Revista geo-paisagem ( on line )

 

Ano  3, nº 5,

 

Janeiro/Junho de 2004

 

ISSN Nº 1677-650 X

 

Revista indexada ao Latindex

 

 

 

 

GÊNESE E (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO DA BAIXADA FLUMINENSE

 

Maria Aparecida de Figuerêdo[1]

 

 

 

 

 

Resumo

 

 

            O presente trabalho analisa o passado da baixada fluminense. Um região do Estado do Rio de Janeiro que nos últimos anos vem alcançando um notável crescimento.

           

Palavras-chaves: Rio de Janeiro, região, história, baixada fluminense

 

Abstract 

 

            Our goal is to study the past of baixada fluminense. One part of Rio de Janeiro state wich is growing very fast .

 

Keywords: Rio de Janeiro, region, history, baixada fluminense

 

 

 

Apresentação

 

O objetivo deste trabalho é realizar uma síntese do processo de formação, produção e reprodução do espaço da Baixada Fluminense desde o período colonial.

Para isso, será feita uma abordagem histórica, espacial e econômica da área ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX e XX. De um modo geral, predominava na área de estudo a agricultura como atividade predominante, existindo em menor escala atividades secundárias como a policultura e estabelecimentos comerciais. Tal padrão espacial mudará a partir da última metade do século XX.

Daí em diante registra-se a transformação desse espaço de característica rural, para um padrão urbano e industrial em decorrência do processo da segunda fase da industrialização brasileira e do Rio de Janeiro o que acarretou impactos sócio-espaciais na Baixada Fluminense. 

 

1.1. Da colonização, ocupação até o ciclo do ouro

 

 

Área integrante da Região Metropolitana do Rio de Janeiro teve nos municípios que compõem a Baixada Fluminense, divisão adotada pela Secretaria de Desenvolvimento da Baixada Fluminense, grande parte do seu desenvolvimento econômico e social atrelado ao Rio de Janeiro.

Caracterizada por uma paisagem natural composta por planícies, colinas, morros, manguezais, serra do Mar ao fundo, matas, rica rede hidrográfica desaguando na Baía de Guanabara tendo a mesma como porta de entrada, essa era a visão daqueles que se destinavam a Baixada Fluminense nos primeiros séculos da colonização e ocupação.

Tem-se o registro da concessão das primeiras sesmarias nos anos de: 1558, no rio Guandu nas terras de Sepetiba; 1565, nos rios Magé, Iguaçu; 1566, rio Magé; 1568, no rio Inhomirim, e no mesmo ano uma grande sesmaria doada a Brás Cubas que tinha “ 3000 braças de testada pela costa do mar e 9000 fundos pelo rio Meriti, (...) que por não ter tomado posse, em 1577 e em 1602 foi partilhada entre sesmeiros.” (MATOSO apud LAMEGO, 1964, p.195 ) , seguida por outras concessões que vão ocorrendo ao longo dos anos de mil quinhentos, seiscentos, setecentos e com isso a presença dos primeiros desbravadores (homem branco) em terras ocupadas por indígenas.

Das sesmarias foram surgindo fazendas que se dedicavam a atividade econômica predominante alicerçada no plantio e cultivo da cana-de-açúcar com a presença de engenhos para o fabrico do açúcar e aguardente, ambos localizados às margens dos rios, tendo-se o registro de um dos primeiros engenhos às margens do rio Magé no século XVI.

O aparecimento das fazendas foi acompanhado pela presença religiosa materializada nas construções de capelas. A igreja dividia seu território em jurisdição religiosa como freguesias, paróquias ou curatos, no caso de freguesias estas possuíam a igreja matriz que ligada a ela existiam várias capelas erguidas nas fazendas. Essas capelas serviam como célula inicial de aldeias, freguesias, vila ou cidade. Dentre algumas freguesias que surgiam podemos citar: Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Marapicu, Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim, Freguesia de Nossa Senhora do Pilar, Freguesia de São João de Meriti e Freguesia de Piedade de Iguaçu.

Além da monocultura da cana desenvolvia-se em menores escalas o plantio de produtos agrícolas como arroz, feijão, milho, mandioca, legumes entre outros e praticava-se o extrativismo de madeira retirada das matas transformada em lenha. Tanto os gêneros de primeira necessidade quanto a lenha produzida destinavam-se as próprias fazendas como também abasteciam o mercado consumidor do Rio de Janeiro.

Para a realização de tais atividades foi utilizada a mão-de-obra escrava negra, datando em meados do século XVI o primeiro carregamento de negros que chegou em terras fluminenses.

Desta maneira inicia-se aos poucos a ocupação da Baixada Fluminense, ainda que dispersa, sob a égide da monocultura da cana, assim como as demais atividades relacionadas ao extrativismo e lavoura de subsistência, usufruindo-se das condições naturais favoráveis disponíveis.

Sendo tal área, em suas planícies, cortada por vários rios que deságuam na Baía de Guanabara, logo surge um obstáculo para aqueles que desejavam utilizá-la como via de comunicação terrestre, tal como a presença dos brejos, áreas pantanosas ou alagadiças que se localizavam nos terrenos marginais aos rios como Meriti, Sarapuí, Iguaçu, Pilar, Inhomirim, decorrente da influência das marés ou das cheias periódicas que ocorriam nos terrenos adjacentes de altitudes superiores às preamares máximas.

Porém, se a via de comunicação terrestre pela planície é dificultada, a solução do problema para a comunicação foi encontrada na via aquática, com a utilização dos rios que possibilitavam o contato da Baixada Fluminense, não só ela, como todo o recôncavo da Guanabara com o Rio de Janeiro e seu porto.

Contudo, foi através do emprego da mão-de-obra escrava que se criavam a condição favorável para a navegação nesses rios, onde ela cuidava da limpeza, desobstrução dos mesmos, assim como, a abertura de canais, permitindo o transporte da produção agrícola da área a princípio e também o recebimento de mercadorias e pessoas que se dirigiam a ela por meio de barcos, lanchas, canoas, saveiros e outras embarcações.

