Ano 7, nº 13, 2008 Janeiro/Junho de 2008 ISSN Nº 1677-650 X Revista indexada ao Latindex Revista classificada pelo Dursi Revista classificada pela CAPES |
CÓDIGO DE 1934: ÁGUA PARA O BRASIL INDUSTRIAL
Maria Elisabeth Duarte Silvestre
RESUMO
Este artigo pretende analisar o sentido da regulação do uso da água doce presente no Código de Águas brasileiro, editado em 1934. Procura-se mostrar que esse instrumento jurídico-legal respondeu às necessidades colocadas por um projeto que pretendia transformar o Brasil em país moderno, industrializado. A concretização desse projeto apontava para a elevação e diversificação do consumo de água e energia. Assim, no bojo de uma profunda e ampla reforma do Estado, foi instituído um novo ordenamento jurídico-institucional disciplinando a apropriação e o uso da água doce, elemento insubstituível e essencial à vida, mas, também, ao processo de acumulação. O Brasil desenvolveu-se, tornou-se um país industrial e urbano. Milhões de brasileiros ainda hoje não têm acesso à energia elétrica e água potável, mas água e energia não faltaram ao capital. O Código cumpriu seus propósitos. Porém, o desenvolvimento trouxe novos problemas e, na década passada, paralelamente a uma nova reforma do Estado, foi promulgada a lei 9.433/97, prometendo, assim como o antigo Código, conferir ‘racionalidade’ ao uso da água.
Palavras-chaves: desenvolvimento, racionalidade, direitos, legislação hídrica.
ABSTRACT
This article intends to analyze the sense of the
regulation for the fresh water’s use that stands in the 1934 Brazilian
Water Code. It shows that this legal instrument responded the needs put forward
by a project that claimed to turn Brazil into a modern, industrialized country.
Making this project real would imply the rise and diversification of water and
energy consumption. Therefore, along with a large and profound State’s reform, a new legal-institutional order was established, organizing the use and appropriation of fresh
water, an irreplaceable element which is essential to life, but also to the
accumulating process. Brazil has developed, became an industrial and urban country. Millions of Brazilians still don’t
have access to electrical energy nor drinking water nowadays. However, water
and energy never failed towards the capital. The Code has achieved its purposes, but development brought new matters. By the past decade, along
with a new State´s reform, the 9.433/97 law was promulgated, bringing the
promise, as did the former Code, of granting ‘rationality’ to the water’s use.
Key-words: development, rationality, rights, hidrologicals laws.
Introdução
O Código de Águas, instituído pelo Decreto 24.643 de 10 de junho de
1934, ainda que modificado por novas leis e decretos-lei e complementado por
legislação correlata sobre meio ambiente, irrigação e obras contra a seca,
consubstanciou a legislação brasileira de águas até a promulgação da Lei 9.433
de 08 de janeiro de 1997. A lei de 1997 não o revoga, mas altera alguns de seus
princípios fundantes.
Considerado, por técnicos e políticos, avançado para a época em que foi
elaborado, o Decreto 24.643/34 procurou atender às demandas de um País que se
urbanizava e era palco de importantes transformações econômicas, sociais e
políticas. Um País servido por abundância relativa de água e grande potencial hidro-energético no qual se fortalecia o ideário do
desenvolvimento, identificado à industrialização.
Composto por três “Livros” - águas em geral e sua propriedade (Livro I),
aproveitamento das águas (Livro II) e forças hidráulicas – regulamentação da
indústria hidrelétrica (Livro III), o Código de 1934 é bastante abrangente:
trata das águas doce e marinha, das águas superficiais e
subterrâneas, das águas pluviais, da contaminação e poluição hídrica, das
margens e dos álveos, da navegação e hidreletricidade.
Nesse artigo buscar-se-á analisar o tratamento dispensado à água doce,
aquela que possui um percentual de sal inferior a 0,05%. Procurar-se-á
evidenciar que, malgrado conter dispositivos que apontam no sentido de
reconhecer o acesso à água para consumo humano como parte do direito à própria
vida, prioriza o uso industrial da água, o que, em última instância, sublinha
sua apropriação dirigida à reprodução do capital.
Duas são as perspectivas de abordagem da água doce presentes no Código –
a água como elemento essencial à vida e a água como insumo indispensável ao desenvolvimento.
Assim, por um lado, trata dos direitos individuais e estabelece normas de
conduta regulando, por exemplo, as relações de vizinhança entre usuários; por
outro, cria mecanismos que estimulam a produção e distribuição de energia
hidroelétrica e promovem a centralização do poder, instrumentalizando o Estado
para exercer controle sobre essa atividade.
A natureza intervencionista do Estado e sua disposição no sentido de
propiciar meios para fazer avançar a indústria não apenas são evidentes no corpo
do Decreto 24.643: é a necessidade de estimular e de controlar o uso industrial
das águas que o justifica.
Assim, consta em seu preâmbulo que o uso das águas no Brasil
[era] regido por uma legislação obsoleta, em desacordo com as
necessidades e interesses da coletividade nacional sendo necessário modificar
esse estado de coisas dotando o país de uma legislação adequada que, de acordo
com a tendência à época observada, permitisse ao poder público controlar
e incentivar o aproveitamento industrial das águas.
Destacando que em particular a energia hidráulica [exigia] medidas
que [facilitassem] e [garantissem] seu aproveitamento racional,
o arrazoado que precede o Código anuncia o importante papel que o Estado
desempenharia na proposição dessa nova racionalidade ao afirmar que a reforma
pela qual passara o Ministério da Agricultura o havia aparelhado [...] para
ministrar assistência técnica e material indispensável à consecução dos
objetivos propostos.
Nos anos trinta, as necessidades e os interesses coletivos seriam identificados às necessidades e os interesses da indústria, matriz do desenvolvimento e da modernização que, supostamente, a todos beneficiaria. Portanto, adequada seria uma legislação que propiciasse o seu desenvolvimento e que, obedecendo à tendência nacionalista e centralizadora mundialmente em curso, permitisse ao governo federal promover e controlar setores ditos estratégicos, como a geração e distribuição de energia
O contexto que produziu o Código de Águas
O Código de Águas foi parte de um conjunto de iniciativas que, desde o
início da ‘Era Vargas’[1], atingiu os mais variados aspectos da vida brasileira. Com a chamada
Revolução de 30, finalmente começa a se concretizar um ideal acalentado desde a
segunda metade do século XIX por importantes personalidades do movimento
republicano: fazer do Brasil um país moderno, industrializado, desenvolvido.[2] A proposta era de então era:
[...] formalizar, em novos
níveis, as condições de intercâmbio e funcionamento das forças produtivas no
mercado brasileiro. Além disso, pretendia-se também, estabelecer novos padrões
e valores, ou reafirmar os padrões e valores específicos das relações e
instituições de tipo capitalista (IANNI, 1986, p. 34).
A modernização tinha possibilidades de se efetivar com relativo sucesso.
