemos de que a Zona Franca de Manaus é o quarto PIB metropolitano do Brasil, o Pará tem o minério que alimenta as fábricas de alumínio a baixo custo, a energia de Tucuruí PA é mandada para o NE e SE.

Ela defende ainda que a Amazônia atual, com 20 milhões de habitantes, já é uma região por si mesma, e esses 20 milhões de habitantes pedem pela presença de um Estado, um Estado de direito, além de um zoneamento ecológico e econômico.  

Ainda no mesmo, ela analisa a questão fundiária e aponta uma mudança no modelo de reforma agrária, mudando a forma de se lidar com o produtor familiar, que na atual situação se vê cultivando apenas 20 hectares dos 100 de cada lote, enquanto assiste a expansão da soja, pecuária e dos madeireiros.

Devemos destacar que o posicionamento da geógrafa não é totalmente contrário a plantação de soja e a criação gado. Faz-se ciência que na última década, o que sustentou a economia brasileira foi esse setor. No entanto, o espaço utilizado pelo agronegócio, principalmente no Centro-Oeste brasileiro já é suficiente, não precisa derrubar mais domínios morfoclimáticos para isso, senão o Brasil corre risco de se tornar uma grande monocultura.

Um dos maiores enfoques da mesma é a expansão da fronteira móvel da agropecuária no Brasil, acompanhando o avanço da pecuária para Goiás e dali se estendendo para a Amazônia. Aponta ainda que esse processo de expansão agropecuária para a região Norte do país não é novo (já apresenta 50 anos) e é muito característico no Brasil. "Pecus” significa dinheiro e a pecuária extensiva é um investimento que dá pouco trabalho, se desloca sozinho e é de alto rendimento no Brasil, o que explica sua grande expansão, que foi muito influenciada porJuscelino Kubitschek porque até sua gestão só existiam matadouros. Com a criação de estradas e o frio industrial, surgiram os frigoríficos.

Todavia, devemos dar valor a floresta em pé, sendo imprescindível uma escala mínima de produção aos agricultores de base familiar, para que eles possam ser realmente inseridos na economia, além de estradas de ligação, mercado, produção e o próprio apoio técnico.

Propõe ainda a união dessas famílias de produtores e dos seus respectivos hectares e áreas de conservação, numa espécie de cooperativa, chamada de fazenda solidária. Os produtos prioritários neste tipo de organização seriam os alimentos, biocombustíveis. Também podemos destacar a utilização da biodiversidade, com óleos, resinas, plantas medicinais, fitofármacos, ligando os produtores com os centros de biotecnologia. A biodiversidade não é só para dermocosmética, ela também pode ser utilizada para nutricêutica, alimentos que não são remédios, mas que dão bem-estar físico, como o guaraná e o açaí, além dos fitoterápicos. 

Ao lado da questão acima abordada, apresenta-se a urbana. As cidades são fundamentais para o desenvolvimento e devem ter um bom planejamento para atender socialmente a população em termos de serviços, equipamentos e trabalho.

Já em outro ponto, a autora faz uma dura crítica as instituições informais que mesmo trazendo um significativo progresso, não conseguiram a melhoria da qualidade de vida da população residente na Amazônia, necessitando assim de um novo modo de entendimento dessas populações, e não apenas a criação de organizações.

E como último desafio, ela aponta a revolução científica e tecnológica para que a Amazônia consiga organizar sua base produtiva, mudando para um modelo de produção familiar, conseguindo assim ser realmente produtiva e mudar as instituições.

Sendo assim, Becker afirma que a saída é a atribuição de valor econômico a floresta para que seja possível a sua conservação. Pois só assim ela se tornará competitiva frente às commodities, madeira, pecuária e soja. Se a floresta não apresentar esse valor econômico, a população residente sofrerá conjuntamente.

Em relação à assistência oferecida em assuntos da Amazônia, Bertha compreende que o mundo atual se modificou, e juntamente com ele nosso país. Expondo sua opinião: “Não podemos ficar só com áreas protegidas. Primeiro porque a proteção já não protege mais, o desflorestamento continua. E só proteger não gera renda e trabalho, que é o fundamental para a região e para o país. O que precisamos é produzir para preservar.” 

Outra questão atual muito debatida pela autora é a questão de créditos de carbono¹, onde segundo a mesma se aceita o dinheiro em troca de subdesenvolvimento, sua posição é taxativa: “A floresta é riquíssima. E esta riqueza está sendo negligenciada em função da ênfase no mercado de carbono. O mais importante é mudar o padrão de desenvolvimento da região. E não ser pago para não desmatar”

Ainda sobre a implantação do mecanismo de Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação, Bertha Becker reitera que com o REDD o desenvolvimento da região, tão importante para a autora é prejudicado, sendo considerado um balde de água fria no estímulo do desenvolvimento do novo.