Embora as planícies não fossem adequadas como via de comunicação terrestre, isso não impediu que surgissem caminhos terrestres para a circulação de mercadorias, produtos e pessoas na Baixada Fluminense, neste caso, a opção foi as áreas livres de encharcamento, como salienta SOARES:

 

“(...) A drenagem insuficiente tornava pantanosas quase todas as planícies, dificultando a sua ocupação. (...) Por outro lado, o brejo sempre fora um obstáculo ao estabelecimento de comunicações terrestres entre a cidade e o seu recôncavo. A própria região, porém, possuía outros elementos que lhe permitiriam solucionar essa dificuldade. (...) as abas das montanhas que enquadram a Baixada da Guanabara permitiram a adoção de um itinerário terrestre que possibilitava contornar a parte encharcada.” (SOARES, 1962, p.158)

 

A respeito da circulação na Baixada Fluminense BERNARDES assinala:

 

“(...) de duas maneiras se fazia a circulação: 1) por via fluvial até o limite da navegabilidade dos baixos cursos e a partir dos portos estabelecidos pelo sopé dos morros, até à base da serra; por “terra firme”, contornando os trechos mais freqüentemente alagados e aproveitando, sempre que possível, as zonas de colinas e morros que circulavam as baixas planícies.” (BERNARDES apud PERES, 2000, p.10)

 

Como pode-se notar, rios e terrenos não alagados tornaram possível o desbravamento da Baixada, os rios por navegação, onde as embarcações aportavam em pequenos portos fluviais localizados nas suas margens, para daí em diante, seguir por terra firme buscando os caminhos existentes.

No final dos anos do século XVII sob o ciclo da cana tem-se o registro da abertura de novos caminhos. Esses surgem impulsionados pelo descobrimento e exploração de minas de ouro nas Minas Gerais (Ciclo do Ouro), tendo por objetivo facilitar o escoamento da produção e abastecimento da área, provocando o intercâmbio do interior (no caso Minas Gerais) com o litoral (no caso Rio de Janeiro), onde o porto do Rio atuou de forma atrativa e as terras da Baixada Fluminense, como de todo recôncavo da Guanabara, serviram de passagem. Cabe ressaltar que também surgiram caminhos particulares que deram acesso a esses caminhos.

PERES nos fala a respeito desses novos caminhos, apresentando-os em ordem cronológica:

 

“Durante o século XVIII, três eram os caminhos oficialmente reconhecidos entre o Rio de Janeiro, através da Baixada Fluminense e a região da Gerais.

Descritos em ordem cronológica de abertura tínhamos: ‘Caminho Novo do Pilar’ ou do ‘Guaguassú’ ou ainda de Garcia Rodrigues Pais, aberto em 1699 e 1704.

‘Caminho Novo do Inhomirim’ ou ‘Caminho Bernardo Soares Proença’ ou ‘Caminho Proença’, aberto em 1724.

‘Caminho de Mestre de Campo Estevão Pinto’ ou ‘Caminho Novo do Tinguá’, aberto em 1728.” (PERES, 1993, p.9)

 

Esses caminhos novos ofereceram de imediato a redução dos dias de viagem até o interior, foi o que ocorreu com o surgimento do Caminho Novo do Pilar que diminuiu a viagem do Rio a Minas Gerais de 3 meses para pouco mais de 15 dias, tempo gasto por aqueles que usavam o Caminho dos Guaianás que partia de Parati para alcançar o alto do Paraíba, através da Serra do Cunha, única via de acesso a região das minas, sendo também o caminho do Pilar superado pelo Caminho do Inhomirim que reduziu a viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais para quatro dias.

Desses três caminhos novos dois tinham seus trajetos iniciados em portos, o Caminho de Garcia Pais e o Caminho do Proença. O Caminho de Garcia Pais iniciava-se no porto fluvial do Pilar (afluente do rio Iguaçu) feito de norte para sul, ou seja, do interior para o litoral, PERES apresenta seu percurso:

 

“Após cruzar o rio Paraíba, acompanha o Ribeirão do Lucas até Cavarú, e em seguida o rio Ubá, indo atingir a Roça do Alferes (hoje Pati dos Alferes). Subindo a Serra da Manga Larga e cruzando o vale do rio Sant’Ana, chegava-se ao alto da Serra do Couto onde ‘em dia claro se descobre o Rio de Janeiro’. Atingia-se a planície próxima ao engenho do capitão-mor Francisco Gomes Ribeiro (na antiga fábrica nacional de motores), em busca do porto fluvial do Pilar, para prosseguir por mar, em barcos e saveiros, ou por terra rumo às capelas de N. Sra. Da Piedade de Iguaçu; a de Sto. Antônio de Jacutinga; a de S. João Batista de Meriti e a de N. Sra. da Apresentação de Irajá, à caminho da côrte.” (ibid., p.3)  

 

Com relação ao trajeto à côrte toda a ligação entre Irajá a Pilar era feita através de caminhos particulares. Já o Caminho do Proença começava no Porto da Estrela à margem do rio Inhomirim, em Magé. No seu percurso atravessava uma localidade chamada “Côrrego Seco” (atualmente Petrópolis) seguindo pelo rio Piabanha até alcançar o rio Paraíba. E o caminho do Tinguá que cortava a serra do Tinguá transpondo a serra do Mar encontrando-se com o caminho de Garcia Pais e o caminho de Bernardo Proença.

Esses caminhos eram considerados os “caminhos do ouro”, porém o século XVIII teve a abertura de inúmeros outros, citando apenas alguns deles: Caminho do Comércio, Caminho do Couto, Estrada da Polícia, Estrada da Taquara, Estrada União Indústria, Estrada de Estrela a Minas, Estrada de Magé aos portos, Estrada normal da Estrela. E é nesta época do Ciclo do Ouro que temos o surgimento de um outro ciclo com marco inicial na primeira metade do século XVIII, trata-se do Ciclo das Tropas ou Tropeirismo, que foi responsável pelo transporte das riquezas oriundas da mineração e abastecendo-a de mantimentos e mercadorias, chegou a transportar colheitas das grandes plantações de café, além de muitas das vezes ter a companhia de viajantes, cientistas, comerciantes ou curiosos que visitavam o país.

Essas tropas eram formadas predominantemente por muares, sabendo-se que as primeiras manadas de muares e eqüinos entraram no Brasil dispersando-se por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro oriundas da Argentina e Uruguai das regiões da bacia do Prata.