As crises internacionais de 1914-19 e 1929-31 haviam exposto a fragilidade de
uma economia baseada na exportação de produtos primários, reforçando, no campo
das idéias, a posição da parcela da elite brasileira que defendia o
desenvolvimento da indústria. Ademais, independentemente das controvérsias
acerca da forma, extensão e profundidade com que tais momentos afetaram a
indústria no Brasil, sem dúvida algumas das políticas adotadas face à crise de
1929-31 eram potencialmente estimuladoras da atividade industrial. A manutenção
de um certo nível de renda do setor exportador – via
compra de café pelo governo –, a desvalorização monetária, o controle das
operações cambiais, o aumento das restrições e dos impostos sobre as
importações, são exemplos dignos de nota (FURTADO, 1970).[3]
Por outro lado, a partir dos primeiros anos da década de 1930, o Brasil
já oferecia condições para o desenvolvimento do capital industrial: reunia
capital monetário concentrado nas mãos de determinada classe social, a força de
trabalho se tornara mercadoria e o mercado interno era substantivo.
Assim, conforme João Manuel Cardoso de Mello (1987), com decisivo apoio
do Estado foi possível responder à crise com uma nova fase do processo de
acumulação capitalista – a industrialização restringida (1933-1955).
Segundo o mesmo autor, a partir de então a dinâmica da acumulação passa a
assentar-se na própria indústria e não mais no setor cafeeiro; daí tratar-se
efetivamente de um processo de industrialização. Entretanto, como o crescimento
da capacidade produtiva era inferior à demanda e não havia grandes
descontinuidades tecnológicas frente ao período anterior, tal processo ainda
seria restringido.
Industrialização implica ampliação e diversificação da produção,
produzir mais em um período de tempo cada vez menor, ou seja, aumento de
produtividade. Significa dizer que pressupõe elevação da capacidade humana para
transformar ou ‘dominar’ a natureza, base material da produção. Porém, para que
as técnicas de dominação da natureza possam se desenvolver [...] é
preciso que se construam determinadas condições políticas e jurídicas (PORTO-GONÇALVES,
2004, p. 39). No caso brasileiro, como foi dito, o projeto modernizador deveria
firmar padrões, valores, relações e instituições tipicamente capitalistas.
Nessa perspectiva o Estado passaria por ampla e profunda reforma. Sua
face coercitiva, isto é, aparelhos repressivos (exército, polícia, leis etc.),
assim como sua face ideológica (educação, sindicatos, partidos políticos etc.),
através da qual procura-se garantir a dominação também
através do consenso (GRAMSCI, 1984), seriam profundamente revolvidas.
Entre 1930 e 1945 fortalece-se o poder central, os princípios
federativos são suspensos e a capacidade interventora do Estado se vê multiplicada.
A Constituição e o aparato jurídico-institucional foram modificados; novos
ministérios, institutos e organismos os mais diversos foram criados na
administração federal. Para discutir e propor caminhos, visando alcançar o
almejado desenvolvimento, diversas comissões de estudos e debates foram
instaladas. O ambiente sócio-cultural do País sofreu significativas alterações.
Nas sociedades capitalistas a classe dominante pode tentar impor sua
vontade não somente aos seus oponentes, mas também ao fluxo, à mudança e à incerteza anárquicos a que a modernidade capitalista sempre está
exposta (HARVEY, 1992, p.104). Para tal, o Estado dispõe de
instrumentos que lhe são próprios, como o controle da moeda e do crédito, as
prerrogativas de instituir impostos, de controlar preços e salários, de
disciplinar a concorrência e as relações trabalhistas. Conta ainda com a
possibilidade de redistribuir renda e induzir, ou desestimular, investimentos
setoriais e/ou regionais através de mecanismos creditícios e fiscais, obras de
infra-estrutura etc.
O Estado que produziu o Código de Águas utilizou os mais variados meios
para implementar seu projeto modernizador. Coerção e
aparelho ideológico foram habilmente mobilizados para combater inimigos,
direcionar fluxos populacionais e monetários (privados e públicos), realizar
obras de infra-estrutura, reconhecer, avaliar e explorar (por si ou via
estímulo aos capitais privados) os ditos recursos naturais, aguçar o sentimento
de brasilidade e assim por diante.
Na ‘Era Vargas’, o planejamento ensaiou seus primeiros passos com
o Estado procurando antecipar-se às incertezas da “modernidade capitalista”.
Datam dessa fase da vida brasileira, entre outras iniciativas, a criação do
Ministério da Educação e Saúde Pública e do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) – entidade
precursora do Banco Central –, do Conselho Federal de Comércio Exterior e do Conselho Nacional do Petróleo. Para
aprofundar a reforma administrativa, organizar e controlar a grande máquina
burocrática estatal, em 1938 foi instituído o Departamento Administrativo do
Serviço Público, DASP (IANNI, 1986).
Visando formar um setor produtor de insumos básicos, elaborou-se um
ambicioso plano de inversões e estímulo à mineração, siderurgia, química,
geração e distribuição de energia elétrica. A Companhia Siderúrgica Nacional
(1941), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Companhia Hidrelétrica do São
Francisco (1942) e a Fábrica Nacional de Álcalis (1943) são parte desse esforço
(op. cit.).
As relações entre capital e trabalho foram detalhadamente reguladas.
Estabeleceram-se regras estritas para a formação e o funcionamento dos
sindicatos impedindo que esses se fortalecessem de forma autônoma e
independente. Apesar disso, o nascente movimento operário cria raízes.[4]
Paralelamente, alguns direitos foram conferidos à classe trabalhadora
urbana – salário mínimo, jornada máxima de quarenta e oito horas semanais,
férias anuais e descanso semanal remunerados, assistência médica e carteira
profissional assinada (op. cit.).[5] Aos insubmissos restava a polícia política, especialmente ativa após
1937, sob a égide de Filinto Müller.
Conhecer as riquezas naturais existentes no território, a população que
nele vivia, a produção e sua distribuição espacial eram essenciais para o
desenvolvimento do potencial produtivo do País. Assim, a disponibilidade de
estatísticas periódicas e padronizadas e o conhecimento geográfico e
cartográfico do território nacional colocavam-se como peças fundamentais do
projeto modernizador. Para facilitar o acesso e a consulta aos dados já
existentes e executar coletas futuras, em 1934 criou-se o Instituto Nacional de
Estatística (instalado em 1936 como Conselho Nacional
de Estatística) e, em 1937, o Conselho Nacional de Geografia. A partir desses
dois órgãos constituí-se, em 1938, o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Diretamente subordinado à Presidência da República, suas
principais atribuições consistiam em executar levantamentos e sistematizar
informações acerca dos quadros físico, econômico, jurídico, político e
populacional do País, bem como realizar estudos cartográficos, divulgar a cultura
geográfica e reorganizar as unidades político-administrativas do País.
(EVANGELISTA, 2005 e 2006).
A integração do território, entendido na concepção clássica da geografia
política como território-zona, característico do que se pode denominar de
modernidade clássica, dominada pela lógica territorial exclusivista de padrão
estatal (HAESBAERT, p. 19) era fundamental à construção do Brasil
industrial. Afinal, é o território que abriga o patrimônio natural de um
país, suas estruturas de produção e os espaços de reprodução da sociedade (latu-sensu) (MORAES, 2005, p. 43).
Perseguindo tal objetivo, barreiras alfandegárias internas foram
gradativamente eliminadas, investiu-se na ampliação da infra-estrutura de
comunicação e transporte e em programas de interiorização da população.