O mecanismo REDD, um dos principais aparatos ambientalista internacional para países como o Brasil, visa compensações financeiras para impedir o desmatamento, combatendo as emissões de carbono que seriam responsáveis pelo aquecimento global. Obviamente, a expectativa de receber recursos financeiros do exterior vem funcionando para alguns como uma espécie de atrativo mais do que a preocupação com as emissões, e por conseqüência, o meio ambiente.

Logo, o que podemos concluir a partir de sua posição política é que a solução para a problemática acerca do futuro da Floresta Amazônia, está numa revolução científica e tecnológica para a Amazônia, visto que o país já conseguiu grandes feitos tecnológicos como o petróleo em águas profundas, transformação de cana em álcool, e que este apenas seria mais um objetivo a ser adquirido.

 

 

¹  Os Créditos de Carbono são certificados gerados por projetos que, comprovadamente através de metodologias, reduzam ou absorvam emissões de gases do efeito estufa. Os compradores destes créditos são empresas ou governos de países desenvolvidos que precisam alcançar metas (instituídas pelo Protocolo de Quioto, pela própria empresa ou outros programas) de redução destas emissões, e os vendedores são diversificados dependendo do país de origem do projeto. Acessado em 22/05/2011 http://www.revistameioambiente.com.br/2008/03/28/creditos-de-carbono/

 

Um modelo de desenvolvimento para a Amazônia

Bertha Becker afirma que houve uma ausência histórica de um plano de desenvolvimento da Amazônia, o que resultou na ausência de integração plena da região e na destruição da floresta, através de atividades predatórias, que ela diz serem práticas do século XIX.

Para solucionar essa ausência, Bertha propõe um modelo baseado na organização da base produtiva da Amazônia. E para que esse modelo seja implementado, é preciso encontrar uma escala adequada para poder ter atividades rentáveis, que geram empregos e renda, já que a condição de vida da população é muito importante. Mas há algumas questões em relação a isso: Que atividades são necessárias e possíveis para encontrar esse modelo? Onde a produção é capaz de gerar emprego, renda e riqueza, sem destruir a floresta?

           Bertha fala que para ter uma certa produção, a população tem que estar bem, para ela mesma proteger a biodiversidade. O exemplo dos índios cabe aqui: os índios vivem da biodiversidade de suas terras. Então, eles sabem como protegê-la de uma maneira muito melhor. Portanto, podemos chegar à conclusão que a biodiversidade é um fenômeno humano também. Ela não pode ser vista somente do ponto de vista ambiental. A biodiversidade é localizada geograficamente no território e se ela é localizada geograficamente, ela necessariamente se insere no contexto das relações sociais.

Todavia, o grande desafio é implementar um modelo de desenvolvimento da Amazônia que utilize o patrimônio natural sem destruí-lo, atribuindo valor econômico à floresta, de forma que ela possa competir com as commodities . A ciência, a tecnologia e a inovação são três pilares fundamentais para implementação desse novo modelo, contribuindo para organizar a base produtiva regional e gerar riqueza e trabalho. Deixando bem claro que não se trata de ‘tecnologismo’, mas de geração e uso do conhecimento de múltiplas disciplinas.

Além disso, esse modelo de desenvolvimento deveria ser autóctone, isto é, implementado por brasileiros, e visando benefícios para a população regional e nacional. Porém, com a globalização, o Brasil acaba mudando as estratégias e se inserindo no mundo para não ser excluído.

Se esse modelo de desenvolvimento não conseguir ser implementado, Bertha opina que haja a estatização do que ela chama de “coração florestal”, que é a parte mais interna da floresta. Por ela, a última solução seria deixar a Amazônia nas mãos do Estado.

           Bertha ainda fala de implementar uma revolução científico-tecnológica na Amazônia, estabelecendo cadeias tecnoprodutivas com base na biodiversidade, desde as comunidades da floresta até os centros de tecnologia avançada. E conclui: “Esse é um desafio fundamental hoje, que será ainda maior com a integração da Amazônia sul-americana".

 

Conclusão

 

A vivência geográfica de Bertha Becker, juntamente com o seu devido reconhecimento, fruto de muitas pesquisas e trabalhos, proporciona a nós geógrafos brasileiros, preocupados com o futuro de nosso país, e também com o futuro da Amazônia, um orgulho ímpar de poder ter como exemplo essa geógrafa, que de maneira muito pertinente trouxe idéias inovadoras para várias questões. E podemos perceber que Bertha tem uma grande inquietação intelectual e por isso, mesmo com a idade avançada, não perdeu o prazer em buscar conhecimento, continuando a ler, escrever e discutir.

 

Volta


Bibliografia

 

AB’SABER, A.N. Os domínios de natureza no Brasil. Potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê, 2003.

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