As tropas podiam ser de propriedade das fazendas ou dos próprios tropeiros, contudo, era o meio de transporte mais adequado para a ligação do interior com o litoral, elas dominaram os caminhos que davam acesso as duas áreas. Peres aponta as dificuldades encontradas:

 

“As dificuldades dos caminho que castigavam as tropas eram por demais penosas. Contornar as serras com estreitas passagens onde o precipício espreitava homens e animais ao sabor de pedras rolantes, e que ao menor descuido iriam fazer companhia às carcaças que, rodeado de urubus, jaziam no fundo do abismo.” (ibid., 2000, p.41)

 

Em resumo, só as tropas de muares poderiam enfrentar situações ou condições tão adversas, já que as estradas não permitiam o emprego de carros de boi ou carretas puxadas por cavalos, ainda que, as tropas defrontassem com trechos íngremes dos caminhos da serra, rios sem pontes que cortavam as estradas e muitas vezes fundos demais para serem atravessados, dependendo de uma embarcação para atingir a outra margem ou levando dias a procura de um lugar mais raso.

Não tardou que o Ciclo do Ouro aliado ao Tropeirismo viesse a acarretar mudanças na paisagem da Baixada e interferisse na vida política e econômica do Rio de Janeiro. Na paisagem as conseqüências foram segundo PERES:

 

· Estabelecidas trilhas regulares de penetração, plantaram pelos caminhos, pousos para seu descanso e alimentação da alimária;

· No rastro de sua passagem alinharam as primeiras casinhas acompanhando o caminho irregular;

· Rodeados pela agricultura de subsistência e pequenos casebres, aumentaram os números de ‘vendas’, estalagem e ranchos, para descanso do tropeiros definindo a rua principal.” (ibid., p.21)

 

quanto ao Rio de Janeiro em 1763 foi elevado a sede do vice-reinado, não esquecendo a importância adquirida pelo seu porto para a exportação do ouro que para lá se destinava e o deslocamento do eixo econômico do país para o Sul.

Esse período provocou na baixada Fluminense maior fluxo de mercadorias, pessoas, intensificando-se a relação do interior com o litoral, onde as vias de circulação fluvial e terrestre tiveram maior destaque que no século anterior, marcado pela monocultura da cana.

Mesmo assim, esses primeiros séculos com a presença da cana, dos engenhos, da utilização dos rios, da movimentação nos caminhos, que apresentaram grande expressão na área não repercutiram no crescimento e desenvolvimento da mesma a ponto de atribuir-lhe funções próprias e até aglomerações, LAMEGO explica a causa:

 

“É que as curtas distâncias da cidade, o transporte fluvial e marítimo e a própria situação financeira dos colonos empenhados aos comerciantes do Rio de Janeiro que lhes adiantavam o capital em troca da produção agrícola, quase impossibilitavam a presença de intermediários naqueles portos. E assim, embora uma larga tarja de lavoura contornasse a Guanabara, os produtos alimentícios de consumo imediato, tais como a farinha, o feijão, o milho e o arroz, além das caixas de açúcar, rumavam diretamente das fazendas para o mercado carioca.” (LAMEGO, op. cit., p.199)

 

Soares também contribui na análise abordando o papel desempenhado pelas vias fluviais e os caminhos de acesso ao interior:

 

“Se as fluviais da Baixada da Guanabara não geraram aglomerados durante o apogeu do ciclo do açúcar nessa região, também os caminhos de acesso ao interior do século XVIII o Caminho Novo de Garcia Rodrigues Pais, a variante de Bernardo Proença e o Caminho de Terra Firme – por sua vez só contribuíram de início para dar maior importância à cidade do Rio de Janeiro, que teve ampliada sua área de influência e se foi projetando cada vez mais, alcançando em 1763 a situação de capital da Colônia.” (SOARES, op. cit., p.163)

 

Em linhas gerais, a Baixada, até então, não havia adquirido em suas terras, funções de grande relevância que lhe oferecesse algum progresso. Todavia, com a chegada do século XIX ela vivenciou um período auge de duração curta, que logo depois foi delineado por profundas transformações, levando-a ao declínio. Quais os fatos irão ocorrer e seus desmembramento?

 

1.2. Ciclo do café, vilas e decadência

 

Os anos de mil novecentos reservaram para o país mudanças significativas e a Baixada Fluminense dentro deste cenário foi atingida por alguns fatos decisivos para a sua vida econômica, tais como o Ciclo do Café; surgimento das primeiras vias férreas e a libertação dos escravos.

Em fins do século XVIII, aparecem as primeiras plantações de café no Rio de Janeiro e que logo se espalharam pelo vale do Paraíba atingindo também Minas Gerais e São Paulo, tem-se o início do Ciclo do Café. Na Baixada o café não chegou a substituir a cana, sendo seu cultivo pouco expressivo na área onde suas terras apresentavam-se cansadas do plantio da cana, entretanto o café provocou efeitos desencadeantes.

A monocultura cafeeira desenvolvida no plantio resultou para Baixada Fluminense no surgimento e aglomerações populacionais fixadas no ponto de encontro entre as vias de circulação aquática e terrestre; houve a intensificação e abertura de novas estradas vinculadas com aquelas oriundas no período do Ciclo do ouro; aparelhamento para armazenagem e transporte regular de mercadorias volumosas; grande fluxo de pessoas; proliferação de vários portos fluviais ao longo dos rios que deságuam na Baía de Guanabara e conseqüentemente a elevação de determinadas localidades a categoria de vilas em decorrência do ciclo cafeeiro.

SOARES relata sobre este momento:

 

“Essas aglomerações que se desenvolveram em certos portos fluviais da baixada, não deveram sua existência às necessidades de organização da zona circulante e sim às necessidades do movimento de mercadorias e de viajantes de regiões distantes, facilitando-lhes o escoamento de sua  produção e o provimento de suas necessidades.