Argumentando necessidade de assegurar a unidade econômica do
território brasileiro (Decreto 19.995 de 14/05/1931) ou remover um dos
mais sérios embaraços ao desenvolvimento do país (Decreto 21.418 de
17/05/1932), entre 1931 e 1937, sucessivos decretos e decretos-leis levariam à
eliminação, em 1943, dos impostos interestaduais e intermunicipais que
dificultavam a expansão do mercado nacional (apud CANO, 1998, p. 179).
A integração do território e conseqüente ampliação do mercado exigiriam
melhoria no sistema de comunicação entre as diversas regiões do País. Se, até
1940, o transporte de carga era feito essencialmente através de ferrovias e
navegação de cabotagem, a partir do final da década de 1930 começa a crescer a
rede rodoviária nacional. Entre 1937 e 1949 tais estradas cresceram 72% e o
número de veículos rodoviários para transporte de carga foi multiplicado por
sete; em 1951, tais veículos já transportavam 40% do total de mercadorias que
aqui circulavam (BARAT, 1978, p. 16 apud CANO, 1998, p. 179). Como estímulo à
produção de veículos automotores, instalou-se, em 1943, a Fábrica Nacional de
Motores.
Por outro lado, com a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA),
do Instituto Brasileiro do Café (IBC), do Instituto do Mate, do Instituto do
Cacau, do Instituto do Pinho etc., problemas anteriormente tidos como regionais
ganharam caráter nacional e passaram a ser tratados centralizadamente (op cit.).
As mudanças em curso abrangeriam a apropriação e o uso da natureza, a
base material da vida. Resultado de forças que agiram no decorrer da história
sem qualquer participação humana, ao ser apropriada e
modificada pelos homens organizados em sociedade, a natureza se
transforma em recurso, deixando de ser ‘natural’ para ser social. (RAFFESTIN,
1993; SANTOS, 2000). Significa dizer que as formas de apropriação e uso da
natureza, assim como as necessidades que buscam atender, os problemas e
conflitos que daí decorrem e as soluções encontradas
para resolvê-los variam no tempo e no espaço, conforme as necessidades e
especificidades dos sistemas sociais.
Assim, na perspectiva de facilitar o desenvolvimento do capital
industrial e permitir ao Estado controlar os setores ditos estratégicos para a
economia e a segurança foi instituído um novo arcabouço jurídico-institucional
regulando a apropriação, o uso e a exploração dos recursos naturais. Em 1934,
foram assinados o Código de Águas, o Código de Minas e o Código Florestal.
Paralelamente, consoante o sentimento de nacionalidade que em especial a
ditadura do Estado Novo procurou promover, sentimento que tinha na exaltação à
beleza e às riquezas naturais do Brasil uma de suas motivações, várias áreas de
preservação permanente foram instituídas.
A importância dada a essa questão se expressa em inúmeras iniciativas
como revela Vera França e Leite (2003) como a criação, em 1937, do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN).[6] Porém, particularmente representativa é a inclusão, na própria
Constituição outorgada em 1937, de disposição vigorosa em defesa do patrimônio,
preceituando:
Os monumentos históricos, artísticos e
naturais, assim como as paisagens ou locais particularmente dotados pela
natureza, gozam de proteção e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e
dos Municípios. Os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos
cometidos contra o patrimônio nacional (art. 134).
Em 1937 foi criado o Parque Nacional de Itatiaia; em 1938, um Decreto
deu origem ao Código de Pesca; em 1939 foram criados os parques nacionais do
Iguaçu e da Serra dos Órgãos e, em 1946, a Floresta Nacional de Araripe-Apodi. Para muitos estudiosos essas iniciativas
marcam a primeira fase da política patrimonial ambiental brasileira (1934 a
1973), que seria caracterizada pela exploração racional dos recursos e a
constituição de áreas de preservação permanente (SILVA-SANCHES, 2000).[7]
A meu juízo, a apropriação e o uso da natureza implicam
necessariamente uma certa racionalidade: aquela que
permite a reprodução do sistema social. Melhor dizendo, não existe uma racionalidade
universal, a-espacial e a-temporal
como faz crer o discurso hegemônico, inclusive acerca das questões ambientais.
Sociedades diferentes obedecem a lógicas diferentes e racionalidade não é
sinônimo de racionalidade capitalista. Portanto, sequer é adequado utilizar o
termo racionalidade no singular (LEFF, 1994; DIEGUES, 2001).
Ademais, penso em política ambiental como uma manifestação da forma como
a sociedade se apropria da natureza e a utiliza. Portanto, as políticas
ambientais se diferenciam temporal e espacialmente não apenas em seu conteúdo,
mas também na forma como se apresentam. A falta de normas escritas e
específicas acerca do meio ambiente e de um corpo técnico que acompanhe e
fiscalize sua observância não implica inexistência de política ambiental; do
mesmo modo, sua inadequação à razão do capital não implica uma não-razão.
Entendo que a postura do Estado brasileiro no que tange ao uso dos recursos
naturais, tal como em outras áreas da vida social, obedecia a uma certa racionalidade – a requerida pelo desenvolvimento
do capital, como procurar-se-á mostrar através da análise do Código de Águas.
Minas e águas no período anterior à
Constituição de 1934
Até o Decreto 24.643 inexistia, no Brasil, regulamentação específica
acerca da apropriação e uso da água. Abordada juntamente com as minas no âmbito
dos direitos de propriedade, como parte dos direitos que visavam resguardar o
interesse público ou, ainda, ao tratar-se das relações de vizinhança, coube a
Alfredo Valadão, em 1907, a primeira proposta no sentido de criar dispositivos
especiais para regulamentar o uso da água. A proposta, apresentada pelo
professor ao governo federal e aprovada pela Câmara dos Deputados, permaneceu
no Senado até a Revolução de 30. Retomada e reelaborada pelo governo
provisório, resultou no Código de Águas de 1934.
Na verdade, até o final da Primeira República, salvo nos aglomerados
urbanos, a apropriação e luta pela água confundia-se com a luta pela terra e
pelos demais recursos naturais. Afinal, a água era abundante, as atividades
econômicas eram adaptadas à sua disponibilidade e havia a indissociabilidade
entre a posse ou propriedade do solo, do subsolo e das águas.
Desde o Brasil Colônia os direitos sobre os rios
não-navegáveis e não-perenes estiveram associados ao direito à
terra, fosse ela de uso particular ou comum. Entretanto, a Coroa tentou
assegurar seu controle sobre os rios perenes navegáveis. Estratégicas para a
penetração, conhecimento, exploração e ocupação do território, tais correntes
tinham implicações diretas na própria consolidação do poder da Coroa portuguesa
no “Novo Mundo”.
Assim, seguindo as Ordenações Filipinas (Livro II,
Título XXVI, § 8), os rios navegaveis, e os de que
se fazem os navegaveis, se são caudais que correm
todo o tempo ainda que de uso [...] commum
a toda a gente [...] sempre a propriedade delles
fica no Patrimônio Real. De acordo com Cid Tomanik
Pompeu (1972), a derivação de águas dessas correntes estaria sujeita à doação
ou concessão de uso Real.