Apesar de levadas à categoria de ‘vilas’, na primeira metade do século XIX, em decorrência da importância que adquiriram neste tráfego entre o porto e seu hinterland, elas não apresentavam muitas das características que fazem de um aglomerado uma verdadeira cidade. Nessas vilas-entrepostos, a mercadoria das pessoas que animavam sua vida e lhe davam movimento eram elementos em trânsito, que ali estavam de passagem ou para tratar de negócios, como tropeiros, viajantes, mercadores, comissários de café, sendo a população estável pequena e constituída, predominantemente, por negociantes, botequineiros e ferradores.” (ibid., p.165)

 

Ela ainda nos fala das características dessas “vilas” denominada de “vilas-entrepostos”, “(...) eram acima de tudo depósitos, onde ficavam as mercadorias com destino ao interior (fardos da fazenda, sal, etc) ou os produtos que desciam da serra, principalmente o café, aguardando praça nas embarcações que os levariam até o porto do Rio de Janeiro.” (ibid., p.165)

 

LAMEGO menciona o caso de Itaguaí que até antes o Ciclo do Café era um imenso território dominado pelos jesuítas, fundação de colégios e aldeias indígenas, mas com o advento do café tal situação é modificada, pois o produto agrícola que passava por ali a caminho do Rio de Janeiro ou parava para o embarque fluvial e marítimo, ocasionou na construção de casas, vendas, lojas à beira da estrada, assim como, a edificação de um pelourinho no meio de arbustos que cobria o terreno entre a estrada e a aldeia de Itaguaí. Mediante ao exposto Itaguaí foi elevada a categoria de vila, fato relacionado a fatores externos.  

O mesmo ocorreu com Iguaçu que foi elevada a vila em 1833, povoado localizado à margem direita do rio Iguaçu por onde passavam as tropas em direção ao Porto de Pilar, início do Caminho de Garcia Pais. A vila de Iguaçu adquiriu importância devido seus portos fluviais fixados no rio de mesmo nome.

Também tem-se a criação da Vila de Estrela, em decorrência do seu porto à margem do Rio Inhomirim e cuja população ao redor denominava-se Estrela. Além de ponto inicial do Caminho do Inhomirim que tornou-se o preferido pelos tropeiros por ser menos íngreme e mais próximo ao vale do Paraíba.

Tanto o porto de Iguaçu quanto o de Estrela embarcavam a produção cafeeira da serra, porém Iguaçu enfrentava a concorrência do porto de Estrela que realizava a navegação a vapor, sem contar com a diminuição do seu volume d’água em conseqüência do desmatamento da serra Tinguá que alimentava suas nascentes.

Se a primeira metade do século XIX representou para a Baixada um momento de opulência, foi justamente a partir da segunda  metade que a mesma entra num período de decadência e abandono.

Primeiramente, o grande tráfego de mercadorias e principalmente do café que transitava pela Baixada através de seus caminhos e rios, ficavam à mercê das inconveniências naturais dos rios, como a dependência da maré nos baixos cursos, o baixo nível das águas no tempo das secas, o constante entulhamento dos rios e canais e grandes ventanias.

Essas dificuldades encontradas para o escoamento das mercadorias e produtos agrícolas levavam a procura de soluções achando-as nos trilhos, ou seja, na instalação de vias férreas. No dia 30  de abril de 1854 Mauá inaugura a primeira estrada de ferro do Brasil saindo de Magé em direção à Raiz da Serra, depois prolongada até Petrópolis e Areal, marcando o início do surgimento da ferrovia que irá drenar o movimento comercial no transporte de mercadorias e do café, até então realizada pelos caminhos que levavam ao interior e principalmente pelos rios que deságuam na Baía de Guanabara permitindo o acesso ao Porto do Rio.

Com a implantação da primeira linha férrea, não tardou e outras surgindo, inclusive partindo do Rio de janeiro em direção a Baixada Fluminense. Em 1858, foi inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro Central do Brasil, que passava pelas estações de Maxambomba (atual estação de Nova Iguaçu) e Queimados que logo se estendeu a Belém (atual Japeri), chegando ao vale do Paraíba em 1864.

Outra estrada de ferro cortou a Baixada, foi a estrada de ferro Leopoldina Railway que tinha seu ponto inicial em São Francisco Xavier, chegando em Duque de Caxias em abril de 1886.

Belford Roxo foi outra área agraciada pelos trilhos com a implantação da Estrada de Ferro Rio d’Ouro (atual ramal Belford-Roxo – Central do Brasil) que também passava por São João de Meriti, não só usa estrada de ferro, como a Linha auxiliar que teve sua construção iniciada de 1892 e ia em direção a Estrada de Ferro Central do Brasil encontrando-a em Japeri. Nesse percurso, a Linha auxiliar cruzava os bairros de Éden e Tomazinho em São João de Meriti.

A ferrovia contribuiu de maneira decisiva para a crise na Baixada Fluminense, outros fatores atuaram de forma definitiva, a abolição da escravidão em 1888, contudo a própria proibição do tráfico negreiro em 1850, já havia provocado efeitos sobre a área que utilizava-se dessa mão-de-obra para movimentar engenhos; a monocultura canavieira; cultivo nas várzeas; abertura de valas, regos e canais tornando as terras mais enxutas; limpeza, desobstrução e conservação dos rios e canais; a decadência da vida agrícola que esbarrava com as terras desgastadas pela cultura canavieira e a concorrência da cana campista.

Temos os elementos que dão conta do declínio econômico da Baixada, a ferrovia; a falta de mão-de-obra; as condições de desgaste dos solos que conseqüentemente afetou a agricultura; o abandono dos rios e canais com o surgimento dos brejos aliado ao aparecimento do impaludismo e o desinteresse do Rio de Janeiro pela área.

Com a implantação da ferrovia na Baixada, ela atendeu a demanda solicitada ao transporte de café que vinha sendo realizada por via terrestre e fluvial, exposto a todos os perigos no trânsito do interior ao porto do Rio, levado pelas tropas que percorriam os caminhos terrestre ficando armazenado nas vilas-entreposto para seguir viagem pelos rios.

Até esse momento o café foi responsável pela construção de um aparato em função de si mesmo (trapiches; estabelecimentos comerciais que giravam com vultosos capitais) que provocou a elevação de localidades a vilas, porém a ferrovia promoveu a decadência dessas áreas, sofrendo esvaziamento e abandono. O esvaziamento populacional devido a diminuição do fluxo de pessoas, incluindo negociantes do café estabelecidos no local ou não, dos tropeiros (chegando ao fim do ciclo do troperismo) e o abandono da área agravado pela ausência da conservação dos rios, dos lugares propícios ao encharcamento e a invasão do mato sobre os caminhos e conseqüentemente o aparecimento de doenças devido as condições insalubres.

Os trilhos localizados nas áreas livres de alagamento mais próximo ao sopé dos morros atraíram o surgimento de casas ao seu longo e as terras e fazendas foram valorizadas, além de atrair o deslocamento populacional que antes se dava próximo aos rios.

Se grande parte da Baixada Fluminense na segunda metade do século XIX foi assolada por um período de decadência na sua economia que também refletia o descaso das autoridades em reverter tal quadro, isso, contudo, não significou a ausência de atividade.

Em terras pertencentes a Itaguaí que devido o trânsito do café fora elevada a categoria de vila, quando tem sua economia atingida pela mudança do meio de transporte ferroviário adotado pelos cafeicultores, encontra nas planícies o desenvolvimento da pecuária que chegou a surpreender em rendas.

Outro caso deu-se nas terras de Magé menos afetada pela crise, que, por exemplo, Iguaçu, de seus portos Mauá e Estrela desembarcavam pequenas embarcações a vapor que escoavam a produção de café vinda da serra. Entretanto, os dois principais portos na Baixada eram o próprio Estrela e Iguaçu, sendo aquele mais próximo ao porto do Rio e a serra. Ainda na primeira metade do século XIX instalou-se em suas terras por iniciativa de D.Pedro I uma fábrica de pólvora transferida da Lagoa Rodrigo de Freitas e concluída sua construção em 1831 nas proximidades do porto de Estrela. Para seu funcionamento foram adquiridas três fazendas a da Cordoaria, da Mandioca e do Velasco porque eram abundantes em mananciais e matas, atendendo a demanda solicitada pela fábrica que mais tarde abasteceu o exército imperial e os aliados durante a Guerra do Paraguai.

Já na segunda metade do mesmo século tem-se a implantação da indústria têxtil com as fábricas Pau Grande, Andorinhas e depois no século seguinte a Fábrica de Tecidos Esther. No caso da fábrica Pau Grande, ela promoveu a criação de vilas operárias, escolas, igrejas, armazéns e o desenvolvimento de atividade agrícola.

Em linhas gerais, as últimas décadas do século XIX reservou para a Baixada Fluminense um período de crise  e declínio econômico, mas que teve na última década em meio a tal fase plantada a semente que ofereceu a área uma nova etapa de desenvolvimento econômico.

 

 

 

 

1.3. O último ciclo monocultor e a transição de um espaço predominante rural para

        urbano – conclusão

 

Os anos noventa do século XIX marcaram o início do cultivo de um produto agrícola que proporcionou à Baixada Fluminense, em especial as terras de Nova Iguaçu (que englobava ao que corresponde atualmente aos municípios de Queimados, Belford Roxo, Nova Iguaçu, Japeri, São João de Meriti, Mesquita, Nilópolis, Duque de Caxias) um novo desenvolvimento econômico para área. Tratava-se do plantio, cultivo e o beneficiamento da laranja.

Fatores de ordem geográfica, infra-estrutural e naturais faziam desta área um lugar atrativo para o desenvolvimento da citricultura.

Geograficamente mais uma vez é apontada a proximidade ao Rio de Janeiro, ao seu mercado consumidor e ao seu porto. Na questão infra-estrutural é ressaltado o fato da área ser cortada pelo transporte ferroviário que permitia o recebimento de mercadorias e matéria-prima, escoamento da produção e acesso fácil ao porto por meio dos trilhos. Associado a infra-estrutura a presença de grandes latifúndios decadentes que foram aos poucos retalhados em sítios e chácaras destinados a citricultura. Houve o interesse político no desenvolvimento dessa atividade agrícola demonstrada por Nilo Peçanha, então presidente do Estado e da República em relação ao frete, ao transporte, a conservação da laranja, como a isenção de direitos aduaneiros sobre frutas entre o Brasil e Argentina. O mesmo ainda promoveu obras de drenagem e recuperação das regiões pantanosas próximas aos rios Iguaçu, Sarapuí, Inhomirim e Pilar, proporcionando a proliferação dos laranjais.

Já as condições naturais nas terras de Nova Iguaçu apresentavam-se favoráveis, com solo do tipo argilo/arenoso, clima quente e úmido, grande parte do seu território composto pelas abas, encostas e contrafortes da serra de Madureira e pela região de morros que antecede a serra do Mar, essas encostas possibilitaram o escoamento do excesso de água e a insolação necessária à qualidade do fruto, ou seja, um quadro natural propício ao cultivo da laranja.

Numa primeira fase os laranjais se localizaram nas zonas de morros, nos contrafortes e mesmo nas encostas íngremes da serra de Madureira, porém com a valorização da laranja, ela começou a lastrar-se pelas baixas colinas e planície onde loteadores e cultivadores drenaram a planície com a abertura de valetas, permitindo a ocupação pelos laranjais.

O plantio da laranja ocorria em pequenas propriedades e como já foi mencionado anteriormente, as condições fundiárias nas terras de Nova Iguaçu eram marcada pelos grandes latifúndios decadentes, tornando essas propriedades alvo de fracionamento por firmas ou seus próprios proprietários na época que a laranja desencadeava seu desenvolvimento e apogeu, período compreendido entre 1920 e 1940.

O desenvolvimento e crescimento do cultivo da laranja encontraram nos capitais um fator determinante, associado ao ambiente de incentivo e apoio a citricultura. A presença dos investimentos dava-se da seguinte maneira, segundo salienta SOARES:

 

“(...) financiando a constituição de laranjais para obtenção da fruta para a exportação, quer pela compra de grandes áreas para fragmentação e venda, sob a forma de chácaras já plantadas com laranjeiras, quer pela aquisição e plantio de imensas propriedades com laranjais, quer ainda, pela instalação em certos pontos da região e, principalmente, na cidade, de packing-houses – os barracões – para beneficiamento do produto. Os próprios elementos tradicionais do município, possuidores de grandes propriedades improdutivas, com o êxito da citricultura e, diante da crescente procura de terras para o plantio de laranjeira, passaram a subdividi-las arrendá-las e, finalmente, eles próprios começaram a constituir os seus laranjais. (SOARES, op.cit., p.205)

 

Vindas do Rio de Janeiro muitas firmas empreenderam seu capital na aquisição de grandes extensões de terra que as subdividiam e as arrendavam para o plantio da laranja, encarregando-se as próprias firmas no beneficiamento e exportação, atitude também adotada por alguns proprietários particulares de terras.