Porém, atendendo solicitação de proprietários de
engenhos de açúcar da Bahia, em benefício da agricultura e da causa pública um
Alvará (04/03/1819) estendeu ao Brasil alguns parágrafos de um Alvará anterior
(27/11/1804) que regulamentava a construção e o uso de águas em canais e
levadas no Alentejo. [8] A partir de então, independentemente de serem as águas patrimônio Real
ou não, uma povoação em comum ou algum proprietário em particular
necessitando construir algum canal ou levada para tirar água de algum Rio,
Ribeira, Paul ou Nascente seja para regar suas terras ou para as esgotar sendo inundadas, deveria requerer licença a
um Ministro da Vara Branca do Termo ou Comarca, ao qual caberia demarcar o
lugar por onde passaria a dita construção. Os proprietários dos terrenos pelos
quais a água devesse passar não poderiam embaraçar tais obras, mas deveriam ser
ressarcidos dos prejuízos que viessem a sofrer (Alvará de 27/11/1804, § 11).
Contudo, caso os canais ou levadas devessem passar
por Quintas nobres e muradas e [...] quintaes
dos Prédios urbanos nas Cidades ou nas Villas a
licença para a construção só poderia ser concedida por expressa
Resolução de sua Majestade. Naturalmente, após ouvir a Mesa do Desembargo do
Paço. O motivo alegado era o grave prejuízo que tais obras poderiam
causar a esses terrenos e prédios (Alvará de 27/11/1804, § 12).
Ainda no mesmo parágrafo, o Alvará de 1804, ao
tempo em que resguarda os direitos dos antigos usuários, deixa antever a
possibilidade de que novos produtores viessem a utilizar o mesmo manancial.
Assim, a licença para a construção de canais e levadas não seria concedida caso
a obra prejudicasse outra já construída, seja para a rega de terras ou para
alguns engenhos, mas, apenas, quando possa haver commoda
divisão da água de forma que não fique inútil a cultura já feita, ou o Engenho
já construído (op. cit.).
Procurando conciliar os direitos
de propriedade como o direito de acesso à água entre vizinhos, em seu
parágrafo 13, estabelece que os donos das propriedades que no futuro viessem a
ser muradas ou valadas não se obrigavam a dar caminho ou passagem por suas
terras; todavia, estavam obrigados a deixar passar a água e a consertar o
aqueduto. Caso a mudança do aqueduto não prejudicasse a passagem da água, tais
proprietários poderiam requerê-la, mas, deveriam arcar com os custos das obras.
Com o mesmo intuito foi previsto o acesso às águas
de um aqueduto por produtores que não o houvessem custeado devendo, para isso,
pagar sua cota parte da despeza aos [...] aos
que os fizeram construir... A ocorrência de conflitos envolvendo a
apropriação e uso desse elemento essencial à produção e à vida era prevista
ficando estabelecido que quando for necessario
haver divisão judicial da água, nesta se seguirá o arbítrio de Louvados
inteligentes (Alvará de 27/11/1804, § 13).
O advento do Império não trouxe mudanças
significativas no que concerne aos direitos sobre as águas. Os direitos Reais
passaram ao domínio da Nação, continuando em vigor o Alvará de 1804 (POMPEU,
1972).
A República, igualmente, pouco alterou o quadro
anterior. Embora, à ocasião, no seio das elites houvesse defensores da
indústria e tal propósito apontasse para a desvinculação entre a propriedade do
solo e do subsolo, fortemente influenciada pelo pensamento liberal e
evidenciando o poder dos donos de terra, a primeira Carta republicana (1891)
deixou claro que as minas pertenciam aos proprietários do solo – e, conseqüentemente
a água, regida pelos mesmos princípios que os demais minerais.[9] Admitiu, porém, que a propriedade das minas poderia sofrer limitações a
serem estabelecidas por lei a bem da exploração deste ramo de indústria
(art. 72, § 17).
A Emenda Constitucional de 1926 manteve o anteriormente disposto. Nela,
porém, os interesses estratégicos do Estado são claramente firmados ao
estabelecer que: as minas e jazidas minerais necessárias à segurança e
defesa nacionais e as terras onde existirem, não podem ser transferidas a
estrangeiros (art. 72, § 17 b). Na raiz desse dispositivo encontra-se o
aumento do consumo de energia, do ferro e do aço por força do adensamento da
população urbana e do crescimento de alguns ramos da indústria, a proximidade da
Primeira Guerra e a existência de vozes importantes que se colocavam contra a
presença do capital estrangeiro em certos ramos de atividade, entre os quais o
da mineração.[10]
De fato, a comercialização da energia – principal uso industrial das
águas – ainda que proveniente de correntes particulares,
dependia de concessão estadual ou municipal (SILVEIRA et al., 1999); e as primeiras limitações ao
direito de propriedade da terra ocorrerão durante a Primeira República exatamente
em função de necessidades colocadas pelo desenvolvimento da produção mineral.
Entretanto, até o Decreto 24.643, a apropriação e o uso das águas no
Brasil regiam-se, efetivamente, pelo direito de propriedade, consubstanciados,
a partir de 1917, no Código Civil cujo artigo 526 preceituava:
A propriedade do solo abrange a do que
lhe está superior e inferior em toda a altura e em toda a profundidade, úteis
ao seu exercício, não podendo, todavia, o proprietário opor-se a trabalhos que
sejam empreendidos a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele
interesse algum em impedi-los (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo
nº 3.725, de 15/01/1919).
No que concerne a relações de vizinhança e uso dos mananciais hídricos, merece registro a visível influência das Ordenações Filipinas no Código Civil de 1917. [11]
Finalmente, cabe observar que a titularidade de um curso
d’água não implicava grandes diferenças no que tange a sua apropriação. Aqueles
que detinham o uso da terra usufruíam livremente das águas que a banhavam.
Proprietário ou simples posseiro, o decisivo era a capacidade de exercer
controle sobre a terra e, conseqüentemente, sobre os recursos que nela
existiam. Na zona rural, as contendas envolvendo o uso da água freqüentemente
se apresentavam na forma de luta pela terra e, como tal eram resolvidas.
Prevalecia a vontade do mais forte, sem maiores
preocupações com a legalidade ou legitimidade das ações envolvidas.
Minas e quedas d’água no caminho da exploração industrial
A Constituição de 1934 enfim separou a propriedade
do solo da propriedade de outras matérias naturais, estabelecendo que as minas
e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água, constituem propriedade
distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento industrial
(art. 118).
Essa determinação, ao tempo em que expressa um certo desenvolvimento da indústria, é essencial à
consolidação e expansão do capital, ampliando as possibilidades de apropriação
da natureza pelo capital industrial e sua transformação de riqueza potencial em
mercadoria. Aqui está em questão a liberdade do capital, condição do próprio
processo de acumulação.
Regida pelos princípios nacionalistas,
centralizadores e intervencionistas que nortearão o Estado brasileiro e sua
proposta de desenvolvimento, a Carta Constitucional de 1934, em seu artigo 119,
assim se refere à exploração das minas e das águas:
O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, bem como
das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende da
autorização ou concessão federal, na forma da Lei.
§ 1º) As
autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a
empresas organizadas no Brasil, ressalvada ao proprietário preferência na
exploração ou co-participação nos lucros [...].
§ 4º) A Lei
regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas
d’água ou outras fontes de energia hidráulica, julgadas básicas ou essenciais à
defesa econômica ou militar do País.
A ditadura implantada em 1937 reafirmou e aprofundou o caráter
intervencionista e centralizador do Estado; a Constituição que impôs foi mais
clara no que concerne à disposição do poder público em conduzir a economia.
Malgrado declarar que a riqueza e a prosperidade nacional fundavam-se na
iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do
indivíduo, ela legitimou a ação estatal para suprir as deficiências da
iniciativa individual e coordenar os fatores de produção de maneira a evitar ou
resolver conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o
pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado (art. 135).
As restrições ao capital estrangeiro em setores estratégicos, como
geração e transmissão de energia, mineração e metalurgia e o controle do
governo central sobre as atividades que envolviam esses recursos cresceram.
Cabe assinalar, porém, que o protecionismo, o intervencionismo e o
nacionalismo do Estado brasileiro não destoavam da tendência mundial. Na
realidade, embora a Revolução Industrial tenha sido acompanhada pelo discurso
liberal, o papel do Estado foi fundamental à consolidação da industria
européia e, mais tarde, da norte-americana. Tal papel ganhou importância ainda
maior após a crise dos anos de 1870. A partir daí, a política dos países
industriais visava, claramente, proteger seus mercados da acirrada concorrência
internacional (MELLO, 1999).
Por outro lado, ao se recuperarem da crise de 1929-31 esses mesmos
países priorizaram a acumulação no interior de suas fronteiras. Na raiz dessa
opção estava a necessidade do fortalecimento da indústria da guerra – colocada
pela própria crise e pela proximidade da Guerra de 1914-1919 – mas, também,
pelo crescimento econômico que se avizinhava (SINGER, 1997). Para garantir a
realização do capital, a intervenção do Estado na vida econômica e sua mediação
nas relações capital-trabalho passou a ser cada vez
mais aceita.
Propriedade e uso da água doce no Código de 1934
Em seu Livro I, Título I, o Código de Águas previu
a existência de águas públicas (Capítulo I), comuns (Capítulo II) e
particulares (Capítulo III).
As “águas públicas” foram classificadas como de “uso comum”
e “dominicais” e ambas poderiam estar sob jurisdição federal, estadual
ou municipal. A perenidade era condição para que as águas fossem “públicas de
uso comum”. Foram definidas como “públicas de uso comum” correntes, canais,
lagos e lagoas navegáveis ou flutuáveis (exceto lagos e lagoas
situados em um só prédio particular e não alimentados por corrente de
uso comum), as correntes que os faziam navegáveis ou flutuáveis e os braços de
quaisquer correntes públicas que influenciassem nas condições de navegabilidade
ou flutuabilidade, as fontes e reservatórios públicos
e as nascentes que por si só constituíssem um caput fluminis
(art. 2 e 3).[12]
Como se observa, estavam sob o domínio do Estado, na condição de “uso
comum”, as águas especialmente relevantes para o desenvolvimento econômico e o
controle do território. “Águas públicas dominicais” eram aquelas situadas em
terrenos também públicos, desde que não estivessem entre as águas “públicas de
uso comum” ou “comuns” (art. 7).
No semi-árido nordestino, região em que, periodicamente, a população
pobre sofria com estiagens mais ou menos prolongadas, exceção feita às águas de
chuva coletadas em prédios particulares, todas as águas foram consideradas
“públicas de uso comum” (art. 5 e art. 103).
O Código classificou como “águas comuns” as
correntes não navegáveis e não flutuáveis que não formassem “águas públicas de
uso comum” (art. 7). Na categoria de “águas particulares” estavam as nascentes e as águas situadas em terrenos particulares
não incluídas entre as “águas comuns de todos”, as “águas públicas” ou as
“águas comuns” (art. 8).
A percepção de que o acesso à água deve ser
garantido a todos como parte do direito à vida estava presente de forma inequívoca.[13] Assim, ao dispor sobre o uso das águas, o Código chamou de “águas
comuns de todos” toda e qualquer água, corrente ou nascente, destinada às
primeiras necessidades da vida, e determinou sua gratuidade quando a esse fim
se destinasse (art. 34). Como forma de viabilizar o exercício desse direito, na
ausência de fontes sem grande incômodo ou dificuldade e de caminho
público que as tornasse acessíveis, permitiu livre trânsito por prédios
particulares, ainda que mediante indenização por eventuais prejuízos causados a
seus proprietários (art. 35, caput, § 1 e 2).
Uma vez obedecidos os regulamentos, todos poderiam
utilizar as “águas públicas”, sendo prevista regulamentação futura para sua
derivação. Entretanto, [...] em qualquer hipótese, [teria] preferência
o abastecimento das populações (art. 36, § 1º). Cabe ainda assinalar que,
embora tenha se consolidado no Brasil a prática do uso gratuito das águas
públicas, o Código previu a possibilidade da não-gratuidade (art. 36, §
2º).
A derivação das águas públicas para utilização na agricultura, na
indústria ou na higiene estaria sujeita a uma concessão administrativa quando o
objetivo do uso atendesse à utilidade pública. Caso a derivação se fizesse em
benefício particular, dependeria de uma autorização, dispensada caso se
tratasse de quantidades insignificantes (art. 43). As outorgas seriam
atribuídas pela União, Estados ou Municípios conforme o domínio a que as águas
estivessem sujeitas. Entretanto, se o objetivo da solicitação era a produção de
energia, tal competência caberia ao governo federal (art. 62 e 63), que, em
alguns casos, poderia transferir tal poder aos estados (art. 191 a 194).
Apesar de prever concessão ou autorização para o aproveitamento
das “águas públicas”, o Código regulamentou apenas as outorgas para a indústria
hidrelétrica. Décadas se passaram sem que União, Estados e Municípios
regulamentassem a derivação para os demais usos.[14] Também não seria colocada em pauta a alternativa de cobrança pelo uso das
águas públicas. Importava o fato de que os índices de crescimento econômico
eram consideráveis e que o País se urbanizava, sem que a oferta de água e
energia se constituísse em um entrave a esse propósito.
A não regulamentação das concessões e autorizações para a derivação
pelas demais atividades econômicas e para o abastecimento, e ainda a
consolidação do acesso gratuito à água bruta [15] decorreu de fatores diversos: a impossibilidade de controlar as
outorgas em um País com as dimensões do Brasil, em que a água era (e ainda é)
relativamente abundante; a percepção de que tal controle exigiria uma
infra-estrutura técnica e institucional bastante complexa e de alto custo,
mesmo nas regiões mais densamente povoadas, e, finalmente, a percepção da
importância da água para a indústria e a urbanização e, portanto, a disposição
de não colocar entraves a sua derivação. Por outro lado, tendo em vista as
prioridades estabelecidas para o uso do potencial hídrico brasileiro – via de
transporte e produção de energia [16] –, setores em que o uso da água é não-consuntivo,
ou seja, que não exigem derivação, a questão central a ser disciplinada não
deveria ser, de fato, a quantidade extraída.
Demonstrando coerência interna, adequação ao projeto de industrialização
e às prioridades estabelecidas, o Código tratou especificamente das ações que
pudessem vir a obstruir o curso das águas e modificar seu volume temporal.
Afinal, a hidroeletricidade necessita de um fluxo mínimo de água e exige a
execução de obras que resultam na alteração da velocidade e do curso natural
dos rios passíveis de interferir tanto na navegabilidade quanto na construção
de futuras usinas.