Mediante a multiplicação de propriedades aptas a lavoura citricultora, em especial entre os períodos de 1920 a 1940, tem-se um aumento populacional na área rural, decorrente do fluxo de mão-de-obra utilizada, incluindo-se assalariados, meeiros e lavradores.

Sendo assim Nova Iguaçu (sua área central) tornou-se ao longo do tempo um posto de concentração, beneficiamento e exportador (graças a presença da ferrovia) da produção citrícola praticada em suas terras, que corria em várias localidades como Belford Roxo, Queimados, Nova Iguaçu, Japeri, São João de Meriti, Mesquita, Nilópolis. Devido sua grande extensão territorial, Nova Iguaçu dividida em distritos não era homogênea, características apontadas no relato de SOARES:

 

“(...) [Nova Iguaçu] centro administrativo de um município amplo e muito diversificado, que se compunha de nove distritos: Nova Iguaçu, Queimados, Cava, São João de Meriti, Bonfim, Xerém, Nilópolis, Duque de Caxias e Estrela. Três áreas com características diferentes podiam ser distinguidas no município. A primeira era construída, aproximadamente; pelos distritos de Cava, Queimados, Xerém e Estrela, compreendendo grande área de relevo acidentado, mas também zonas pantanosas, com vastas extensões recobertas de florestas ou de mangues e fracamente povoadas nas quais predominavam os latifúndios. Outra área, constituída pelo distrito de Iguaçu era intensamente aproveitada para a citricultura; nela a terra estava grandemente fragmentada e apresentava apreciável densidade de população. Finalmente, uma área ainda menor, vizinha ao antigo Distrito Federal e constituída pelos distritos de Nilópolis, São João de Meriti e Duque de Caxias, se caracterizava por população densa, de tipo suburbano, que mantinha relações de trabalho diário com a metrópole. Tal área já se revelava auto-suficiente em relação à sede municipal no setor de comércio (subsistência e primeira necessidade) e de serviço e apresentava, também, incipiente função industrial.” (ibid., p.209)

 

Assim, Nova Iguaçu assume papel de centro beneficiador da laranja, chegando a beneficiar a produção praticada em Campo Grande, Santa Cruz e Bangu, e ponto de embarque da maior parte da produção cítrica ao seu redor. Em conseqüência de sua importância, o poder público local e até a iniciativa privada investiram na abertura, melhoria e conservação de estradas facilitando várias partes de Nova Iguaçu e acesso a área central, tanto para a chegada da produção laranjeira quanto para uso dos lavradores, moradores que se dirigiam a sede.

Contudo, mais uma vez, o progresso que atingiu Nova Iguaçu e por conseqüência grande parte da Baixada Fluminense, não repercutiu de maneira a proporcionar especificamente ao distrito de Nova Iguaçu a capacidade de formação de um núcleo urbano, onde sua área territorial fosse influenciada efetivamente, caracterizando-se pela diversificação do comércio, proliferação da indústria, mudança na hierarquização dos centros.

Mesmo toda a riqueza produzida não se reverteu num aumento em área ou população (só acontecendo no campo), isso porque apenas um pequeno grupo com negócios de arrendamento de terras, beneficiamento e exportação da laranja residia no município, construindo belas residências e principalmente o papel preponderante do Rio de Janeiro nesse ciclo, atuando da mesma forma que ocorreu no período do café, conforme descreve SOARES:

 

“(...) como o comércio do café, no passado, a laranja traria as maiores vantagens para a própria metrópole, através do movimento de seu porto, do lucro de seus bancos e da riqueza dos exportadores. Nem mesmo sôbre todo o município de que era a sede, Nova Iguaçu pode exercer sua influência, pois desde cedo, a metrópole lançara seus tentáculos sobre as áreas municipais que lhe eram contíguas, as quais passaram a ter existência quase autônoma, a tal ponto que, com o correr dos anos, se transformariam em outros tantos municípios (São João de Meriti, Nilópolis e Duque de Caxias).” (ibid., p.213)

 

Se na primeira metade do século XX predominava na Baixada Fluminense a ocupação das suas terras sobre a forma de chácaras, sítios e fazendas com a população ocupada no campo direcionada para o plantio e cultivo da laranja, isso não se caracterizou como um fenômeno unânime. Já desde o final do século passado, tem-se o registro de residências localizadas próximas ou ao redor da via férrea e esse processo ganhou maior destaque no século seguinte, intensificando-se a partir da sua segunda metade.

Em terras hoje que pertencem a Duque de Caxias, o primeiro lote data de 1918, este em uma área ao longo da ferrovia, outros são abertos em 1922 dando origem aos futuros bairros Vila Centenário, Vila Itamarati e Parque Lafaiate. Nilópolis também conheceu o início do retalhamento de suas terras pela mesma época, quando em 1916 João Alves de Mirandela com sua propriedade situada na parada ferroviária Engenheiro Neiva (atual Nilópolis) realiza tal feito.

O período compreendido entre 1920 a 1940 representou para área de desenvolvimento da citricultura sua melhor fase, porém as terras que pouco sua influência vivenciou foram mais afetadas pelo parcelamento de suas glebas, principalmente as mais próximas ao Rio de Janeiro.

Em decorrência do período econômico favorável houveram investimentos públicos direcionados para a área, com a expansão do sistema de transporte na abertura de rodovias no final da década de 20 do século XX, como as: Rodovia Washington Luiz, a antiga Rio - São Paulo, a Avenida Automóvel Club; expansão da rede elétrica; implantação do programa de saneamento da Baixada (elaborado pelo governo de Getúlio Vargas, em 1934) visando solucionar problemas que sempre a assolam, possibilitando desenvolvimento dos transportes e ocupação de terras; além da eletrificação da ferrovia ramal Central do Brasil – Japeri em 1938 até Nova Iguaçu, atingindo Japeri em 1943.

Como todos os ciclos que atingiram a Baixada Fluminense proporcionando um período de apogeu econômico, a citricultura também encontrou seu declínio e conseqüentemente sua repercussão negativa na área.