A ausência de especificações quantitativas acerca das derivações não significou, ao menos do ponto de vista formal, liberdade total
de uso. Vários artigos do Código deixam claro que um usuário não poderia
prejudicar seus vizinhos impondo limites, ainda que indiretos, à quantidade
extraída. Diz, por exemplo, o artigo 53:
Os utentes de águas públicas de uso
comum ou os proprietários marginais são obrigados a se abster de fatos que
prejudiquem ou embaracem o regime e o curso das águas, e a navegação ou a
flutuação, exceto se para tais fatos forem especialmente autorizados por alguma
concessão.
Os infratores estavam sujeitos a multas e à obrigatoriedade de remover
os obstáculos interpostos. Registre-se ainda que, no interesse da saúde e da
segurança públicas, mesmo as águas particulares poderiam ser objeto de inspeção
e de autorização administrativa para serem utilizadas (art. 68).
Em relação aos eventuais prejuízos que os usuários pudessem causar uns
aos outros, o Decreto 24.643 não se ateve apenas à derivação ou à obstrução das
correntes. Revelando preocupação com o direito ao acesso à água e consciência
de que sua qualidade pode ser modificada pelo uso a ponto de causar
constrangimento ou inviabilizar utilizações futuras, o Código estabeleceu que: a
ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com
prejuízos de terceiros (art. 109). Além de multados, os responsáveis por
tais atos poderiam ser responsabilizados criminalmente e obrigados a executar
obras para recuperar a qualidade das águas (art. 110).
Frente aos efeitos poluidores que o desenvolvimento agrícola e
industrial viriam ocasionar, previu: mediante expressa
autorização administrativa as águas poderão ser inquinadas, mas os agricultores
ou industriais deverão providenciar para que se as purifiquem, por qualquer
processo, ou sigam o seu esgoto natural (art. 111). Se, em razão do favor
concedido pelo citado artigo, União, estados, municípios ou particulares
fossem lesados, caberia aos responsáveis indenizar a parte lesada (art. 112). A
legislação brasileira de 1934 estava, pois, atenta à qualidade das águas.
Contudo, em nome do desenvolvimento, não apenas a derivação das águas
foi livre. Como receptáculo de efluentes líquidos e resíduos sólidos das
indústrias e cidades ou através do escoamento e infiltração em solo contaminado
pelo uso de pesticidas e herbicidas, progressivamente os mananciais foram sendo
poluídos. Lentamente, o desenvolvimento produzia a escassez.
Com o advento do Estado Novo, o Decreto-lei
852 de 11 de novembro de 1938 modificou o Decreto 24.643. As restrições ao
capital estrangeiro na produção de energia cresceram; as águas de domínio da
União próximas às fronteiras foram ampliadas; os artigos que definiam as “águas
públicas de uso comum” e as águas pertencentes à União receberam redação mais
clara (art. 2 e 3).
Conforme disposto no artigo 525 do Código Civil, as águas subterrâneas
pertenciam aos proprietários da terra sob a qual se encontravam. O Decreto
24.634 não as classifica como águas particulares, mas permite ao dono de um
terreno apropriar-se das águas existentes debaixo de seu prédio por meio
de poços, galerias, etc. Essa apropriação, contudo, não poderia prejudicar
aproveitamentos pré-existentes nem derivar ou desviar de seu curso natural
as águas públicas dominicais, públicas de uso comum ou particulares, casos
em que as obras visando tal apropriação poderiam ser suspensas pelo poder
público (art. 96).
O Código de 1934 previu uma série de direitos e obrigações relativas ao
uso da água doce. Contudo, em geral, o exercício de tais direitos e obrigações
remetiam a regulamentos administrativos futuros que não foram estabelecidos,
facilitando a resolução dos eventuais conflitos em favor dos contendores mais
poderosos. Aliás, a garantia formal de direitos jamais significou seu pleno
exercício. Para efetivar-se, o direito consignado em lei passa,
necessariamente, pela montagem e funcionamento de um aparato
jurídico-administrativo que assegure sua aplicabilidade e, portanto, dependente
da capacidade das diversas classes e grupos sociais fazerem valer seus interesses.[17]
Significa dizer que a não aplicação da lei não decorre de incapacidade
jurídica, técnica, administrativa, ou de uma suposta ausência de ‘vontade
política’ dos governantes. Melhor dizendo, a ‘vontade política’ tem um
fundamento – a correlação de forças entre os diversos grupos sociais. Não é
outra a razão pela qual o próprio Código regulamentou e fez valer suas
determinações acerca do uso da água pelo setor energético, essencial ao projeto
de desenvolvimento industrial defendido por aqueles que assumiram o poder em
1930.
A legislação garantia claramente o direito universal à água para as
primeiras necessidades da vida e a igualdade de acesso às águas públicas.
Entretanto, sequer a prioridade do abastecimento humano foi observada. Parte
das relações sociais, as águas – públicas ou não – seriam apropriadas pelos
detentores do poder do modo que melhor lhes conviesse, inclusive, ou
particularmente, nas regiões em que ela é relativamente mais escassa
– o sertão nordestino – onde, como já dito, à exceção das águas pluviais
coletadas em prédios particulares, todas as águas foram consideradas
públicas.
Energia hidráulica
Até o início do século XX, a energia consumida no Brasil era
predominantemente de origem térmica. Pequenas hidrelétricas produziam energia
para iluminação pública e para indústrias de beneficiamento de produtos
agrícolas, mineração, tecelagem etc. Porém, acompanhando o crescimento das
indústrias leves, verificado nas duas primeiras décadas do século, a produção e
o consumo da hidroeletricidade aumentaram significativamente.
Em 1889 foi inaugurada a primeira grande usina hidrelétrica no Brasil.
Construída no rio Paraibuna, destinava-se ao
fornecimento de energia para a cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Em
1901, a Light colocou em operação sua primeira usina hidrelétrica no Brasil; em
1907, visando abastecer a cidade do Rio de Janeiro, a mesma empresa inaugurou a
usina de Fontes, no Ribeirão das Lages; em 1909, funcionando com uma potência
de 24.000 KW, a usina de Fontes era uma das maiores hidrelétricas do mundo. Em
1920, excetuando os autoprodutores, a
hidroeletricidade já respondia por 77,8% da oferta total de energia no País; no
decorrer dessa mesma década a produção de energia hídrica duplicou (SILVEIRA,
1999).
Entretanto, se a demanda até então estava sendo atendida, a decisão
governamental de promover a industrialização induziria ao aumento do consumo,
colocando a necessidade da elevação da oferta. Por outro lado, a percepção de
que a produção e a distribuição de energia eram atividades estratégicas do
ponto de vista econômico e militar exigiria maior controle estatal sobre as
empresas do setor.
Os princípios liberais que haviam permitido duas empresas estrangeiras
monopolizarem a oferta de energia na região com as mais altas taxas de
crescimento não se adequavam ao ambiente sócio-político da ‘Era Vargas’. A nova
legislação ampliou o conceito de águas públicas; as quedas d’água e outras
fontes de energia hidráulica foram classificadas como bens imóveis distintos
da terra; as fontes de energia existentes em “águas públicas de uso comum” ou
“dominicais” foram incorporadas ao patrimônio da Nação como propriedade
inalienável; as concessões visando o aproveitamento energético das quedas
d’água, antes conferidas pelos estados e municípios, passaram às mãos do
governo federal.