Além de Nova Iguaçu, São Paulo e Campo Grande eram produtores de laranja. A produção citricultora realizada em Nova Iguaçu tinha nos mercados consumidores da Inglaterra, França, Canadá, Argentina, Suécia, Noruega e Finlândia seu destino.

Não obstante este ciclo começou a apresentar os primeiros sintomas de seu declínio, depois agravado por outros fatos que levaram a decadência do cultivo da laranja, entrando a Baixada Fluminense numa fase de transição e transformação desse espaço.

SOARES (1964) aponta os vários elementos que acarretaram a crise da citricultura, entre eles foram: o grande abalo sofrido pelas exportações brasileiras de laranja decorrente da eclosão da 2ª Guerra Mundial, fazendo com que um do seu principal mercado consumidor, o europeu, não demandasse mais pelo produto, sobrando apenas a Argentina e o próprio mercado interno; a inexistência de um grande frigorífico localizado no porto evitando que os frutos estragassem na espera do transporte e facilitando a exportação, assim como, possibilitando um maior controle da produção e impedindo que quando ocorresse uma grande oferta no mercado argentino, não ocasionasse a queda do preço. Contudo, ficou por conta dos navios frigoríficos de companhias estrangeiras e transporte da mercadoria perecível.

Havia problemas no transporte das chácaras produtoras aos pontos de embarque ferroviário, seja por meio dos caminhões afetados pelo racionamento e escassez de combustível, encontrando-o no mercado negro com custo crescente, além do próprio transporte ferroviário já se apresentar deficiente, prejudicando uma melhor distribuição do produto no mercado interno e mesmo a ampliação do mesmo.

A eclosão da 2ª Guerra Mundial envolvendo a Europa no conflito e fatalmente as exportações brasileiras de laranja, por ela ser um dos principais mercado consumidor brasileiro, aliado aos problemas relacionados à ausência de investimentos e melhoramento do transporte e armazenamento do produto, explica, em parte, a crise citricultora alcançando sua decadência e fim.

Em conseqüência do quadro apresentado, SOARES (1964) menciona que não tardou para que a crise se agravasse surgindo a praga da mosca do mediterrâneo, decorrente do apodrecimento das frutas nos pés devido à carência de transporte e compradores e até o órgão criado carregado de fiscalizar, proteger a citricultura demonstrou-se ineficiente e desonesto.

Diante de tal conjuntura os citricultores vivenciaram extremas dificuldades vinculadas a falta de mercado consumidor; transporte ineficiente e de alto custo; endividamento; estado precário dos pomares e abandono da limpeza e tratamento dos laranjais associado ao seu baixo rendimento, que com o lucro obtido não cobria as despesas nem o aumento crescente da mão-de-obra utilizada, que via nas indústrias instaladas no Rio de Janeiro um grande atrativo; e para encerrar em definitivo o cultivo da laranja, aqueles citricultores que lutaram e resistiram a crise mantendo seus pomares em boas condições, foram proibidos de exportar o produto numa atitude do governo de atender ao mercado interno.

A partir deste momento finaliza-se o ciclo da laranja, iniciando a transição e transformação do espaço da Baixada Fluminense onde chácaras ou terras destinadas ao cultivo da citricultura são fracionadas dando lugar a pequenos lotes residenciais para venda direta ou para construção, venda ou aluguel de casas, saída adotada por vários citricultores vendo o fim deste ciclo e estando endividados.

O fim da citricultura repercutiu em definitivo na transformação do espaço rural em “urbano”, já que o Rio de Janeiro consolida-se mais uma vez na absorção e influência de sua área contígua.

Essa influência está estritamente relacionada ao processo de industrialização que atinge o país durante os anos da 2ª Guerra Mundial, orientando-se para a substituição de importações com a implantação progressiva das indústrias de bens de consumo durável e bens de capital prosseguindo pelas décadas seguintes, cabendo a Região Sudeste, principalmente os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, papel concentrador. Esse processo culminou na mudança da imagem de um país predominantemente agrícola e rural para um país urbano-industrial, tendo a interferência do Estado como agente estratégico na economia e em especial em setores de atividades voltadas para a infra-estrutura.

Após o término da 2ª Guerra Mundial intensifica-se a ocupação nas áreas próximas ao Rio de Janeiro e a Baixada Fluminense torna-se alvo da proliferação de loteamentos e especulações de terra, especialmente onde o plantio de laranja fazia-se presente mas já não fornecia retorno econômico para os agricultores. Além do aumento dos loteamentos que ocorre, o final da década 40 do século XX representa para Nova Iguaçu a perda de território dando origem a três novos municípios no Estado: Nilópolis, São João de Meriti e Duque de Caxias, que já apresentavam a presença de loteamentos de maneira mais acentuada, além de sofrerem maior influência do Rio de Janeiro.

O grande fluxo de migrantes, principalmente de nordestinos, após a década de 50 século XX em direção ao Rio de Janeiro, na busca de melhores condições de vida e oportunidade de trabalho promovida pela industrialização, acarretou na ocupação da periferia, já que o Rio de Janeiro não apresentou capacidade suficiente nem tão pouco planejamento para absorver esse contingente populacional, associado ao alto custo da moradia imposto pelo mercado imobiliário excluindo a população de baixa renda, restando a ela procurar as áreas periféricas localizadas mais próximas ao Rio de Janeiro, transformando as mesmas em cidades dormitórios.

É nesse cenário que a Baixada Fluminense se inseri como área de expansão do Rio de Janeiro, apresentando a proliferação de loteamentos com baixo custo da moradia e carência de infra-estrutura na sua grande maioria. Segundo CARNEIRO (2001), a expansão da periferia se dava com a valorização dos loteamentos que adquiriam alguma infra-estrutura obtida por meio da mobilização da população, já que o Estado não demonstrava interesse em promover a mesma, com isso os outros loteamentos próximos se valorizavam atraindo população com poder aquisitivo melhor e os proprietários dirigiam-se para áreas mais distantes reproduzindo o mesmo processo.