Para responder pela fixação de tarifas, organização e controle das
concessionárias e, ainda, pela interligação entre as usinas e os sistemas
elétricos, foi criado, em 1939, o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica
(CNAEE). A União e os estados tornam-se acionistas e proprietários de empresas
geradoras e distribuidoras de energia (SILVEIRA et al., 1999).
Particularmente importante para o projeto modernizador era a questão da
propriedade das quedas d’água e outras fontes de energia hidráulica. Assim, enquanto
a Constituição separava a
propriedade do solo da propriedade das quedas d’água para efeito de exploração
ou aproveitamento industrial (art. 118), o Código de Águas, em seu artigo 145,
especificava:
[...] a propriedade superficial não
abrange a água, o álveo do curso no trecho em que se acha a queda d’água, nem a
respectiva energia hidráulica, para o efeito de seu aproveitamento industrial.
Malgrado a disposição do Estado em promover a indústria, o Brasil era um
país essencialmente agrário e o poder dos proprietários de terra – ainda hoje
considerável – era decisivo. Evitando confrontos, o Código procurou preservar
alguns direitos desses proprietários, pois, apesar de bens imóveis distintos
do solo, as quedas d’água existentes em terras particulares foram declaradas
pertencentes aos proprietários dos terrenos marginais ou a quem de direito
(art. 146), aos quais foi assegurada preferência na autorização ou concessão
para o aproveitamento industrial de sua energia ou co-participação [...] nos
lucros da exploração que por outrem for feita (art. 148).
As concessões ou autorizações para a produção de energia passaram à
competência da União (art. 139) que, em alguns casos, mediante comprovação de
capacidade técnico-administrativa e sob sua fiscalização, poderia transferi-la
aos Estados (art. 191 a 194). As concessões eram outorgadas por Decreto
Presidencial, referendadas pelo Ministro da Agricultura (art. 150), e as
autorizações por Ato do Ministro da Agricultura (art. 170); o prazo de duração
de ambas era de trinta anos, passível de renovação.
Dispensadas de concessão ou autorização estavam as usinas que
comercializavam energia já em funcionamento por ocasião do Decreto, e aquelas
com potência inferior a 50 kws
que produziam para uso próprio. Porém, em ambos os casos os produtores
deveriam, em prazo determinado, cumprir certas exigências, igualmente
estabelecidas no Código.
Obedecendo à vaga nacionalista, na condição de indústria estratégica, as
autorizações e concessões para a produção e distribuição de energia seriam
conferidas exclusivamente a brasileiros ou a empresas organizadas no Brasil
(art. 195). Para obter a condição de empresa organizada no Brasil o
empreendimento, ainda que com a participação de capital estrangeiro, deveria constituir
suas administrações com maioria de diretores brasileiros, residentes no
Brasil, ou delegar poderes de gerência exclusivamente a brasileiros (art.
195 § 1). Exigia-se ainda de tais empresas manter
nos seus serviços, no mínimo dois terços de engenheiros e três quartos de
operários brasileiros (art. 195 § 2).
O Decreto-lei 852/38 que modificou o Decreto
24.643 tornou as ações na área energética ainda mais centralizadas e aumentou
as restrições ao capital estrangeiro. As autorizações e concessões para o
estabelecimento de linhas de transmissão e redes de distribuição de energia
passaram a depender em todo o tempo, exclusivamente do governo federal e
as transferências de atribuições que haviam sido feitas aos estados de São
Paulo e Minas Gerais foram suspensas (art. 4 e 5).
Conforme o mesmo Decreto-lei, os
aproveitamentos de quedas d’água destinados a serviços públicos, de utilidade
pública ou ao comércio de energia passaram a ser permitidos apenas a
brasileiros, a Estados e Municípios e a sociedades brasileiras (art. 6). A
forma de organização dessas sociedades foi definida de sorte a restringir a
participação do capital externo e impedir que acionistas estrangeiros tivessem
direito de voto. Assim, por exemplo, nas sociedades de capital aberto, somente
as ações nominativas tinham direito a voto; nas sociedades de economia mista,
os sócios responsáveis deveriam ser brasileiros e, nas sociedades de pessoas,
todos tinham que ser brasileiros (art. 7). As restrições à produção de energia
hidráulica por estrangeiros passaram a existir mesmo quando destinada a uso
próprio (art. 8º).
Nos regimes republicanos a lei costuma assegurar a todos direitos iguais
frente aos chamados “bens públicos”. Entretanto, as desigualdades produzidas
pela acumulação e expansão do capital estarão presentes na apropriação desses
bens. Se a água é essencial à vida, também é um elemento insubstituível à
produção, ou seja, à acumulação. Falar em desenvolvimento capitalista significa
falar na progressiva apropriação da água – e, claro, das demais matérias
naturais passíveis de serem transformadas em recursos
– pelo capital, que dela se torna o principal usufrutuário. Aliás, como visto,
não é outra a justificativa apresentada no preâmbulo do Código de Águas.
Seu texto procurou conciliar o reconhecimento de que a água é essencial
à vida e o princípio da igualdade de direitos frente aos bens públicos com o
estímulo ao desenvolvimento. Assim, o aproveitamento da energia hidráulica
deveria satisfazer exigências acauteladoras dos interesses gerais, em
particular a alimentação e as necessidades das populações ribeirinhas, a
salubridade pública, a navegação, a irrigação, a proteção
contra inundações, a conservação e livre circulação do peixe e o escoamento
e rejeição das águas (art. 143). Porém, o setor elétrico conduziu a
política hídrica brasileira à revelia dos demais usos, acumulando, no decorrer
do tempo, numerosos conflitos com os demais usuários.[18]
Na condição de indústria prioritária e de utilidade pública, a produção e transmissão de energia foi a grande privilegiada no uso da água no Brasil. Diz o Código de 1934 em seu artigo 151 que, além de regalias e favores constantes das leis fiscais e especiais, aos concessionários da exploração dos serviços energéticos era permitido:
a) utilizar os terrenos de domínio
público e estabelecer as servidões nos mesmos ...;
b) desapropriar nos prédios
particulares e nas autorizações preexistentes os bens, inclusive as águas
particulares sobre que verse a concessão e os direitos que forem necessários,
de acordo com a lei que regula a desapropriação por utilidade pública ...;
c) estabelecer as servidões permanentes
ou temporárias exigidas para as obras hidráulicas e para o transporte
distribuição da energia elétrica; construir estradas de ferro, rodovias, linhas
telefônicas ou telegráficas, sem prejuízos de terceiros, para uso exclusivo da
exploração; estabelecer linhas de transmissão e distribuição.
Amparada pelo Código de Águas e continuamente priorizada pelo Estado,
independentemente de seu caráter democrático ou autoritário, a geração e
distribuição de energia proveniente do movimento das águas cresceu por quase
toda a segunda metade do século passado. No rastro das hidrelétricas
necessárias ao desenvolvimento, as exigências acauteladoras dos interesses gerais
quase nunca foram atendidas. Não por outra razão surgiu, na década de 1970,
ainda sob a ditadura militar, o Movimento dos Atingidos por Barragens.