A integração da Baixada Fluminense ao Rio de Janeiro teve como espinha dorsal a linha férrea, ramal Central do Brasil-Japeri, ocorrendo uma ocupação concentrada não se dando o mesmo na Rodovia Presidente Dutra entregue ao tráfego em 1951. Tal importância da ferrovia pode ser justificada no valor atribuído aos lotes localizados próximos a ela, sendo mais valorizados, devido o tráfego de trens destinado ao transporte coletivo, levando os trabalhadores residentes na área ao Rio de Janeiro, local de trabalho. No caso da Rodovia Presidente Dutra, CARNEIRO (2001) argumenta que a política destinada a esta rodovia era o transporte de cargas aproveitando o Vale do Paraíba e a proximidade com São Paulo; embora existisse poucos loteamentos já era possível o acesso as terras não atingidas pela ferrovia.

Assim, o período entre o final da década de 40 até 60 do século XX caracterizou-se numa expansão urbana acentuada que direcionou-se pelo eixo ferroviário e deu origem a uma periferia próxima ao núcleo do Rio de Janeiro. Dados do censo demográfico do IBGE 1950 e 1960 registram esse grande acréscimo populacional com decréscimo no de 1970, onde merecem ser destacados esses números e seus respectivos municípios, conforme tabela 1.

                                           TABELA 1

                       População na Baixada Fluminense

Município

1950

1960

1970

Duque de Caxias

         92.459

         241.026

         431.397

Nilópolis

          46.406

           95.111

         128.011

Nova Iguaçu

       145.649

         356.645

         727.140

São João de Meriti

         76.462

         190.516

         302.394

        Fonte: IBGE. Censo Demográfico 1950, 1960 e 1970.

 

Se a industrialização provocou um grande fluxo de migrantes para a capital e os altos preços dos terrenos junto a incapacidade de absorção de todo esse fluxo pelo Rio de Janeiro, destinaram os migrantes para área mais próxima encontrando disponibilidade de terra farta decorrente do fim da atividade motriz desenvolvida que era o cultivo da laranja, gerando um período de loteamentos carentes em infra-estruturas, como a Baixada Fluminense além da especulação de terras, se enquadrou nesse novo período de transformação para o modelo de desenvolvimento urbano-industrial.

Dados dos censos industriais do IBGE 1960, 1970 e 1980 apresentam as décadas sucessoras ao fim da agricultura como atividade econômica predominante e referente ao processo de industrialização que se realiza no país e nas várias unidades estaduais. No nosso caso específico, a Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro, é caracterizada pela presença de estabelecimentos industriais ligados aos gêneros de minerais não metálicos; metalurgia; mecânica; material elétrico e de comunicações; material de transporte; madeira; mobiliário, papel e papelão; borracha; química; farmacêutico, perfumaria; produtos de material plástico, têxtil; vestuário, calçado e artefato de tecidos; produtos alimentares, editora gráfica e outras.

Todos esses gêneros apresentam aumento na quantidade de novos estabelecimentos na Baixada Fluminense, com destaque para metalurgia; material elétrico e telecomunicações; material de transporte; mobiliário; química; produtos de material plástico; têxtil; vestuário, calçado e artefatos de tecidos; produtos alimentares e editora gráfica. Os municípios mais abrangidos pelos gêneros industriais descritos foram Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São João de Meriti e em menor destaque Nilópolis e Magé.

Mesmo registrando atividades industriais diversificadas, a Baixada Fluminense configurou-se em relação ao Rio de Janeiro como área de influência onde sua população recorria em busca de emprego, serviços públicos gratuitos, lazeres insuficientes na sua área de origem.

Como já mencionado, a segunda fase da industrialização brasileira que se concentrou na Região Sudeste com peso maior em São Paulo, depois Rio de Janeiro, neste não se disseminou em todo seu território, culminou com a adoção de uma política de criação de distritos industriais com o objetivo de descentralizar a atividade industrial existente, onde diversos estados abraçaram, isso na década de 70 do século XX.

Essa política de caráter nacional foi aderida pelo Estado do Rio de Janeiro e dois municípios da Baixada foram contemplados, Duque de Caxias e Nova Iguaçu em fins da década de 70 do século XX. Novo Iguaçu composto pelos setores de material elétrico, metalúrgico e mecânico e Duque de Caxias os ramos químico, mecânico e metalúrgico, município este que na década de 50 do século XX recebeu uma refinaria de petróleo REDUC (Refinaria Duque de Caxias).

Apesar do processo de industrialização, o Estado foi perdendo seu posto de 2ª economia do país, cujo modelo de desenvolvimento estava calcado no “Estado dependente” (FIRJAN, 2002) devido a cidade do Rio de Janeiro ter sido a capital do país até 1960 onde foram instaladas sedes de várias empresas estatais ou órgãos federais, como BNDES, PETROBRAS, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). O fator determinante para perda desse posto foi a indefinição de um modelo de desenvolvimento para sua economia.

Em linhas gerais, a partir da segunda metade do século XX a Baixada Fluminense exerce um papel de periferia e área de expansão da cidade do Rio de Janeiro. Ao contrário do que ocorreu nos séculos anteriores, em que sua vida econômica estava mais direcionada as atividades que atendiam a demanda externa como o cultivo cana-de-açúcar, mineração servindo suas terras de caminho as áreas de exploração em Minas Gerais e a citricultura.   Porém, todas essas fases não proporcionaram o desenvolvimento da área e de sua população, embora sua posição geográfica tenha sempre sido privilegiada, o que retrata a ausência de uma política de desenvolvimento econômico planejada pelos governos visando estimular e aproveitar seu potencial. 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

CARNEIRO, Sergio Arthur Trindade. Os (des) caminhos do migrante nordestino em 

      Nova Iguaçu (RJ): de uma periferia a outra. Niterói. Monografia de conclusão de

      graduação em Geografia.UFF, 2001.

LAMEGO, Alberto Ribeiro. O homem e a Guanabara. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1964.

PERES, Guilherme. Tropeiros e viajantes na Baixada Fluminense. Rio de Janeiro:

    Gráfica Shaovan Ltda, 2000.

POLYDORO, Leonardo. Nova Iguaçu: uma nova identidade territorial?. Niterói

.     Dissertação de Mestrado em Geografia. UFF, 2002.

SOARES, Maria Therezinha de segadas. Nova Iguaçu: absorção de uma célula urbana

      pelo grande Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia. Ano24, n.2, p.157-241,

      abr.-jun.1952.



[1] Geógrafa formada no curso da Universidade Federal Fluminense. E mail: mcidauff@bol.com.br . O presente texto corresponde ao primeiro capítulo de seu Trabalho de Conclusão de Curso.

Retorna