Uma vez apropriada, a água obedecerá à lógica da expansão permanente do
lucro, não havendo lugar para considerações sobre as necessidades de terceiros
e, muito menos, para cuidados com os “bens de uso comum”. Em busca do
desenvolvimento, o Estado será permissivo quanto à observância de várias de
suas determinações e, freqüentemente, agirá ele próprio de sorte a prejudicar
terceiros. Essa postura, ao contrário do que pode parecer, não revela
ineficiência ou falta de meios para fazer cumprir a lei, mas coerência com seu
objetivo maior – favorecer o processo de acumulação capitalista, ou seja, o
chamado desenvolvimento econômico.
Conclusão
O Código de Águas de 1934 fez parte do conjunto de
medidas adotadas a partir da chamada Revolução de 30, que tinha por objetivo
fazer do Brasil um País moderno, industrializado. Complementado por legislação
correlata acerca de meio ambiente, irrigação e obras contra a seca, o
ordenamento acerca da apropriação e uso da água doce, constante no Código,
consubstanciou a legislação brasileira de águas até janeiro de 1997.
Este instrumento jurídico procurou atender as
necessidades de um país que se urbanizava, com abundância relativa de água,
grande potencial hidro-energético e no qual se
fortalecia o ideário do desenvolvimento identificado à industrialização. Nessa
perspectiva, tratou dos direitos individuais de apropriação e uso desse
elemento da natureza – essencial e insubstituível – cujo consumo tenderia a
crescer. Entretanto, refletindo o momento então vivido pela sociedade
brasileira, priorizou usos estratégicos para o desenvolvimento e para a
segurança, restringiu a participação de capital estrangeiro na produção e
transmissão de energia e concentrou nas mãos do governo federal o controle do
setor energético.
Demonstrando coerência interna e adequação ao
projeto de modernização proposto, o Código regulamentou a separação entre a
propriedade do solo e das quedas d’água para efeito do aproveitamento
industrial da energia. Porém, tal dissociação, marco no processo de expansão de
mercantilização da natureza, sem dúvida fundamental
ao avanço do processo de acumulação do capital, refletiu as relações de poder
em um País cuja produção, primordialmente agrícola, mantinha privilégios dos
proprietários de terra.
O Brasil industrializou-se e sua população
tornou-se eminentemente urbana. Água e energia, elementos essenciais a esse
processo, não faltaram ao capital. É verdade que, ainda hoje, milhões de
brasileiros não têm acesso à energia elétrica, e sequer à água potável.
Entretanto, o Código de Águas cumpriu seus propósitos.[19]
As hidrelétricas submergiram cidades, florestas e
campos de cultivo de milhares de agricultores; a flora e a fauna aquáticas
estão mais pobres; as fontes de abastecimento mais distantes dos consumidores e
as águas poluídas elevaram os custos do abastecimento. O desenvolvimento trouxe
novos problemas e colocou na ordem do dia a escassez de água. Assim, no bojo de
uma nova reforma do Estado – que aponta em sentido inverso à realizada na Era
Vargas –, porém igualmente acenando com a racionalidade e o desenvolvimento –
agora adjetivado de sustentável –, foi promulgada a lei 9.433/97.
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Obs: Este trabalho é uma releitura de um capítulo da dissertação de mestrado Água doce no Brasil: razões de uma nova política, por mim defendida na Universidade Federal do Ceará, em 2003. Disponível em: <http://www.prodema.ufc.br/dissertações/077.pdf
A autora é economista,
professora da Universidade Federal do Piauí, doutoranda em Geografia na
Universidade Federal Fluminense.
[1] Denomina-se ‘Era
Vargas’ o período posterior à Revolução de 30 e a instauração do Estado Novo,
isto é, de 1930 a 1945. Entretanto, a forte presença de Getúlio Vargas
estende-se muito além desse período ultrapassando, inclusive, seu segundo
governo (1951-1954).
[2] Neste texto utilizo
indistintamente os termos desenvolvimento, desenvolvimento econômico,
crescimento, modernização para designar a acumulação derivada do que K. Marx
chamou reprodução ampliada do capital.
[3] A bibliografia a
respeito do período inicial da indústria no Brasil, assim como dos efeitos que
sobre ela tiveram as crises internacionais é vasta. Além de CARDOSO de MELLO,
J. M. (1987) e FURTADO, C. (1986) entre outros clássicos ver: SUZIGAN, W. Indústria
brasileira – origens e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1986; LUZ,
N. V. A luta pela industrialização do Brasil: 1808 a 1930. São
Paulo: Alfa Omega, 1975. IANNI, O. Estado e Planejamento Econômico no Brasil.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.
[4] O Partido Comunista
do Brasil havia sido fundado em 1922, na cidade de Niterói, RJ.
[5] Octávio Ianni (e outros estudiosos deste período) apresenta uma
longa lista das ações governamentais que caracterizam a reforma do Estado e que
buscavam preparar o País jurídica e tecnicamente para promover a
industrialização.
[6] O SPHAN estava
subordinado ao Ministério da Educação e Saúde.
[7] Esta é, inclusive, a
posição de Solange Silva-Sanches em seu excelente livro Cidadania ambiental:
novos direitos no Brasil. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP,
2000.
[8] Na realidade, o dito
Alvará, estendeu tais parágrafos a todas as Províncias do Reino de Portugal e
Domínios Ultramarinos.
[9] A separação entre a
propriedade do solo e do subsolo havia sido sugerida ao governo Imperial em 1875 pelo cientista francês Claude Henri Gorceix
(contratado para montar a Escola de Minas de Ouro Preto). O professor
aconselhava, ainda, a transformação do subsolo em propriedade pública e
justificava sua posição dada a relevância das riquezas
minerais na realização de trabalhos grandiosos e na guerra (Gorceix, 1875).
[10] Sobre este debate
ver a já citada obra de Nícia Vilela Luz.
[11] Tal influência é
igualmente perceptível nos parágrafos do Código de Águas que tratam da mesma
matéria.
[12] Foram aqui excluídos
os mares territoriais, golfos, baías, enseadas e portos porque este trabalho
trata apenas da água doce.
[13] A
meu juízo bem mais claramente do que na Lei 9.433/97 uma vez que a mesma
estabelece prioridade para o consumo humano (e a dessedentação
de animais) apenas “em situação de escassez” (art. 1º, III). Fica, no entanto,
a pergunta: ‘quem’ ou ‘o quê’ cria a escassez?
[14] Na maioria dos estados
tal regulamentação começa a ser elaborada após a Lei 9.433/97.
[15] Água tal como se
encontra nos mananciais.
[16] Com o
desenvolvimento do transporte rodoviário, especialmente a partir dos anos de
1950, a cabotagem foi secundarizada e a
hidroeletricidade consolidou-se como prioridade absoluta para o uso das águas.
[17] Tais colocações
devem-se à comunicação verbal com o professor Newton Clark, da Universidade
Federal do Piauí.
[18] No entender de
alguns especialistas a Lei 9.433/97 ainda mantém privilégios do setor energético.
De fato, todos os vetos do presidente Fernando Henrique Cardoso ao substitutivo
do relator Aroldo Cedraz estão, de algum modo,
relacionados ao setor.
[19] Problemas
energéticos – ainda não solucionados – ameaçando causar transtornos ao processo
de acumulação só ocorreram neste século após contínua queda dos investimentos
no setor, em grande medida, decorrente da reforma do Estado iniciada na década
passada.